• A Sociedade

Mais um dia se iniciava sobre o Canadá, e o tempo tipico da região não surpreendia a mais ninguém.
O frio parecia arder os pulmões a cada respirar, mas um céu limpo era sinal de temperatura alta - ou quase isso -, certamente teríamos ao meio dia algo em torno de 8Cº que para os mais sensíveis, era um alivio, embora não houvesse muita diferença quanto a sensação térmica.

Em finais de semana, era bastante comum o acontecimento de eventos no centro da cidade, o que já não era surpresa. Depois de tantos anos de imortalidade, as coisas começam com um tempo a tornar-se rotineiras demais, mas claro, isso para os mais velhos. Os mais jovens pareciam desfrutar de tudo como se fossem morrer a qualquer instante. Drogas, bebidas alcoólicas, nada disso era proibido, uma vez que a imortalidade fosse a cura para tudo, não havia mais porque se preocupar com a saúde do próprio corpo.

Em pontos diferentes da cidade, aconteciam diversas baladas. Haviam aqueles que preferiam algo mais sofisticado como teatros ou orquestras, e ainda aqueles que gostavam de arriscar suas vidas em esportes radicais. Canadá inteira parecia virar um palco de atrações e isso acontecia todo o fim de semana.

Mas algo incrivelmente novo estaria para acontecer. Um grupo de jovens havia despertado pela primeira vez em anos o desejo de viajar muralhas a fora - o que era uma loucura, todos sabiam disso.
Os muros ao redor do Canadá não foram colocados ali para proibi-los de sair, mas sim para proibir algo de entrar.

Com a diminuição da raça humana, a natureza não sofreu mais com a interferência humana e o que era de se esperar é que ela começasse a se expandir. Uma floresta inteira havia tomado conta das cidades vizinhas ao Canadá e ninguém fazia ideia de quais animais poderiam encontrar lá fora. Mas essa curiosidade estava a ser encorajada pelo pequeno grupo de aventureiros que pareciam estranhamente determinados a seguir com a ideia.

A noticia havia se espalhado até mesmo nas redes sociais, mas o grupo permanecia no anonimato.

A roda da diversão da indústria do entretenimento girava com fúria e agitava as noites canadenses. Jovens baladeiros se perdiam na noite em bares e boates animadas sem qualquer tipo de preocupação, ainda mais quando tinham dinheiro.
Era numa dessas baladas que uma jovem atriz, já bastante conhecida, extravasava a exaustão de um dia de filmagens. Aeesha era bela, talentosa e rica e não desperdiçava tempo com morosidade.

Seu dia se iniciou com café da manhã e academia, depois ensaios e almoço, seguido por horas de gravação, com direito a intervalos rápidos para um lanche. Já tinha anoitecido quando ia embora e recebeu um convite para uma balada super agitada, que ela aceitou de imediato.
A casa era o típico lugar para ser visto e admirado e para se acabar. Ela, como muitos jovens, se acabava na pista dançando e deu uma rápida parada para descansar, beber mais um drink e comer uns petiscos. Estava rodeada de colegas, porque sua melhor amiga de infância dormia uma hora dessas, e ouvia conversas e teorias da conspiração sobre as noticias que circulavam a respeito de jovens ousados que queriam dar uma variada no marasmo de suas imortalidades.

- Ahhhh! Vocês dão mesmo atenção a essa baboseira de sair do muro? Com tudo o que temos em volta? - abriu os braços apontando em todas as direções, demonstrando que tinham tudo que podiam querer.

Dedilhando um copo até bem simples, com uma bebida que nem se importou com que era, Dave estava em um humilde bar, não que gostasse do local, mas seus colegas bastante. Música ao vivo, bebida baratas e pessoas, por mais que sabiam que ninguém pegaria alguém ali, não estavam para isso, era só para relaxar. Relaxar isso que a psicóloga disse para fazer, ficava imaginando como se consegue isso. Tinha ido cedo para o quartel, ao seu serviço, o que normalmente se reduzia a burocracia militar, por mais que tinha vezes que era chamado para operações especiais, esse sim era bom. Apos isso fora chamada para conversar com a tal psicologa, queriam que ele tenha uma boa saúde mental, não se oponha a isso, a ideia de sair a noite foi uma das sugestão para aliviar o stress.

O fato de pessoas querendo ver o que tinha além do muro, era comum, quase infantil, para ver quem teria coragem de ficar mais tempo lá, sem morrer de medo. Até se esforça para não rir de algo assim, ele mesmo já tentou isso tempo atrás, o que não conseguiu, não por medo do que teria, mais por não achar que era certo. Por que jovens não fariam isso, se perguntava. Jovens, falava como se fosse velho, nem era, seus colegas diziam que ele era sempre sério demais, se preocupava desnecessariamente com as coisas, eram imortais afinal.

