• A Fabrica

Introdução:

Manha de sábado, e o dia já começava com a promessa de chuva. O que para alguns seria uma desgraça, para outros o dia de chuva representava libertação da escravidão.
Até mesmo o mais cruel desumano sabia que trabalhar sobre uma forte tempestade não gerava lucros, e era mais fácil perder um dia de produção do que ter vários homens doentes. A perca era maior, com toda certeza.

O refeitório naquele momento servia como ponto de encontro, com todos ali reunidos, o que não faltava eram gritos, misturados com risos e palavrões. Parecia um enorme presidio, um presidio de inocentes.

A cena era triste, de fato. Com todas aquelas pessoas uniformizadas, era difícil não associar a imagem aos campos de concentração. Mas a falsa esperança que carregavam dentro de si os cegavam de toda e qualquer verdade. Afinal, nada lhes era de seu conhecimento, essa era a preocupação numero 1 da Liderança, impedir que os escravos se tornassem inteligentes. Temiam que o conhecimento fosse realmente capaz de abrir portas.

— Mas que porra ! Parecem animais, porcos ! — berrou um dos administradores. O homem que aparentava 30 anos de idade parecia extremamente irritado com todo o barulho. Mas não só pelo barulho, ele tinha um xingamento para cada gota de chuva que caia no chão, já havia amaldiçoado o tempo infinitas vezes. Ranzinza, quase insuportável, simplesmente não podia aceitar aquele refeitório cheio de 'marmanjos'  — Não há nada que possam fazer ?! Sei lá, faça com que lavem os banheiros !! — gritou para a ruiva que permaneceu inalterada e deu de ombros, como quem já estivesse acostumada a lidar com essa situação todos os dias.

— Fernando.. — suspirou, demonstrando estar impaciente — Fernando, porque não senta a bunda na droga do seu escritório e deixa que eu resolvo as coisas por aqui ?! — falou a ruiva, com a maior ironia do mundo. Retirou-se então do local, acompanhada de Fernando que lhe enchia os ouvidos de sermões.

Após os gritos do homem irritado, o ambiente inteiro calou-se, mas bastou que eles se retirassem para que a conversa fluísse novamente.

Estavam todos juntos ali, homens e mulheres, crianças e adultos.

Lee não gostava dos dias chuvosos. Apesar de apreciar as gotas com uma melancólica concentração, elas traziam um sentimento ruim que se arrastava durante todo o dia. 
O motivo principal era que não trabalharia. Não que fosse apaixonado por isso, mas levantar-se pela manhã com um objetivo e segui-lo até o fim do dia o fazia sentir-se vivo e produtivo, mentor de uma utilidade para o mundo ou que quer que fosse. 

Ele ficava atento ao som da chuva, tentando enxergar alguma coisa pelas janelas do refeitório enquanto o chefe ralhava com eles. Sentia-se culpado por não poder parar a chuva para seu patrão. Para que servia se não para produzir? Não deixava de dar razão ao administrador, embora conforme ele gritava palavrões, sentimento pior ainda despontava no peito. Involuntariamente, cerrava os punhos. Não entendia muito essa necessidade, mas sentia-se mal por imaginar o administrador batendo a cabeça na mesa. Às vezes tinha esse tipo de delírio, especialmente nos dias chuvosos. Então colocava a culpa toda na natureza. Só estava assim por causa da chuva e por nada mais.

Permaneceu parado de uma maneira até estranha no meio do corredor.  Precisava de algum objetivo para continuar o dia... O que mais faria se não lhe desse uma tarefa? De certa forma ansiava por aquilo.

off: =x não tenho certeza se pode postar, mas postei. qq coisa avisa hahaha

— Você está bem ? — perguntou uma voz doce e suave. A pequena garota puxava sutilmente a camisa do rapaz a sua frente. — Você está bem ? — perguntou novamente, insistente. Seu olhar sereno demonstrava preocupação, e medo.

