A Magia no Cenário
Para entender um pouco melhor a idéia de magia no meu cenário, vou usar como BASE (e apenas como guia de raciocínio, visto que não utilizarei isso ao pé da letra) a explicação da “Magia” no fantástico e exuberante livro O Nome do Vento de Patrick Rothfuss, primeiro livro da trilogia dO Matador de Reis.
- Princípios, Segundo Rothfuss:
- “CAPÍTULO 10
Alar e diversas pedras
BEN SEGUROU UM PEDAÇO de pedra comum, ligeiramente maior que seu punho.
― Que acontece se eu soltar esta pedra? Pensei um pouco. Durante as aulas, as perguntas simples raríssimas vezes eram simples. Por fim, dei a resposta óbvia:
― É provável que ela caia. Ben ergueu uma sobrancelha. Fazia meses que eu o mantinha ocupado, de modo que ele não tivera a oportunidade de queimá-las acidentalmente.
― Provável? Você parece um sofista, menino. Por acaso ela não cai sempre?
Mostrei-lhe a língua:
― Não tente me enrolar descaradamente. Isso é uma falácia. Foi você mesmo quem me ensinou.
Ele riu.
― Ótimo. Seria lícito dizer que você acredita que ela cairá?
― Bastante.
― Quero que acredite que ela subirá quando eu soltá-la. ― Seu sorriso se alargou. Tentei. Era como fazer ginástica mental.
Passado algum tempo, balancei a cabeça.
― Está bem.
― Até que ponto você acredita?
― Não muito ― admiti.
― Quero que acredite que esta pedra sairá flutuando. Acredite com uma fé capaz de mover montanhas e sacudir árvores ― instruiu. Fez uma pausa e pareceu mudar de estratégia. ― Você acredita em Deus?
― Em Tehlu? De certo modo.
― Não é o bastante. Acredita em seus pais?
Dei um sorrisinho.
― Às vezes. Não posso vê-los neste exato momento.
Ben deu um grunhido e soltou do gancho o bastão que usava para instigar Alfa e Beta quando eles estavam com preguiça.
― Acredita nisto, E’lir? ― perguntou. Só me chamava de E’lir quando achava que eu estava sendo de uma teimosia especialmente proposital. Segurou o bastão para que eu o examinasse. Havia um brilho malicioso em seu olhar. Resolvi não desafiar a sorte.
― Sim.
― Ótimo ― retrucou, e bateu com ele num dos lados da carroça, produzindo um estalo agudo. Uma das orelhas de Alfa girou ao ouvir o ruído, sem saber ao certo se era ou não dirigido a ela.
― É esse o tipo de fé que eu quero. Chama-se Alar: a convicção do rebenque. Quando eu largar esta pedra, ela sairá flutuando, livre como um pássaro.
Abenthy brandiu de leve o bastão e acrescentou:
― E nada da sua vã filosofia nem eu o faremos arrepender-se de ter gostado deste joguinho. Assenti com a cabeça. Esvaziei a mente, usando um dos truques que já tinha aprendido, e fiz força para acreditar. Comecei a transpirar. Passados talvez 10 minutos, tornei a balançar a cabeça. Ben soltou a pedra. Ela caiu. Comecei a ficar com dor de cabeça. Ele tornou a pegá-la.
― Você acredita que ela flutuou?
― Não!
― retruquei, amuado, esfregando as têmporas.
― Ótimo. Ela não flutuou. Nunca se deixe enganar enxergando coisas que não existem. Há uma diferença sutil, mas a simpatia não é uma arte para quem tem espírito fraco.
Tornou a exibir a pedra:
― Acredita que ela vai flutuar?
― Ela não flutuou!
― Não faz mal. Tente outra vez. ― E a sacudiu. ― Alar é a pedra angular da simpatia. Se você pretende impor sua vontade ao mundo, tem que exercer controle sobre aquilo em que acredita. Tentei sem parar. Foi uma das coisas mais difíceis que já tinha feito. Levei quase a tarde toda. Por fim, Ben pôde soltar a pedra e eu mantive minha firme convicção de que ela não cairia, a despeito das provas em contrário. Ouvi o baque e olhei para ele.
― Entendi ― disse calmamente, sentindo-me um bocado convencido. Ele me espiou pelo canto do olho, como se não acreditasse muito, mas não quisesse admitir.
Pegou a pedra com uma unha, distraído, depois encolheu os ombros e tornou a levantá-la.
― Quero que você acredite que esta pedra cairá e não cairá quando eu a soltar.
E sorriu.”
Aqui eu quero que compreendam uma questão importante sobre o uso da Magia no cenário: É preciso acreditar no que você pretende fazer, mesmo quando todas as ciências e lógicas racionais duvidem disso.
