Parte I - O Bebê
No começo da manhã de um dia não mais frio que os anteriores, um velho cavalo puxava a pequena carroça por entre árvores de um bosque próximo a lugar nenhum. Um homem mais jovem do que aparentava ser levava consigo sua mulher e seu filho, nascido poucos dias atrás, buscando chegar nas redondezas de Winterfell para recomeçar sua vida. O som da madeira acabada da carroça estalando era só o que se ouvia, enquanto o homem olhava friamente para frente e sua mulher permanecia de cabeça baixa, ambos já sem certeza de quanto tempo tinham de viagem ou o quão próximos estavam de seu destino. O bebê dormia profundamente.
Ouviu-se uma batida, quase como um passo, e alguns momentos depois o cavalo começou a diminuir o ritmo até parar. O homem levantou-se a principio com a intenção de castigar o animal, mas logo seus olhos começaram a vasculhar o cenário repleto de árvores ao seu redor. Tudo muito quieto sem o andar da carroça, tão quieto que podia ouvir o vento gélido soprar por entre as folhagens, e a mulher levantou-se temerosa esperando uma resposta do companheiro. A fúria do homem com a reação da mulher era evidente, mas antes que ofensas lhe escapassem da boca, uma flecha veio do alto rasgando o silêncio e o vento, perfurando seu peito. Seu grito ecoou enquanto suas pernas agora desorientadas o deixaram cair, o cavalo assustou-se e correu sem rumo, chocando a carroça contra uma árvore e despedaçando-a. A mulher caiu de costas, segurando o bebê com firmeza o tempo todo.
Quando não havia mais qualquer sinal do cavalo, o silêncio foi interrompido uma segunda vez, agora pelo choro da criança. Sua mãe levantava-se vagarosamente com os olhos vasculhando o bosque em busca do companheiro, que jazia deitado sem sinal de vida. A queda o havia desacordado ou por muito azar o matado. E foi então que três homens surgiram, apenas um estava armado e este aproximou-se do homem caído, finalizando-o com uma flecha no olho. Os outros dois aproximaram-se da mulher, com largos sorrisos amarelos e os rostos sujos e cobertos de barba, não era necessário muito esforço para adivinhar suas intenções. Por entre protestos e momentâneos períodos de silêncios a manhã passou, seguida pela tarde e enfim a noite, para somente na outra manhã um bebê acordar órfão.
O cavalo se fora, a carroça estava destruída, o corpo do pai já apodrecia e a mãe finalmente havia encontrado na morte um fim para o sofrimento. Os três homens pegaram o pouco que havia de valor entre os destroços, e sem coragem para finalizar um ser tão inofensivo o tiraram do bosque.
No dia seguinte, não muito longe de onde a tragédia acontecera, outra carroça seguia seu caminho para Karhold. Nela haviam alguns homens armados, possivelmente alguém de sangue nobre e algumas pessoas comuns, futuros servos da casa Karstark. Até ali nada fora do comum na viagem, até a carroça parar e o som do choro de um bebê fazer-se ouvir, foi então que notaram uma criança jogada no caminho, largada para morte ou propositalmente deixada para que fosse encontrada.
Parte II - O Garoto
Acolhido por uma mulher de meia idade chamada Adala, a criança nunca recebeu um nome de fato, foi criado da maneira mais simples possível pela mulher que já tinha um filho. Assim que completou 7 anos passou a ajudar nos afazeres de sua responsável em Karhold. Sempre silencioso e obediente as ordens, andava quase sem ser notado devido ao pequeno porte e realizava tarefas além das dadas por Adala, conhecido como "menino vareta" ou "garoto da Adala" aos que não sabiam como chama-lo. Erik Arlov, filho de Adala, era apenas 5 anos mais velho e nunca fora amigável com o "Vareta" até certa idade, mas assim que ambos completaram 10 e 15 anos, seja por Vareta ter deixado de ser um "bebê problema" aos olhos de Erik ou por ambos não terem amigos onde moravam, passaram a trabalhar e pregar peças juntos.
