O Sacrifício

Zadir ainda sentia um resquicio do odio aos vendedores de gente por terem capturado seu pai e outros amigos da tribo. No momento, no entanto, grande parte dos seus esforços estavam no treinamento de Raksh. Era um treinamento duro e cansativo e ocupava boa parte do seu tempo.

Podia-se dizer que uma parte de Zadir tinha morrido quando a aldeia foi atacada. Antes ele era um cara vibrante, curtia cada momento da caça, sua vida na tribo e nos ultimos momentos antes do ataque o seu amor com Isi. Depois tudo tinha o mesmo gosto. O sabor frio e sem sal da vingança. Quase dizia a si mesmo que antes era uma criatura viva, mas agora apenas uma sombra. Sombra que estava a espreita em cada canto da floresta pronta pra dar o golpe final naqueles que desejava se vingar.

Talvez a unica chama que o fizesse ainda se considerar algo vivo era seu amor e relação com Isi, mas mesmo assim não era algo muito bom. Ver a garota reduzida a uma tristeza e apenas uma brasa do fogo que era antes, não era bom, mas agoniante. Algumas vezes se perguntava se poderia fazer algo pra devolver aquele antigo brilho dela, mas sempre essa idagação terminava numa eterna repetição de "não seis".

No momento em que estava junto com ela a acariciando, ele viu parte daquele velho brilho voltar em seus olhos e isso o fez feliz. No entanto nesse instante apareceu Raksh falando sobre os vendedores de gente:

-Pelos menos terei mais alguns momentos com Isi antes de partimos?- Diz ele um leve tom de irritação.

Raksh não responde diretamente a pergunta de Zadir. Ao invés disso, ele apenas diz:
"Quando o céu se escurecer eu volto para irmos ao acampamento", e o caçador em seguida se enfia no meio das árvores, sumindo de vista, deixando Isi e Zadir a sós.

A garota se vira para seu amado, com a sua testa franzida revelando preocupação. Ela segura as mãos de Zadir, e diz numa voz baixa e insegura.
"Eu quero ir junto! Não posso deixar você ir sozinho, já perdi meus pais, meu irmão, minha família toda! Não posso perdê-lo também." Seus olhos estavam começando a se lacrimejarem.

Zadir faz um carinho nas mãos de Isi. Aproxima-se da garota lhe dá um beijo e fala:

- Você não vai me perder Isi. Nós já nos tornamos um - ele aponta pro coração dela e continua - Eu estou no seu coração assim como você está no meu.

Isi abraça com toda sua força Zadir, como se não quisesse largá-lo nunca mais. Os dois passam o resto da tarde abraçados, falando pouco mas compartilhando profundamente aquele momento a sós. À noite, como prometido, Raksh retornou para buscar Zadir. O nosso herói se despediu de Isi e tentou afastar a ideia de que talvez aquela fosse a última vez em que a veria. Ele se embrumou na mata ao lado do caçador.

"Lembre-se, garoto, Ubtao criou a selva como um teste para o seu povo", ia dizendo Raksh. "A selva é como um labirinto que precisa ser atravessado e superado. Se você fica pelo meio do caminho, a morte é certa. Se você persiste e consegue sair do labirinto, você mostra ser uma pessoa capaz e propenso a um grande feito." Raksh usava um bordão para se escorar no meio da mata, e muitas vezes usava o seu facão para cortar videiras ou plantas que estivessem atrapalhando seu caminho. "Agora é muito tarde para você desistir do que se propôs a fazer, garoto. Você terá que ir até o fim e arcar com as consequências. Não tenha medo, pois ele não o ajudará em nada."

- Entendi. Nunca tive medo de arcar com as consequências. Sei o caminho que estou trilhando. Vingava é algo quase se gosto que você saboreia pedacinho por pedacinho até a grande parte final - Responde ele ao caçador.

Porem uma parte dele ainda tinha Isi em seus pensamento. Tinha sido bom ver o brilho de alegria de volta aos olhos da garota e isso de certa forma havia ter feito ele ficar meio que indeciso sobre sua vingança.