É preciso que você tenha certeza que uma pedra irá flutuar com tamanha força e verdade quanto se tem que se pode pisar o solo. Ou que você inspira o ar para respirar.
É dessa certeza que movemos as coisas... Pois é a partir de nossas próprias certezas e convicções que as coisas de fato existem.
Um exemplo disso é o Milagre.
O milagre só existe porque acreditamos – e damos forças com nosso credo – a uma divindade ao qual chamamos de Deus. E este deus, por sua vez, só existe perante nossa certeza (fé) de que ele existe.
Portanto: Nossa convicção criou uma divindade, que teve forças para realizar um feito ao qual chamamos de Milagre.
O Milagre, dentro do cenário, nada mais é do que uma magia provinda da certeza de que o aparentemente impossível podia ser feito. Da mesma forma que uma pedra pode flutuar quando acreditamos que ela possa, mesmo parecendo impossível.
Mais um trecho para explicar a Magia. Porque esse livro é incrível e fantástico.
- Conexão de Magia, segundo Rothfuss:
- “CAPÍTULO 11
A conexão do ferro
EU ESTAVA SENTADO NA TRASEIRA da carroça de Abenthy.
Era um lugar maravilhoso para mim, sede de uma centena de frascos e feixes, saturado por mil odores. Para minha mente juvenil, em geral era mais divertido que a carroça de um latoeiro; mas não nesse dia. Chovera forte na noite anterior e a estrada se tornara um denso lodaçal.
Como a trupe não tinha nenhuma programação específica, decidíramos esperar um ou dois dias para que as estradas tivessem tempo de secar. Era um acontecimento bastante comum e caiu num momento perfeito para Ben aprimorar minha educação. Assim, sentei-me diante da bancada de madeira nos fundos de sua carroça, impaciente por desperdiçar o dia a ouvi-lo me ensinar coisas que eu já havia compreendido.
Meus pensamentos devem ter transparecido, porque Abenthy deu um suspiro e se sentou a meu lado.
― Não é bem o que você esperava, hein?
Relaxei um pouco, sabendo que seu tom significava um adiamento da lição. Ele recolheu um punhado de ocres de ferro que estavam na mesa e os chacoalhou na mão, pensativo. Olhou para mim e perguntou:
― Você aprendeu a fazer malabarismos de uma vez só? Com cinco bolas de cada vez? E com facas também?
Enrubesci um pouco ao me lembrar. No começo, Trip não me deixara nem mesmo tentar com três bolas. Fizera-me jogar com duas e eu até as deixara cair algumas vezes. Foi o que contei a Ben.
― Certo ― disse ele. ― Domine este truque e você aprenderá outro.
Esperei que se levantasse e recomeçasse a aula, mas não foi o que ele fez. Em vez disso, exibiu o punhado de ocres de ferro e indagou:
― O que acha destes? ― E bateu uns nos outros na mão.
― Em que sentido? Em termos físicos, químicos, históricos...
― Históricos. ― Ele sorriu. ― Assombre-me com a sua compreensão das minúcias históricas, E’lir.
Eu lhe perguntara uma vez o que significava E’lir. Ele tinha dito que significava “sábio”, mas eu tinha minhas dúvidas, por seu jeito de torcer a boca ao dizê-lo.
― Muito tempo atrás, as pessoas que... ― comecei.
― Quanto tempo?
Franzi o cenho, esboçando um ar severo.
― Mais ou menos 2 mil anos. Os nômades que vagavam pelos sopés da cordilheira de Shalda foram reunidos sob o comando de um chefe.
― Como era o nome dele?
― Heldred. Seus filhos eram Heldim e Heldar. Quer que eu lhe dê a linhagem inteira, ou devo ir direto ao ponto? ― indaguei, fechando a cara.
― Desculpe-me, senhor ― disse ele. Sentou-se empertigado na cadeira e assumiu uma expressão de atenção tão absorta que ambos começamos a rir. Recomecei.
― Heldred acabou controlando os contrafortes de Shalda. Isso significou que passou a controlar as próprias montanhas. Eles começaram a cultivar a terra, abandonaram seu estilo de vida nômade e, aos poucos, foram...
― Quer ir direto ao ponto? ― interrompeu Abenthy. Em seguida jogou os ocres de ferro na mesa à minha frente. Ignorei-o tanto quanto me foi possível.