Aproximadamente dois anos depois, o garoto Erik foi levado para Winterfell por um parente distante após a morte de Adala. Vareta por outro lado, foi mantido em Karhold como serviçal, um ajudante para qualquer servo da Casa Karstark. Passou a ser extremamente ativo nas tarefas em que era solicitado, não haviam mais distrações ao garoto que passou a adotar uma postura cada vez mais séria e em pouco tempo era o mais prestativo dentre os servos. Naquela época começou a maior parte de seu tempo livre próximo a alguns soldados(os poucos que não o espantavam quando aproximava-se), que pouco a pouco tornaram-se o mais próximo que o garoto tinha de amigos. Ouvia histórias de guerra e outras que todos conhecem, aprendia sobre duelos e os Antigos Deuses, sonhando cada dia mais com o que em sua mente eram "gloriosas batalhas". E cada vez mais presente em todo o castelo, foi-lhe possível acompanhar, mesmo que só observando, os treinos de manejo de armas, entre outros.
Com mais um ano completo, foi um simples soldado de nome Hans que lhe deu o apelido Grey, o qual o garoto adotou como sendo seu nome. Agora não só mais um serviçal, Grey era um potencial guerreiro que com certeza lutaria lealmente pelos Karstark se lhe fosse possível, e foi quando suas práticas começaram. Mal conseguia apontar uma flecha usando o arco, era desajeitado com uma espada leve se tivesse que usar um escudo, mas feroz como um selvagem quando empunhando uma espada de lâmina longa, e foi gradualmente sendo disciplinado e moldado como um soldado. Continuava a realizar tarefas aos seus Mestres, mas de uma maneira diferente. Enviava mensagens, ficava de guarda, lidava com salteadores ou problemas que era enviado para solucionar em meio a outros soldados, e em quatro anos fez de seu nome uma referência de soldado de confiança.
Parte III - O Soldado
Em uma manhã tão gélida quanto a em que perdeu seus pais, Grey seguia cavalgando junto de outros quatro soldados que acompanhavam Lorde Karstark e seus três filhos em uma caçada. Próximo do rapaz estava Hans, que permanecia em silêncio como um bom capataz perto de seu mestre, do contrário estaria tagarelando alguma asneira. O único a falar no momento era Rickard Karstark dirigindo-se a seus filhos, os soldados estavam ali para agir só caso algo inesperado acontecesse.
Os olhos rubros do jovem soldado vasculhavam o cenário como se a qualquer momento pudesse ser atacado. Sentia-se de certa maneira honrado por ser um dos cinco a acompanhar Lorde Karstark, mas não perdia seu foco nem por um segundo. O valor de quem era e suas habilidades deveriam ser usados em algum propósito, era seu dever fazer aquilo que havia jurado fazer, e sabia que perderia sua honra no instante em que virasse as costas para sua tarefa.
De fato não fazia muito tempo que cavalgavam vagarosamente, quase como se estivessem só a passeio ali, mas até então sem sinal de vida animal. Hans olhou para o amigo na esperança de iniciar uma abafada conversa, queria ouvir algo que não fosse a voz do velho Lorde, mas Grey sequer lhe deu atenção. Distração era para os soldados, ao menos não naquela ocasião. Foi então que o som de gravetos quebrando-se alertaram os caçadores, um veado não muito distante não tardou a correr quando percebeu a presença dos homens, e assim a caçada começou.
Se fosse um contador de histórias e pudesse nomear uma canção baseada naquela caçada, o nome seria "Um Maldito Labirinto de Troncos". Liderados por Lorde Kastark, seus filhos o seguiam no mesmo ritmo com os soldados logo atrás. Por último vinha Grey, que não sabia lidar com o animal em que montava e mesmo assim tentava acompanhar os demais, mas as árvores já passavam por ele como borrões graças a velocidade do cavalo e não demorou para que perdesse o controle em um local onde a terra descia. Só pôde perceber que já não estava mais montado quando seu corpo estava lançado ao ar em alto velocidade, e seu rosto foi de encontro ao tronco áspero de uma árvore, machucando-lhe de maneira brutal a região ao redor do olho esquerdo.