A pequena já estava ali a um tempo, mas de fato, o homem não havia notado sua presença. Curiosa com o porque ele permanecia parado ali, ela resolveu chamar sua atenção, embora parecia assustada.

Lee saiu de um tipo de transe quando a garotinha puxou sua roupa. Não entendia por que ela puxava tantas vezes a roupa, mas olhando direito ela tinha alguma coisa estranha no rosto... os lábios curvados para baixo... Aquela expressão dela o fazia sentir alguma coisa ruim também. Era bem esquisito, mas ele queria tirá-la daquele lugar e sentia a necessidade de falar algo para mudar a expressão em seu rosto.

- Sim. - respondeu simplesmente.

Ele não queria deixá-la ali e sair andando, mas não sabia como reagir.

- Você quer alguma coisa? - embora soasse um tanto frio, ele tinha a melhor das intençoes com aquilo e focava no rostinho sofrido da menina, que o incomodava muito por transmitir algo ruim. Precisava fazer algo a respeito.

Acordado pelo som do gotejo da chuva sobre o teto de meu dormitório, não demoro em vestir meu uniforme e sair rapidamente do quarto. Não é a primeira vez que um clima ruim acontece por aqui, todos sabemos que ninguém será obrigado a trabalhar. Procurava pensar nisso como algo positivo, nunca fui um grande apreciador do trabalho sem recompensas em que somos exposto na Fábrica. Claro, pensar em nosso objetivo após a maioridade é uma grande motivação, mas ninguém para pra pensar no lado positivo quando algo está dando errado.

Fora do meu quarto, uma grande linha e apertada já se formava ocupando o corredor, com todas as pessoas seguindo na mesma direção. Perdido no meio de diversas pessoas, muitas delas maiores do que eu, acabo por apenas conduzir-me de acordo com o fluxo, parando no refeitório após alguns minutos.

Como sempre, quase todas as pessoas se dirigiam para pegar um pouco de comida, mas alguns problemas de ansiedade me impedem de passar muito tempo esperando por algo. Me sento em um dos bancos e espero a fila diminuir, enquanto observava algumas pessoas conversando em seus próprios círculos de amizade. Criar laços é consideravelmente difícil quando se passa praticamente o dia inteiro trabalhando, por isso sempre acabo gastando vários minutos perdido em pensamentos sobre essas pessoas. Eu, pessoalmente, tinha poucos contatos dentro da Fábrica e aqueles com que falava, raramente conseguia ter uma conversa que passasse de um “oi” educado durante a manhã. *Sinto que esse dia será longo*

— É.. — suas pequenas mãos começaram a movimentar-se involuntariamente, em um gesto automático de timidez. — Meu amigo, por favor, você pode ajuda-lo ? — perguntou, sem a certeza se deveria ou não acreditar naquele homem. Mas talvez ele fosse uma boa pessoa, pensou. A maneira como ele parecia confuso em relação a se encaixar naquele lugar lhe deu um pouco de conforto.

Ela analisou um pouco o homem por inteiro, embora fosse criança, sabia muito bem identificar um mal caráter.

— Mas isso é um segredo, ninguém pode saber ou ficaremos de castigo também. — cochichou, abafando a própria voz com as pequenas mãos.

Lee não gostava nada daquela ideia de fazer algo escondido. Isso o deixava tenso, com uma sensação péssima, mas ele achava que tudo aquilo era fruto de um dia chuvoso. Como estava completamente sem objetivo naquele dia que não podia trabalhar, ele apenas olhou em volta, certificando-se que os funcionários não estavam de olho nele.

A forma como a garotinha cobriu a boca com suas mãozinhas o fez sorrir de leve. Queria mesmo ajudá-la, muito mais do que ficar ali parado.

- Tudo bem. Me leve até ele.

Ela então segurou uma das mãos do rapaz e o puxou pelo corredor. Seus pés se movimentavam com pressa, como se fosse algo realmente importante.
Após passar por outros dois corredores, chegaram a um lugar onde parte da iluminação estava danificada. O lugar era distante de todo o barulho e aparentemente ninguém ia até ali.