― Eles assumiram o controle da única fonte de metal que era abundante e de fácil acesso numa grande extensão, e logo se tornaram também as pessoas mais habilidosas no trabalho desse metal. Exploraram essa vantagem e conquistaram grande riqueza e poder. Até essa ocasião ― prossegui ―, o escambo era o método de comércio mais comum. Algumas cidades maiores cunhavam sua própria moeda, mas, fora delas, o dinheiro valia apenas o seu peso em metal. As barras de metal eram melhores para o escambo, mas as grandes barras eram inconvenientes para carregar.
Ben me exibiu sua melhor expressão de aluno entediado. O efeito só foi ligeiramente inibido pelo fato de ele ter queimado de novo as sobrancelhas, uns dois dias antes.
― Você não vai entrar no mérito das moedas representacionais, vai? ― perguntou. Respirei fundo e resolvi não atormentá-lo tanto quando ele me desse aulas.
― Os ex-nômades, já então chamados de ceáldimos, foram os primeiros a criar uma moeda padrão. Cortando uma daquelas barras menores em cinco pedaços, obtinham-se cinco ocres ― continuei. Comecei a juntar duas fileiras de cinco ocres cada uma, para ilustrar o que dizia. Eles ficaram parecendo pequenos lingotes de metal. ― Dez ocres valem o mesmo que um iota de cobre; 10 iotas...
― Basta ― interrompeu Ben, dando-me um susto.
― Então estes dois ocres de ferro poderiam ter vindo da mesma barra, certo? ― E segurou um par para que eu o inspecionasse.
― Na verdade, é provável que eles os cunhassem individualmente... ― Deixei a voz morrer, sob seu olhar severo.
― Apesar disso, ainda há alguma coisa que os conecta, não é? ― E tornou a me olhar da mesma forma.
Eu não tinha certeza, na verdade, mas sabia que não convinha interromper.
― Certo.
Ben pôs os dois na mesa.
― Logo, quando você movimentar um deles, o outro deve se mexer, não?
Concordei, a bem da argumentação, e estendi um braço para mexer num deles. Mas Ben deteve minha mão, abanando a cabeça.
― Primeiro você tem que lhes recordar isso. Tem que convencê-los, na verdade.
Buscou uma tigela e a usou para decantar lentamente uma massa de piche de pinho. Molhou um dos ocres no piche, grudou o outro nele, disse várias palavras que não reconheci e separou lentamente as duas moedinhas, com fios de piche se esticando entre elas. Colocou uma na mesa, mantendo a outra na mão. Depois murmurou mais alguma coisa e relaxou. Levantou a mão e o ocre que estava na mesa imitou o movimento. Girou a mão para lá e para cá e o ocre de ferro oscilou no ar. Olhou de mim para a moeda.
― A lei da simpatia é uma das partes mais básicas da magia. Ela afirma que, quanto mais semelhantes são dois objetos, maior é sua conexão por afinidade. Quanto maior a conexão, maior a facilidade com que eles se influenciam mutuamente.
― A sua definição é circular.
Ben soltou a moeda. Sua fachada de professor deu lugar a um sorriso enquanto ele tentava com sucesso precário limpar o piche das mãos com um trapo. Ele pensou um pouco.
― Parece bem inútil, não é? Balancei a cabeça com hesitação, já que as perguntas traiçoeiras eram bastante comuns durante as aulas.
― Você preferiria aprender a chamar o vento?
Seus olhos dançaram diante de mim. Ele murmurou uma palavra e a cobertura de lona da carroça farfalhou à nossa volta. Senti um sorriso voraz tomar conta do meu rosto.
― É uma pena, E’lir ― comentou Ben, cujo sorriso também era voraz e selvagem. ― Você precisa aprender as letras antes de ser capaz de escrever. Precisa aprender a dedilhar as cordas para poder tocar e cantar. Pegou um pedaço de papel e rabiscou umas duas palavras. ― O truque é manter o Alar firme em sua mente. Você precisa acreditar que eles estão ligados. Precisa saber que estão.”
Neste trecho tive a intenção de deixar claro uma coisa: A MAGIA não é criada a partir de um nada, a partir de uma mera força de vontade ou de ''mudar a realidade'' a partir de um Alar forte o suficiente para isso.
Para que a magia realmente aconteça, é preciso que cada uma das coisas a serem conectadas tenha algo em comum.
Por exemplo: O Ferro e a Espada ; O calcário e a pedra ; O calor com o Fogo.
Além de você convencer a si mesmo que as pedras são iguais, por terem a mesma composição, você precisa convencer as duas pedras de que elas são idênticas ou semelhantes. Para isso muitas vezes é preciso que você “crie” ou “reforce” essa conexão, como foi o caso do Piche usado na história.
É importante lembrar que isso exige uma capacidade mental e física muito alta, como será explicado mais a frente, é muito perigoso e exaustivo fazer MAGIA.