Com certeza perdeu a consciência por algum tempo, mas pareceram-lhe segundos. Seus sentidos foram voltando um a um, primeiro a visão do olho direito do céu ocultado por folhas embassadas, depois ouviu gargalhadas que percebeu estarem caçoando-lhe assim que sua razão voltou, e por fim sentiu uma dor intensa no rosto. Levantou-se vagarosamente com sua cabeça pesando como nunca, viu Hans aproximando-se a cavalo e dele vinham as gargalhadas. Grey estava indeciso entre mata-lo ou rir com ele. Hans desceu do cavalo e vinha em sua direção para ajuda-lo a levantar-se, mas antes que chegasse perto ou que Grey percebesse o motivo da parada do amigo, um grito furioso veio do nada e logo em seguida um grande homem empunhando um punhal alcançou Hans.
Foi rápido e certeiro, não dando tempo para o velho soldado dos Karstark reagir. O punhal rasgou a goela de Hans e entrou completamente na garganta, suas mãos estavam no cabo da espada mas não houve tempo de puxa-la. Ele caiu de uma vez só, cuspindo sangue e procurando desesperadamente por algo, mas só encontrou Grey, que conseguiu ver a luz da vida estinguir-se de seus olhos quando os movimentos do corpo cessaram.
A reação do jovem soldado foi imediata. Colocou-se de pé em instantes e empunhou a espada longa instintivamente, só então deu falta de seu olho esquerdo que não abria e recordou o quanto seu rosto ainda doía. Mas nada disso importava, seus dentes tremiam pelo frio e pela raiva, nunca antes sentira tanta adrenalina trazido por fúria. Também não demorou a perceber o outro homem que surgia acompanhando o assassino de Hans, ambos homens selvagens com punhal na mão e sede de sangue nos olhos.
Grey esqueceu-se de seu dever para com os Karstark, esqueceu-se de preocupar-se ou pensar nas chances de aqueles dois estarem sozinhos e terem como alvo dois soldados sem bens. Naquela curta manhã, que poderia ser sua última, seu único olho rubro só via dois homens que deveriam morrer. Nada mais existia e nada mais importava, só a morte de ambos.
E os dois moribundos não deixaram que o tempo passasse, atacaram juntos como animais avançando sem jeito e levados somente pela fúria, porém eram grandes e já haviam matado antes. Grey respondeu da mesma maneira, uma investida furiosa de um jovem tomado pela emoção do momento e o perigo da morte, mas por instinto tinha habilidade e disciplina marcados em cada movimento. De tal maneira, o tempo até o embate direto pareceu demorar minutos, mas o resultado foi imediato e ao fim Grey sequer saberia descrever o que havia feito. Sentiu uma dor na perna direita e caiu de joelhos, notou um dos punhais em sua coxa e o corpo de Hans a sua frente, a mão que segurava a espada tremia e a lâmina estava banhada de sangue, então seus olhos buscaram os inimigos. Logo atrás um jazia morto no chão, a cabeça pendurada ao corpo por uma fina camada de pele e nervos, enquanto o outro estava tentando levantar-se com uma visível ferida na costela esquerda. Grey retirou o punhou de sua perna, recolheu a espada de Hans e levantou-se rumando em direção ao homem que rastejava, encerrando a vida do miserável de maneira lenta assim que chegou a ele.
Aquele dia estaria sempre marcado na vida do jovem, tanto pelas duas primeiras vidas que havia tirado quanto pela primeira vez que viu um amigo morrer, além de praticamente perder o olho esquerdo que agora só via borrões. A marca ao redor do olho defeituoso se certificaria de nunca deixa-lo esquecer daquela manhã, em que por razões que não lhe foram reveladas, alguns homens tentaram assassinar Lorde Karstark e seus filhos. Grey havia virado as costas ao dever e falhado na proteção dos seus senhores, mesmo que nada tivesse lhes acontecido, e levaria tal falha como aprendizado.