"Agora sinto que você amadureceu, garoto."

Os dois seguiram sua passagem pela floresta até chegar a margem do rio Tiryki. O reflexo da lua resplandecia nas águas calmas, e havia uma pequena ponte de madeira que atravessava o rio de ponta a ponta. Os Tabaxi usavam muito essa ponte para alcançar a outra margem, embora desse para ir nadando também. Raksh foi na frente, com passos firmes e rápidos mesmo com a ponte balançando. Ele chegou do outro lado sem problema. Zadir foi logo atrás. O garoto usara poucas vezes essa ponte antes, e tinha uma segurança menor em atravessá-la. Ele foi andando calmamente, e de passo em passo, conseguiu chegar ao lado do caçador.

Eles seguiram pela selva, desta vez sempre à margem do Tiryki, e logo na frente eles viram fumaças provindas de fogueiras. Um acampamento razoavelmente grande tinha se armado perto do rio para acomodar os vendedores de gente. Um navio, grande de casco negro e velas brancas, estava ancorado no rio. A raiva começou a subir no peito de Zadir ao ver risadas de homens cruéis ecoando na noite.

"Tenha calma garoto", diz Raksh. "Acredito que os prisioneiros estejam dentro do navio. Mas antes de irmos lá, temos que percorrer o perímetro do acampamento e avaliar quantos homens há aqui."

FURTIVIDADE E ESCONDER-SE:

Zadir fica em silencio e apenas acompanha Raksh, mas sentia a vontade crescer dentro dele. Pegar seus pescoços e torçer lentamente pra que sentisssem o maximo de dor com isso.

Spoiler:

Os dois haviam percorrido uma boa distância do perímetro do acampamento, e pelo que Raksh dissera deveria haver uns 40 homens que comerciavam escravos. Era um número grande demais para que os dois sozinhos criassem esperança de derrotar. Mesmo assim, o caçador seguiu o seu caminho furtivo por entre a grama rasteira e as árvores dispersas. Mas quando menos se esperava, um soldado que tinha sido posto para fazer a vigília no entorno do acampamento avistou Zadir. Ele deu um grito para um outro soldado que estava ali perto, e o primeiro homem sacou sua espada se virando para Zadir (ele não conseguira ver Raksh escondido). Já o segundo homem correu para dentro do acampamento para avisar os demais.

{Turno de Zadir}

Zadir puxa o arco aproveitando da distancia que o guarda ainda estava dele e atira.

Spoiler:

Confirmando critico:

Spoiler:

O homem mal terminara de puxar a espada e a flecha de Zadir já tinha se encravado em sua gargante, numa fenda entre o peitoral e uma proteção acolchoada que tinha no pescoço. Seu grito ecoou pela noite e um segundo depois ele estava estatelado no chão, morto e com sangue escorrendo do ponto atingido pela seta.

Alguns outros soldados já tinham percebido que eles estavam diante de uma ameaça, e uma meia-dúzia de homens avistara Zadir no limite do acampamento. Eles apontaram para o guerreiro e começaram a marchar em direção a ele. Pouco mais de 30 metros os separavam. Zadir poderia ficar e lutar, ou correr e fugir.

O jovem guerreiro lembra do que tinha dito antes. A vingança era algum que se saboreia pedaço por pedaço. De quê adiantaria ficar ali e lutar, se iria morrer e não ter a sua vingança completa? Escolheu fugir, mas não iria acabar parar. Estava muito longe do fim.

Assim Zadir vira as costas e corre tentando se embrenhar na floresta.

Zadir passa correndo pela mata, e embora ele ouvisse o som de seus perseguidores, o nosso herói não conseguia avistá-los. Ele nem sequer se preocupava em olhar para trás. Raksh, o caçador, também não foi avistado em lugar algum. Com o tempo, o som de passos dos soldados foi diminuindo até desaparecer por completo, e só então Zadir pôde parar sua corrida para tentar recuperar o fôlego. Ele estava ofegante e preocupado ao mesmo tempo. Onde estaria Raksh?

