Agnis – Enfermaria da Catedral
Agnis seguiu cambaleando até o guarda. Quando chegou perto, sua força gasta até então exauriu-se e ela quase caíra, mas o guarda a segurou delicadamente.
Ela tinha a sua atenção. Um pouco tímida por estar tão próxima dele, ela faz sua pergunta e aguarda a resposta do guarda que balbuciava o quanto ela deveria repousar e não fazer esforço.
Ele a encaminhou de volta para a cama, a ajudou a sentar-se e ofereceu seu braço para que ela se equilibrasse enquanto procurava ficar sentada. A cabeça da jovem rodopiava e, quando sentiu o cheiro do caldo que uma das clerigas preparava, percebeu que estava com fome e aguardou ansiosa a refeição e a resposta do guarda:
- ...você precisa descansar. Isso sente-se. Apóie-se no meu braço se preferir...Repetia o homem várias vezes, com a calma e paciência que se fala com crianças. De repente, para Agnis, toda a armadura, espada e um pouco de sangue que manchava seu traje pareciam fora do contexto... Ele era bondoso, apesar de ser um soldado da cidade.
Enfim, ele decidiu lhe contar o que sucedeu:
- Graças à sua ajuda tudo se endireitou. Os guardas que vieram nos ajudar durante a confusão ficaram para dar suporte para nós, há um grupo de clérigos que estão arrumando e contabilizando o que foi perdido ou desperdiçado do alimento e há mais alguns limpando o sang... digo, limpando o depósito.Ele fez uma pausa e lhe deu um sorriso amigável antes de prosseguir:
- Lamento por tudo o que vivenciou. Mas agora está tudo tranqüilo e dentro de pouco tempo o Leilão começará... Bem, talvez se atrase um pouco, precisaremos que reavaliem as mercadorias... Se me entende.Em “mercadoria” ele se referia aos escravos. Claro que o preço catalogado por eles na entrada a cidade deveria haver um recálculo. Mas somente uma pessoa era capaz de fazer isso com tamanho cuidado e rapidez.
Agnis contou ao guarda que vira, antes de desmaiar, o escravo com a mão de osso acompanhado de uma criança escrava tentando fugir. E lhe contou tudo o que vira.
O guarda franziu a testa perante aquilo e após um tempo quieto ele voltou a sorrir à ela. Pediu licença enquanto serviam o caldo para Agnis e saiu da enfermaria por alguns instantes.
Depois voltou e assegurou à Agnis que estava tudo sob controle.
... mas ele não sabia que Acognir e Daphnee estavam prestes a concretizar a suas fugas.
Passando um quarto de hora, Agnis já estava bem e alimentada, conseguindo manter-se em pé e podendo novamente andar.
O Clérigo responsável pela catedral, o mesmo que mandara Agnis fazer a contagem no depósito, entrou na enfermaria no instante em que a jovem abraçava e agradecia ao trabalho das duas moças da enfermaria.
-
Por Majstra! Você está bem? – dizia exasperado o clérigo adentrando o lugar. Se aproximou de Agnis, tocou-lhe o rosto calorosamente avaliando o brilho de seus olhos e o rubor de suas bochechas e perguntou às duas mulheres que cuidaram dela -
Ela está mesmo bem?Demorou um pouco para que todos lhe assegurassem que ela estava verdadeiramente bem e logo em seguida, caminhou com ela pelo terraço da catedral e a jovem lhe contou tudo o que acontecera no armazém, suas intenções e como tudo se desenrolou rápido demais para que ela pudesse fazer algo para impedir.
Ele lhe assegurou que estava tudo bem, que Majstra conhece e perdoa seus filhos e que a Deusa da Intriga deveria ter ficado entediada com a perfeição que a cidade se organizava e mandou um de seus fiéis para complicar as coisas.
Sorriu, assegurou-lhe de que a deusa não ganhara dessa vez e disse para Agnis ir se divertir e caminhar pela cidade e apreciar o longo dia de comercio.
Dito isso, lhe entregou um pequeno saquinho com moedas de ouro, prata e cobre e lhe desejou boa sorte.
Agnis estava livre para fazer o que quisesse na cidade agora.
~*~
Acognir – A Fuga da Escravidão.
Radin - A Praça da Cidade
Nunca esteve nos planos de Acognir ser escravo, e os deuses sabem quais eram as verdadeira razões perturbadoras que o fizeram se tornar um temporariamente.
Mas agora ele estava a um passo de sua liberdade, e levaria a jovem Daphnne junto com ele.
Após se acalmar, pediu a maçã da jovem, talvez com os ânimos se acalmando tivesse percebido que também sentira fome... ou não. Quando a jovem estendeu a maçã para dividir com ele, ele a tomou de sua mão e a escondeu. Ninguém saberia afirmar com certeza o que se passou na mente da criança nesse período de tempo, seu semblante era neutro, parado como uma lagoa sem vento.
A jovem parecia estar em um transe, como em um modo automático. A escravidão havia extinguido toda a alegria juvenil dela, ou era isso o que transparecia. Quando Acognir a colocou em seus ombros, ela simplesmente se deixou levar pela situação, sem questionar dar um único suspiro.
O restante dos acontecimentos se seguiram lenta e intensamente para Acognir.
Ele passou pela porta e se deparou com o corredor que levaria ao pátio da Catedral. Seguiu por ele rapidamente, enquanto Daphnne deitava seu rosto nas costas magras do homem estranho que a carregava para sua liberdade.
Sem preâmbulos, ele adentrou uma das portas à esquerda assim que ouviu passos vindos da outra extremidade do salão.
Essa porta era um dos dormitórios dos clérigos que viviam na catedral, mas não havia ninguém no quarto naquele momento. Acognir imaginou que estariam rezando ou fazendo qualquer uma de suas obrigações, fossem elas quais fossem.