Era uma área um pouco mais suja e esquecida. A parede estava úmida e com mofo por conta da chuva - o que talvez indicasse que aquilo estava assim a dias e ninguém havia tomado providencia.

Ao abrir a porta de metal, o barulho do rangido fez com que as outras crianças ali procurassem se esconder imediatamente.

— Eu voltei — ela sussurrou, e cerca de 5 crianças vieram recebe-la. Elas examinaram o homem por um bom tempo, até que abriram caminho, dando visão a ele do garotinho deitado no chão. O menino parecia atordoado, seu lábio estava rasgado, sangrava um pouco. O olho direito um pouco inchado, mal conseguia abrir, sua camisa suja e amarrotada revelava sinais claros de agressão na região do estomago.

— Ele esta morrendo.. — sussurrou ela, pressionando a mão do homem.

O local tinha um cheiro e uma aparência péssima. Não se lembrava de já ter pisado naquele lugar antes, o que já justificava o medo da menina de levá-lo até lá.

Ficou bastante surpreso ao ver tantas cabecinhas pequenas o observando. Era alto e elas precisavam virar o pescoço. Era uma cena engraçada. Ele olhou o pequeno menino no chão e arregalou os olhos, tomado por mais um sentimento ruim. Eram muitos para um dia só, exceto pela mãozinha que ainda segurava a sua.

- O que aconteceu? - foi a primeira pergunta cheia de preocupação, enquanto se aproximava e agachava perto do corpo. Só havia um problema: o que ele podia fazer para ajudar? Não sabia curar pessoas, só construir coisas.

- Como eu... por que me chamou aqui? O que posso fazer?

Perguntava isso porque, se estavam escondidos ali, então não poderia simplesmente levá-lo de volta para a sede e pedir tratamento, não é? Será que as crianças tinham algo em mente? Ele não era muito rebelde e seguia as regras à risca. Então, se era proibido, ele não cogitaria... exceto que seus instintos já o faziam encostar no garoto e começar a pegá-lo nos braços e olhá-lo melhor.

— Você parecia diferente, eu achei que... eu achei.. — a voz da menina começava a ficar embargada, e seus olhos pareciam lacrimejar. — Eu não sei o que fazer, estou com medo. — disse entre soluços. — Você foi o primeiro que eu vi e... Eu não sei..

Ela parecia um pouco confusa agora, e não só ela, todos os pequenos reunidos ali pareciam não ter mais esperanças sobre o amigo.

Ao tomar o pequeno em seus braços, apenas alguns baixos grunhidos de dor.

— Ele nos protegeu.. — respondeu um outro garoto, abaixando-se ao lado do homem. — Estávamos brincando na chuva e os homens maus não queriam que a gente brincasse então ele nos protegeu... Por favor, você precisa nos ajudar ou talvez conheça alguém que possa...

Lee sentia-se pressionado, mas o sentimento era um pouco bom, já que assemelhava-se com o "dever" de todos os dias. Aquilo era muito mais instigante do que ficar impedido de trabalhar.
Sabia que estava fazendo algo errado, mas ao mesmo tempo não conseguia pensar ser errado salvar aquele garotinho tão pequeno. Ouviu tudo em silêncio, colocando o menininho de volta em seu lugar e falou decidido.

- Esperem aqui.

O homem deixou o local secreto e foi andando com objetividade até a cantina, procurando rostos que ele sabia fazerem parte da equipe de plantações e afins. Essas pessoas poderiam ajudar. O primeiro que encontrasse, ele se aproximaria para conversar.

- Venha comigo agora - disse sem dar grandes explicações. Seu tom de voz era sério e, dependendo da interpretação, seu rosto meio inexpressivo poderia ser um tanto assustador.

Caso ela concordasse, ele a conduziria, em silêncio completo, até o quarto secreto.