O que o preocupava não era as aventuras juvenis, testando os limites. Os boatos de sair dos muros, mostrava perigos maiores, pessoas más intencionadas poderiam ter interesse pela aquela área. Por mais que fosse só boatos, já era de preocupação para a Liderança, a segurança estava sobre risco, o que fazia pensar no que de pior poderia acontecer, que era possível de uma hora ser chamado para resolver problemas. Enquanto isso ficava ali, quase alheio a situação do bar, conversando sobre situações aleatórias como a preocupação do momento fosse aquelas, tentando curtir a noite sem ficar pensando demais.

— Não é exatamente uma baboseira. — susurrou a jovem platinada, enquanto aproximava-se por trás da moça loira que aparentemente, parecia estar um pouco embriagada. — Ou você não tem nem um pouco de curiosidade a respeito do resto do mundo ?  Ou melhor, do que era o mundo antes da guerra ? — perguntou, embora não esperasse exatamente uma resposta, queria provocar um pouco a loira. Ergueu suavemente sua taça de vinho a boca e após beber um belo gole, sorriu de canto, deixando escapar um suspiro.

Seu olhar cruzou algumas vezes com o olhar do rapaz moreno, que parecia cansado ou entediado. Na verdade, para ela, nada naquele lugar fazia sentido. As pessoas jogavam fora suas vidas, com tantas imensas oportunidades que tinham. A falta de curiosidade nas pessoas as tornavam apenas sacos de carne ambulantes, quase zombies, só que alguns com inteligencia.

"— Do que adianta viver apodrecendo ?" , pensou, dando de ombros.

— Você deve ter uns 60.. 70 anos? Por ai. O que fez de útil durante todo esse tempo ? Haha — riu, percebendo o quanto aquela loira era jovem e desvalorizava sua vida. Se não fosse pela imortalidade, ela talvez seria o tipo de pessoa que daria o máximo de si para ser bem sucedida, quem sabe. — E não vale dizer que já fez 10 faculdades.Se não pode por o que aprendeu em ação, isso não conta. Eu quero saber o dia em que você realmente se sentiu viva de verdade.

Aeesha observou a moça se aproximar e falar, papo de gente vazia.

- Eu não vou dizer que não tenho curiosidade. Quem não tem?

A platinada continuava a atiçar para aumentar o fogo.

- Lição de moral a essa hora? Bah... me poupe... mas se tem curiosidade é só ir e pular o muro. Não precisa encher o saco de quem só querem beber em paz.

— A intenção não era lhe dar uma "lição de moral", apenas... Mostrar que a imortalidade não é tudo que você poderia querer. — sorriu — Há coisas mais... Interessantes que um belo copo de cerveja.

Concluiu, deslizando sua mão pelo cabelo loiro da jovem como uma despedida antes de se retirar do local e ir em direção a um homem alto que lhe esperava na porta do estabelecimento para leva-la embora.

Ainda era sábado, mas para ela nunca era dia de descanso. Embora encontrasse uma hora ou outra para distrair sua mente, sempre acabava envolvida com qualquer coisa relacionada ao seu trabalho. Ou... O trabalho sempre encontrava uma forma de lhe encontrar.

— Imaginei que mais cedo ou mais tarde, você iria aparecer. — murmurou para o homem, deixando que ele a conduzisse até a saída.

- Ok ok, só quero dizer que por hora estou bem. Não acho que preciso de uma busca por algo maior.

Quando viu a colega partir, despediu-se.

- Cuide-se!

E voltou para a pista para dançar mais um pouco.

Ralph ajustava as luvas, as mãos sobre o volante da viatura. O vapor que saia de sua boca ao respirar embaçava o vidro do carro aos poucos.
Pegou seu celular e visualizou suas redes sociais:
- Se eu receber mais uma corrente de notícias falsas eu desinstalo essa porcaria. Hmpf, agora quem nem saiu das fraldas quer explorar fora dos muros.

Era mais um dia de rotina, ficava de olho com os irresponsáveis que iam dirigir embriagados ou pequenas confusões. Nada que uma dura ou no máximo uma multa não resolvessem.

Não sentia falta da guerra, mas também não gostava nada do tédio.

— Ralph, você tem um chamado. — pronunciou a voz feminina do outro lado do telefone — Parece que temos um suicídio na Ponte da Água azul, enforcamento. Sua localização é a mais próxima, poderia dar uma olhada na situação ? A pericia logo estará a caminho.