Pensou um pouco, tagarelou um tanto mais, e resolveu se vestir com as roupas do clérigo. Era uma roupa larga e clara, um tom de cor bege e levava uma corda azul clara que era amarrada por fora na cintura. Ficou um pouco maior do que provavelmente deveria, e Daphnne riu da aparência do homem.
Ele tentou ajeitá-la um pouco e pediu que ela não dissesse nada e, se perguntassem, diria que ele a ajudaria a voltar para casa.
Ela quase mergulhou em lembranças horríveis quando ele mencionou a palavra “casa”. Ela não tinha mais um lar, não tinha mais amigos, nem parentes. Seus pais haviam morrido... Antes tudo o que lhe restara era a escravidão e aceitara isso... Mas agora ela também não tinha mais isso.
As vezes, para quem não tem absolutamente nada, o pior dos destinos ainda é mais do que ela possui.
Mas Acognir seguia falando sobre serem livres e terem a liberdade e, enquanto ele tagarelava e a arrumava precariamente, ela pensou que a Liberdade agora era a única coisa certa que tinha... e se agarrou a isso com mais avidez do que agarrou a maçã quando estava faminta.
Eles saíram pela porta e seguiram pelo corretor. Acognir escondia sua mão de osso dentro das mangas e Daphnne seguia do seu lado, com sua magra mão segurando a roupa de clérigo que Acognir segurava.
Foram abordados por um ou dois outros clérigos, que perguntavam o que ele fazia caminhando com a menina dentro da área reservada e Acognir os enganava contando como a menina o procurara depois de se perder de sua mãe e que agora a estaria levando de volta para a cidade, para ajudá-la. E explicava que precisava ter ido em seu dormitório para pegar uma moeda para lhe comprar uma torta na feira que tinha próximo ao palco. Afinal não poderia quebrar uma promessa feita a uma criança perdida e desesperada, com olhos tão hipnotizantes.
E dessa forma eles seguiram para fora.
Acognir de fato havia pego uma moeda, na verdade várias moedas de ouro e prata, que o clérigo tinha dentro dos aposentos.
Assim que se viu na praça principal, ele tirou suas roupas de clérigo e as trocou em uma barraca por outras roupas de tecido mais grosseiro e de qualidade inferior. Vestiu Daphnne com uma delas e se trocou também.
Agora estavam ambos desfrutando de uma torta e um pouco de água da Fonte da Cidade, apreciando o cheiro quase limpo da cidade.
Do outro lado da Fonte no centro da Praça em que estavam,
Radin estava deitado pensando sobre os homens que encontrara momentos antes e na curiosa menina escrava de olhos marcantes.
~*~
Brifitz – O Salão de Administração
Nas revistas não foram encontrado nada suspeito. Ao menos, não referente ao roubo. Havia alguns itens escondidos nas capas e mantos de alguns fornecedores, para evitar serem confiscados ou tributados, ou havia cartas de amor entre nobres que eram provas de crimes e adultérios... Mas nada que BigodeLongo se interessaria. Não naquele momento.
Todos do salão se acomodaram no chão, nas muretas, escadas ou nos próprios produtos e esperaram toda a situação acabar para podem desfrutar do grande evento: o Leilão.
Mas não era nisso que Brifitz estava pensando no momento em que chamou o chefe da guarda real da cidade.
Todo o ritual para chamar o Guarda foi meticulosamente trabalho, sendo feito conforme o script. Havia muitos anos quando brifitz viu seu pai recebendo o livro e, quando ele passou o comando para o gnomo, lhe ensinou como tudo funcionava, em como cada movimento no aparato escondido no livro era precioso para que a magia se manifestasse e convocasse, com urgência, o chefe da guarda.
No final do processo, ele transpirava. Tinha a testa úmida e as mãos frias, porém sua alma estava inquietamente calma... Pegou o seu lenço de um dos bolsos, limpou o rosto e inquietou as mãos,
Após a cerimônia feita perante à rapieira e seu significado recordado, BigodeLongo estava regenerado e com a confiança novamente fortalecida.
Saiu da sua sala e se dirigiu ao salão, ele pôde sentir os olhares das pessoas ali queimando-o enquanto caminhava, Chegou junto à porta e, quando os guardas que estavam ali se afastaram, ele gritou sua pergunta.
Do outro lado veio a resposta:
- Senhor BigodeLongo?! Por favor, sou um mensageiro e trago uma carta da Catedral. Um dos guardas que estavam assegurando as mercadorias, digo, os escravos, ele me mandou com URGÊNCIA...Ele interrompido asperamente quando uma voz grossa e imperiosa atravessou as grandes portas para serem ouvidas:
- Eu, Razgur do clã Ur e chefe da Guarda da Cidade, ordeno que abram essas portas em nome dos Governantes, Regentes e de todos os outros desgraçados, IMEDIATAMENTE!Houve uma breve pausa, enquanto Brifitz pensava em quão poderosa era a magia e em quão perto o Chefe da Guarda estava do local por ter aparecido tão rapidamente, quando ouviu sua voz novamente:
- Brifitz, recebi a Gaivota, deixe-me entrar ou eu mesmo derrubo esta porta!Claro que o mau-humor do anão era conhecimento de todos. Afinal, ele podia ser um grande e reconhecido guarda, porém isso não o fazia menos anão.
Haviam duas pessoas na porta esperando que Brifitz abrisse a porta. Uma delas era o mensageiro e outro era o guarda da cidade.
E ainda haviam apenas metade de uma hora para o início do Leilão que, por tradição, era Brifitz como Representante do Comércio da cidade quem deveria iniciá-lo.