Ainda perdido em meus pensamentos, sou arrastado de volta para a realidade com uma cena consideravelmente comum acontecendo a alguns metros de distância de minha mesa. Lee conversava com Mélany, eles não estavam muito longe e falavam de forma clara, por isso a conversa era simples de entender.

Era fácil para mim lembrar de nomes, o asiático e a garota das plantas ocupavam um pequeno espaço em minha memória. Lee pedia a ajuda de Mélany e eu começo a indagar o motivo. Em um dia chuvoso de folga, não temos muito com o que se preocupar.

Eles logo se retiram do refeitório e eu começo a segui-los, minha curiosidade nunca iria me perdoar se eu simplesmente deixasse isso passar. Eles passam por alguns corredores e logo entram em uma sala qualquer, em uma área aparentemente vazia da Fábrica. Não tinha certeza se eles iriam sair de lá tão cedo, mas não me via simplesmente entrando na sala e os intimando a responder o que estavam fazendo. Consumido por ansiedade e um pouco do que chamaria de timidez, fico do lado de fora.

Ao entrar na pequena sala, Melany teve a mesma visão que Lee teve ao chegar ali. Os olhares sem esperança pairavam sobre a garota estranha e por um momento o ambiente ficou silencioso, se não fosse pelos gemidos do garoto machucado rompendo-o.

-- Quem é ela ? -- perguntou a garotinha, olhando para Lee desconfiada, com a sombrancelha arqueada. Ela ja havia visto Melany algumas vezes pela fabrica, mas não imaginava se ela seria ou não capaz de guardar segredo.

Ao ouvir a pergunta da garota, ela apenas apontou para Eric -o garoto ao chão-.

-- Ele esta morrendo... Nós não queremos que ele morra, ele é o nosso amigo... Por favor, salve-o.
Desde pequeno, todos foram ensinados sobre a morte e aprender a teme-la. Coisas horriveis eram ditas sobre ela e ninguém queria morrer um dia. Aquelas crianças guardaram bem as palavras em seu coração e por isso era compreensível o seu desespero.
O pequeno Eric tossiu algumas vezes, e com muita dificuldade tentou falar algumas palavras.

-- Eu não vou morrer, eu.. prometo, cof cof -- sua pequena mãozinha tateava em busca de algo em seus próprios bolsos, até que puxou um chaveiro com uma numeração. -- Eu... Vou tirar a gente daqui.. cof

"Hum?"

Pietro seguiria para um outro corredor se não tivesse visto um garoto tentando espionar algo por fora da porta. Normalmente não daria importância se a porta porém não fosse da antiga sala de materiais.

Em passos leves, aproximou-e do garoto por trás, surpreendendo-lhe quando o prendeu pela gola de sua camisa, arrastando consigo sala a dentro.

-- Ora Ora... Parece que minhas crianças estão causando problemas. -- sussurrou o homem ao entrar na sala, com o olhar de quem já imaginava algo como aquilo. -- Não só causando problemas, mas envolvendo outras pessoas nisto. -- murmurou, encarando de uma maneira intimidadora os demais que estavão ali.
Com suas mãos dentro dos bolsos, ele caminhou até Eric, inabalável com a situação do garoto. Sua expressão era neutra, e poderia se dizer que até um pouco sádica.

-- Eric, Eric, que merda você fez ? Hum ? E onde você conseguiu essa chave ? Não me diga quê... Uau, Eric, você é realmente impressionante. -- Ele quase deixou escapar uma gargalhada. -- Seria uma pena se essas chaves não levasse para fora daqui. Pobre Eric, não tem como fugir, e aquilo que eu lhe disse vai acontecer, infelizmente para você vai ser mais cedo, hum ?

O homem não parecia se importar com o grupo, ele parecia realmente querer que os demais ouvissem o que ele dizia e entendessem como bem quisessem, um desafio ou um aviso.

As crianças pareciam conhecer bem aquele homem, e apenas sussurraram algo como "professor" ou "o professor está aqui" na chegada do homem.