por MDOS Qui Set 22, 2016 1:20 pm
Parecia que estava ali já há pelo menos meia hora, mas o relógio teimava em não sair das 6h30. Não é sardônico como um homem precisa esperar em uma sala junto de outros candidatos para conseguir um emprego que nem proporciona felicidade nem paga muito bem? A espera parecia de meia hora, mas na verdade era bem maior: todos os homens e mulheres que ali estavam haviam estudado por anos para terem a licenciatura e poderem aplicar para esse teste. Só pra trabalhar, trabalhar e ter dinheiro. Esperaram por anos para terem dinheiro. Sim, JJJ estava ali por dinheiro, assim como todos os outros - tinha certeza - candidatos com idade de quem já fez a faculdade há muitos anos. Os outros estavam ali por pensarem que tinham vocação, por acreditarem que gostam da docência. Quantos anos gritando no meio de crianças suadas levariam para mudarem de ideia, caso passassem? Não, JJJ sabia que existiam aqueles que realmente gostavam de seus empregos, mas a maioria só no final só estaria trabalhando por dinheiro.
JJJ não é um professor, é um psicólogo, um psicólogo do exército com a função de dar apoio psicológico àqueles que vivenciam situações traumáticas no campo. Um psicólogo que por paixão fez uma pós em psicanálise, que por capricho também tem estudos de antropologia, que não ignorou a pedagogia, que até mesmo caminhou pelos campos das ciências espirituais como teologia, filosofia e até mesmo ocultismo. Um psicólogo experiente que lida com o luto alheio rotineiramente e de vez em quando viaja pelo mundo para ajudar a matar soldados de outras nações, muitos destes pais de família. De todas as pessoas do mundo, sem exagero JJJ devia ser uma das que melhor conheciam o comportamento humano. Talvez seja o que acontece quando um indivíduo com aptidão para exatas decide ir para as humanas: a excelência. Quando criança seus professores viviam dizendo que “Esse tem futuro”, suas notas estavam entre as melhores. Quase foi fazer engenharia química!
Mas aqui está ele, pronto para oferecer-se para ter seu serviço estuprado, tudo porque não tem dinheiro e precisa sustentar sua família, mesmo já trabalhando como um condenado e tendo sua esposa, Denise, suando como uma escrava fora, no serviço, e dentro de casa, no serviço doméstico. Lúcia, sua filha, querendo o novo aparelho do mercado, Rafael querendo o novo videogame, todos os outros pais comprando todo tipo de aparato para as crianças, os filhos de JJJ babando de inveja. Porque seu pai é um psicólogo do exército que só está lá por causa dos direitos humanos e tem tanto valor às altas patentes quanto um engraxador de botina. “Soldado não precisa que passem a mão na cabeça dele.”
Grande porcaria de sociedade. JJJ tenta ajudar, tenta ser um bom homem, um bom profissional em seu ofício filantrópico, mas quem iria valorizá-lo? Sua esposa era a única. Eventualmente seus filhos, mas usualmente apenas sua esposa. Mesmo os pais são ausentes, resolveram curtir a terceira idade no interior. Um dia também iria para o interior com Denise.
6h30 e ele estava inquieto como um roedor. A prova não o preocupava, devia preocupar aos mais novos. Se acontecesse de não passar poderia buscar outro lugar para lecionar, de qualquer maneira, e em algum passaria. Oras, se até o troglodita do professor de língua estrangeira do Rafael conseguiu passar sem nem ser fluente, em alguma escola um psicólogo psicanalista experiente com licenciatura em matemática, química e física com raros saberes em neurologia conseguirá emprego.
6h30. Só queria pegar o emprego e voltar logo para casa, dormir por longas horas, acordar apenas para comer. Ontem ficara até muito tarde ouvindo um menino de vinte e dois anos que foi o único sobrevivente de seu esquadrão. Viu seus companheiros, até mesmo seu superior, sendo executados. Disse que só fugiu porque corria bem, fez parte da equipe de atletismo quando estava no ginásio, entrou no exército para fazer uso real de seu dom. “Mas agora o que eu queria mesmo era estar correndo por um pedaço de metal colorido.” O moleque tem vinte e dois anos. Por que enviaram uma criança para uma missão de alto risco? Soldado não precisa que passem a mão na cabeça dele... ah, quanta ladainha. Teria dito ao superior que falou essa besteira que os soldados viviam sendo afagados por prostitutas e afogados pelo álcool, mas faltou coragem. Ou melhor, houve bom senso: poderia ser preso por dizer isso. JJJ era ele mesmo um militar e estava sujeito aos códigos militares.
Quando terminou o ensino médio precisava de dinheiro - maldito dinheiro! - para ajudar seus pais em casa. Não era necessidade para não passar fome, mas não suportava a ideia de estudar às custas deles: Teria sozinho o seu próprio sustento e pagaria sozinho a sua própria faculdade. Na época entrar para o exército pareceu uma boa opção. O pagamento era legal para um menino, você andava de farda, ficava com a saúde em dia e ainda contribuía com a segurança dos Estados Unidos da América. Alistou-se contente da vida, alugou um apartamento, virou um homem adulto. Até que começaram a enviá-lo para o campo... não gostou das experiências que isso proporcionou, eram experiências do inferno. Morreu na sua frente o único amigo verdadeiro que havia conseguido entre os fardados. Apressou-se logo para buscar o que podia fazer para não precisar mais usar uma arma e encontrou a possibilidade de conseguir outro emprego como militar (não queria perder tudo que conquistara até agora), e conversando com o psicólogo do exército viu que aquilo poderia ser bom para ele: seus pais o criaram com conceitos filantrópicos demais. O psicólogo em questão se aposentou e JJJ não via a hora de ser a vez dele. Se bem que sua vontade de verdade era acabar com as mortes da guerra, ajudar a humanidade de um modo positivo, mas estava tão cansado de todo esse sangue que só desejava esconder-se no interior com sua esposa do mesmo jeito que seus pais fizeram.
Tique, taque, tique, taque. JJJ tinha certeza que todos, conscientemente ou não, estavam prestando atenção ao som do relógio. Observou que um deles até mirava o ponteiro do relógio girar. Mirava com atenção demais, até mesmo com preocupação. Que havia de errado? JJJ virou-se para o relógio e olhou para ele por alguns segundos.