Nesse instante, um farfalhar rasteiro pela mata fez com que Zadir olhasse na direção e visse uma pequena bola flutuante de pura energia dourada. Era uma coisa pequena, mas radiante e visivelmente bem viva. Era algum ser mágico das selvas de Chult, talvez fosse um sinal de Ubtao. Ele estava parado na direção do nosso herói, como se o tivesse encarando embora não possuísse olhos.

Zadir não ouve mais o som dos seus perseguidores. Parecia que ele havia despistado eles, o que era um alivio definitivamente. Nesse momento que ele para ofegante ainda, vem se aproximando um pequena bola flutuante e dourada. Ela para na sua frente e fica como se o encarasse.

Zadir coça a cabeça e pensa "mas que diabos é essa coisa?".Olha pra estranha criatura e fala:

- Quem é você? E porque tá me encarando assim?

Zadir se relembra do que Isi dissera para ele após ter sumido no lago das cachoeiras.

"Quando eu mergulhei no rio eu vi uma luz radiante, não sei bem explicar, parecia uma bola luminosa feita de pura magia. Era uma coisa divina, hipnotizante. A bola parecia querer me levar pra algum lugar, e eu a segui. Mas quando entrei na caverna ela... sumiu. Parecia que desde o princípio ela queria me levar até aqui."

Seria uma mera coincidência? Parecia que a mesma bola que tinha se encontrado com Isi estava agora encarando Zadir, como se quisesse dizer algo. Mas sem falar nada, a bola começou a flutuar por uma direção aparentemente aleatória.

De acordo com que Zadir tinha lembrado, aquela tinhas ajudado Isi um pouco antes de terem a sua primeira vez. O que aconteceu entre os dois foi uma grande coisa que os uniu a partir daquele momento. Não havia motivo pra desconfiar. Assim sem medo o jovem guerreiro decide seguir a bola.

O globo luminar flutuava levemente, sem fazer qualquer tipo de ruído e sem se apressar em seu caminho. Ele passava rasante às folhas da grama rasteira, e às vezes plantas o acobertavam em sua passagem só para ele reaparecer logo à frente. O nosso herói o seguia de perto, intrigado e curioso a respeito da esfera. O que seria aquela coisa? Seria um sinal divino? Muitas hipóteses surgiam na cabeça de Zadir, uma hipótese mais estranha e inconclusiva do que a outra. Mesmo assim ele não tirava os olhos do globo, temendo perdê-lo de vista. Nenhuma vez sequer ele olhou para trás, apenas seguiu o trajeto que a estranha criatura (seria uma criatura?) lhe apontava.

Por fim ele começou a perceber uma mudança no terreno. A grama rasteira ia diminuindo, até que só restasse pedra e rocha. Ele olhou para os lados, e o que viu foi surpreendente. Exoesqueletos inteiros de dinossauros jaziam a toda a sua volta, dos imensos tiranossauros até os menores e inofensivos Filhos de Ubtao. Eles estavam posicionados nas rochas que havia, formando uma espécie de cemitério. À frente estava uma pequena colina, com uma entrada natural. Estava escuro lá dentro, e do lado de fora não dava para ver o seu interior. O globo luminoso se dirigiu até a entrada da caverna e foi engolido pela escuridão.

Zadir pensou em segui-lo, mas uma voz oriunda das entranhas da colina fez gelar seu sangue. Era uma voz profunda e cheia de autoridade, algo nunca antes presenciado pelo jovem guerreiro.