Lorde Rickard Karstark passou a depositar-lhe mais confiança apesar de tudo, era visto como o bom e leal soldado que havia tornado-se. Suas habilidades e conhecimentos de batalha só aumentaram com o passar do tempo, ainda era inútil com o arco e desajeitado com escudos, mas conseguia usar duas lâminas aos mesmo tempo com certa maestria, e cada vez que era requisitado a uma tarefa e cumpria com perfeição, alimentava um certa fama que formava-se discretamente. O soldado de rosto marcado dos Karstark, O Rubro.
Parte IV - O Rubro
A notícia de que Eddard Stark seria a nova Mão do Rei Robert havia chegado a Karhold. O Senhor de Winterfell havia deixado o norte rumo à Porto Real, acompanhado pelo próprio Rei e provavelmente uma imensidão de soldados. Winterfell agora contaria somente com a esposa de Eddard e seu filho mais velho, um garoto.
Grey guardava os portões do castelo, imóvel com o olhar fixo no horizonte. Seus olhos pareciam ser da cor do céu nublado daquele dia, facilmente seria confundido com um cego se não observado bem. Diferente de anos atrás, agora era um homem e um soldado de nome, não recebera a honra de tornar-se cavaleiros(e provavelmente nunca receberia), mas um título de nada lhe valia. E apesar de toda a experiência adquirida e viagens feitas sob ordem dos Karstark, nunca havia distanciado-se muito de Karhold, as vezes achava que passaria a vida toda ali até encontrar a morte por velhice ou de maneira sem sentido como Hans. Porém não incomodava-se, não tinha nada além de dever e honra, enquanto mantivesse essas coisas poderia morrer como um animal e morreria feliz.
Seus monótonos pensamentos foram interrompidos por uma camareira, ou seja lá que tipo de serva fosse, que trazia a solicitação de Lorde Karstark em vê-lo imediatamente. Com certeza seria-lhe confiada alguma tarefa de importância, não surpreendeu-se e logo pôs-se a caminho de seu senhor. Pelo caminho era evitado pelos olhares, exceto pelos mais antigos, sua postura e olhar intimidavam os covardes. Compreendia enquanto divertia-se com isso, eventualmente provocava mal-estar nas servas intencionalmente para rir de suas reações e pregava peças de tempos em tempos, embora julga-se a si mesmo um idiota por manter práticas tão infantis mesmo após tantos anos.
Ao chegar onde Rickard Karstark o esperava, deparou-se com outros dois velhos soldados, ambos eram uns dos poucos amigos que possuía. Grey os cumprimentou discretamente e voltou-se para seu senhor. E após todas as enrolações que sempre surportava, o assunto da convocação o supreendeu. Grey seria enviado à Winterfell, uma espécie de "presente" aos Starks, um guerreiro fiel e prestativo. O Rubro ainda duvidava do que acabara de ouvir, não considerava-se tão valorizado pelos Karstark, mas não esperava ser dispensado de tal forma, mesmo que sendo o escolhido dentre tantos outros para servir os Starks. Nunca gostou do velho Rickard ou seus malditos filhos, somente tinha-lhes respeito por ser seu dever servir a Casa Karstark, mas nunca havia sentido tanta vontade de espancar o velho como sentia naquele instante. Parecia simples aos olhos do Lorde, era somente um bom soldado a menos, mas para Grey isso era deixar a única casa e amigos que conhecia.
Não houve protestos, somente uma demora para concordar. O tempo em que deixou a sala e preparou-se para a partida em seus aposentos foi mais que suficiente para os boatos espalharem-se na castelo. "O Rubro vai para Winterfell", "Grey foi dispensado", entre outras fofocas clichês eram ouvidas enquanto rumava para os portões, onde um cavalo e uma mensagem de Rickard para os Starks o esperavam.
Antes que a noite chegasse, Grey partiu. E diferente de como achava que sentiria-se, emoção tomava conta do seu ser. Seja por conhecer Winterfell ou servir uma casa como a Stark, Grey finalmente seguiria seu caminho longe dos Karstark. Os dias até chegar a Winterfell passaram rápido, e mais rápido ainda foi sua recepção no lar dos Starks. O Rubro foi acolhido como um "soldado valioso" e integrou-se à guarda de Winterfell como fora designado a fazer.
Tempo passou-se, e a notícia da morte de Robert Baratheon logo chegaria.