Breve e direta, passou as informações e desligou a seguir. Aparentemente o suicido havia acontecido durante a madrugada e seria necessário uma equipe para retirar o corpo que estava pendurado a metros de altura.


Quem encontrou o corpo foi um casal que estaria tirando fotos no local, e ainda não havia muitas pessoas ali.

A suicida era uma mulher ruiva.

- Entendido. Irei imediatamente - Ralph desligou. Sentia uma mistura de raiva e memórias ruins sempre que tinha de lidar com suicídios.

Ligou a sirene e deu partida no carro. Começou a dirigir rapidamente para o local informado.

"Esses garotos tem tudo e ainda jogam fora a vida imortal deles..."

Assim que chegar no local Ralph tentará localizar possíveis testemunhas e garantir a integridade da cena para a perícia.
Se encontrar testemunhas ele tentará pegar depoimentos.

Ele continuava concentrado em seus pensamentos, no canto do olho pode ver duas garotas conversando de forma um tanto agressiva. Suspirou, tomou mais um gole de sua bebida, pegou na mão uma cartela de cigarro e foi em direção a porta. Precisava pegar um pouco de ar, ali era um tanto sufocante.

Se encolheu pelo frio que fazia na rua, o que lhe ajeitava mais o casaco para evitar a entrada de ar gelado. Acendeu rápido o cigarro, ainda encolhido para que não apagasse com o vento. Deu uma boa tragada e soltou lentamente, estava assim aliviado, sereno por aquele momento, sozinho, observando a fumaça. Estaria mais confortável se a temperatura na rua permitisse.

Olhava para o chão, quando viu que um casal saiu do estabelecimento, a mulher era uma das que discutiam lá dentro. Agia como, pelo fato de estar fumando na rua, fosse dono daquele local, sem se importar com olhares curiosos. Desviou rapidamente o olhar continuando no seu momento ali na rua para assim poder retornar para dentro.

— Eu conheço você, ou o vi em algum lugar. — falou a albina, que ainda estava ali discutindo com o homem que havia vindo busca-la. — Eu o vi la dentro do bar, Dave, não é ? Talvez eu deva te-lo visto na faculdade.

Virando-se para o homem, e ainda de braços cruzados, o cumprimentou rapidamente com um aceno de mãos.

— Você é um militar. Talvez eu tenha visto uma de suas redações. — sorriu de canto, dando de ombros. — Sou a Rose, psicologa da Fabrica, talvez tenha ouvido falar sobre mim... ? — Enquanto puxava assunto com Dave, o homem que lhe acompanhava parecia ficar cada vez mais impaciente, afinal, a razão para ele estar ali era ainda mais importante do que um "reencontro de conhecidos".

— Rose, por favor... Não temos tempo. — murmurou, segurando o braço da moça.


@Okley

Deve ter levado em torno de 15 a 20 minutos para que Ralph chegasse ao local. Como era de se esperar, alguns curiosos começaram a se aglomerar por ali, mas ninguém parecia conhecer a vitima, de fato.

O casal que havia ligado para a policia, ao perceberem a presença de Ralph, foram em sua direção.

— Que bom que chegou. — falou, a mulher, um pouco aliviada, mas com certa tensão em sua voz. — Acho que estamos aqui a talvez uns...40 minutos ? Descemos do carro para tirar umas fotos e foi quando notamos ela pendurada ali. — disse, preocupada, embora também estivesse um pouco ansiosa. Ser testemunha de algo com certeza implicaria em uma serie de perguntas e depoimentos que ela certamente não queria enfrentar.

Seu marido então tomou a frente.

— Olha, nós realmente não sabemos o que houve aqui e só estamos aqui ainda porque a policial no telefone disse para aguardar a sua chegada, mas cara, eu tenho um lugar para ir agora.


@isaac-sky

"Apressados e importantes. Todo mundo é por aqui"
Ralph pega seu pequeno e antiquado bloco de notas e um lápis.

- Eu entendo senhores, preciso que me respondam apenas algumas perguntas: Notaram alguma movimentação estranha a caminho daqui? Ou viram algo suspeito depois de chegarem? Todo detalhe, por mais que não pareça importante pode nos ajudar aqui.

Sabia que muitas vezes essas perguntas não tinham respostas muito satisfatórias, mas perguntar enquanto a memória deles está fresca é essencial.

- Peço que me informem seus nomes, caso seja necessário entrar em contato com vocês novamente - ele pega os dados das testemunhas e anota no bloco de notas. Não ia ser possível segura-los até a perícia chegar, mas tornaria a conexão possível caso precisassem.

Ralph os libera e se aproxima do corpo. Sem tocar na vítima ele tenta perceber se há marcas de luta, marcas de pneu ou algo do tipo.

— Não havia nada estranho quando chegamos aqui.. — respondeu o homem — Só a movimentação intensa de carros. — completou, levando sua mão até o queixo numa tentativa de lembrar-se de algo a mais.

— Nossos nomes, Daniel e Ellen. — respondeu desta vez a mulher, apontando para o marido enquanto o apresentava. Acenou brevemente para o policial enquanto ia embora.

Não demorou muito para que uma pequena van da pericia parasse ali. Rapidamente, a equipe se pós em ação e puxou o corpo da mulher para cima.

Pelo longo tempo que passou pendurada ali, seu rosto já estava todo inchado, e a pele parecia um pouco esverdeada. Não havia marcas estranhas além daquela que a corda deixou.

— Ela certamente era bonita... — sussurrou a perita , abaixada ao corpo, examinava a mulher. As mãos ágeis vasculhava os bolsos e junto com a identidade da mulher, puxou um outro papel, uma carta de suicidio. Após uma rápida olhada, entregou ao policial.  

— Jennifer Hill, nascida em 2899, uns 121 anos, casada. — a mulher registrava em um pequeno gravador e o resto da equipe fazia seu trabalho.

Fumando seu cigarro, viu o casal sair ainda discutindo, a garota era um tanto teimosa,que acabou por puxar o assunto. Ficou olhando para tentar lembrar que era, albinos não são tão difíceis de reconhecer. Esperando que dissesse de onde ela o conhecia, afinal era ela tinha começado a conversa.

- Eu mesmo... - com uma risada de sem graça, cumprimentou o outro cara com um simples acenar de cabeça.

- Então deve saber que não sei fazer esse tipo de redação. - mantinha a conversa descontraída afinal o homem ao lado dela não estava tão afim de ficar ali.

- Se precisarem dou uma carona para vocês. Esse bar está tão tedioso mesmo. - falou apagando o cigarro em uma lixeira, jogando o logo em seguida.

- Parece que tudo aponta pro suicídio - comenta com a perita ao ler a carta e a devolvo para que guardasse como prova.
- Isso está acontecendo com que frequencia? Ouvi falar de outros casos, mas acho que não é um assunto feliz que todo mundo adora comentar...

Ralph imagina que a família da mulher ainda não suspeite sobre o desaparecimento e morte.

- Nenhum celular ou algo que identifique a família dessa mulher? Escrever uma carta de suicídio sem garantia de que a família receba não parece...padrão

— Muito pelo contrario, eu gostei da sua redação, embora em um teste psicológico de frieza você não passaria, mas por sorte, sou eu quem aplico esses testes. — disse esbanjando um sorriso brincalhão  — A proposito, vai acontecer uma seletiva para voluntários da fabrica, sei que não devia estar falando isso, mas você parece o tipo de cara que eu quero em minha equipe. E acredite, tenho bons planos.

Conforme falava, o cara ao seu lado ficava ainda mais incomodado. Não só pela demora, mas porque Rose estaria dizendo assuntos até então confidenciais. Ele bem conhecia Fernando, e sabia de suas exigências o suficiente para não sair notificando a qualquer estranho sobre a seletiva. Mas Rose parecia não se importar, e ela sabia o porquê.

— E obrigada pela oferta, mas Jeff esta com o carro dele ai. Se considerar minha oferta, pode me ligar. — ela entregou então seu cartão de visita.

@Okley

— Você não parece muito surpreso, policial. — respondeu a mulher, tomando a carta de volta. — Acredite, os suicídios acontecem com bastante frequência, eu até consigo entender o porquê. — voltou seu rosto para o corpo da mulher e por um instante pareceu que estava fazendo uma despedida silenciosa, um ato de respeito.

— Bem, vejamos. Não encontrei nenhum aparelho celular mas acredito que a família ira notar a falta dela. A policia pode se encarregar de divulgar nos noticiários ou esperar a família relatar o desaparecimento. Acredito que a segunda opção é melhor, algo mais sutil. Seria um choque descobrir isso pelos jornais, não é ? — uma piscadela rápida para o policial seguido de um sorriso amigável. Suas mãos percorreram ligeiramente sobre o papel enquanto os olhos faziam uma leitura rápida.

— É uma triste carta, muitos poderiam considerar isso...  — Após um período de silencio, continuou — Bom, meu trabalho por aqui esta feito. Nós vemos por ai, policial.


@isaac-sky