“Zadir, filho de Osaw e Sirina, prometido à mão de Isi. Você percorreu muitos desafios, venceu a maioria e agora está aqui. Não há nada a temer. Você busca a salvação de seu pai e de sua tribo, e compreendo que você aprendeu o verdadeiro significado da vida. Mas de todos os caminhos do labirinto que representa sua existência, ainda falta um para ser percorrido. Um último teste que colocará um fim em todas as dúvidas que possam existir acerca do amor que você nutre pelos que estão à sua volta. É um caminho tortuoso, doloroso eu diria, mas que precisa ser completado. Só assim você alcançará o paraíso. Você tem se demonstrado forte de espírito e forte perante os desafios da selva, mas ambas as coisas não serão o suficiente para você derrotar todos aqueles vendedores de escravos. Só há um método para que seu pai e o resto de sua tribo sejam resgatados, e este é exatamente o seu último teste a que me referi. Eu estou falando do sacrifício - de um autêntico sacrifício. Apenas se sacrificando pelas pessoas que você gosta, é que você conseguirá libertá-las do mal e provar a todos que aprendeu o significado de sua existência. Venha, Zadir, entre pela caverna e enfrente o seu último teste como um guerreiro de corpo e alma deve fazer. Não precisa temer a morte. Sacrificando-se, você estará no paraíso e tudo ficará bem. Entre pela caverna e encontre a razão de seu viver – ou retorne por onde veio e tente fazer o que você já estava predisposto.”

Zadir olha pra escuridão vinda da caverna e escuta atentamente o que ela diz. Sua reação foi um misto de surpresa, tristeza, raiva e saudade. Pelo que a voz tinha falado, o unico de salvar sua tribo e seu pai era através do sacrificio. Pensava em Isi e ficava com saudade, mas tambem pensava no seu pai e na tribo. Estava indeciso na queria deixar sua amada sozinha no mundo, como tambem queria que sua tribo fosse um bando de escravos. Eram muito pensamentos, entretanto num ato impulsivo tentou calar todos e caminhou pra dentro da caverna.

Num mar de dúvidas, Zadir tomou a coragem necessária de um verdadeiro guerreiro das selvas e adentrou a caverna enegrecida. Além de escuro, o local estava quente, exalando um forte cheiro de enxofre. Zadir caminhou às cegas, sem saber direito onde deveria ir ou aonde estava a criatura de voz profunda.

"Aproxime-se, filho de Osaw."

A voz voltou a se manifestar. Zadir entrou numa espécie de sala ampla, fracamente iluminada por... bolas luminosas? O mesmo ser de energia que guiou Zadir até a caverna agora encontrava-se por todo o lado do salão, as pequenas bolas de luz flutuando a poucos centímetros do chão e todas formando um círculo. No centro, estava uma figura imponente de quase dois metros de altura, com uma capa grossa amarrada às costas de sua armadura acobreada e uma coroa de ouro repousando em seus cabelos. Seu rosto era sereno e apavorante ao mesmo tempo.

"Não se acanhe. Aproxime-se mais."

Ele realmente era o dono da voz que Zadir ouvira antes. O jovem guerreiro estremeceu só de estar na presença de uma figura tão poderosa. Poderosa sim, pois Zadir sentia à força que emanava dela e do lugar em si. Ele estava em um local sagrado, tratando com um ser divino. Ele tinha certeza disso. Mesmo assustado, ele inconscientemente se aproximou do ser.

"Chegou a sua hora. A coisa precisa ser feita. Só assim a salvação estará garantida."

O ser retirou uma picareta que estava às suas costas, cuja arma Zadir não reparara anteriormente. Era uma picareta grande e pesada, com a cabeça parecendo um crânio de dinossauro.

"Ajoelhe-se."

Zadir obedeceu prontamente, e ao invés de olhar para a arma que desferiria o golpe mortal, ele se viu encarando o chão batida da caverna. Novamente, sem ter consciência, começou uma oração à Ubtão. Ele sentiu a criatura à sua frente se contrair, se preparando para executar o que estava programado. O ar silvou quando a picareta pesada desceu direto em sua cabeça.


Zadir não chegou a sentir a força do impacto. Mas sabia que tinha acontecido algo. Uma luz brilhou intensamente e ele pensou estar fazendo a transição para o paraíso. A luz esbranquiçada diminuiu gradativamente, e Zadir reparou que estava no mesmo lugar de antes. No mesmo chão. Ele não tinha morrido... ou tinha?

"Você ajoelhou-se como um mortal, filho de Osaw, agora erga-se como um imortal, filho de Ubtão, também o Criador de Chult, o Fundador de Mezro e o Pai dos Dinossauros. Você passou pelo seu último teste e se provou merecedor de minha benção. Zadir, filho da floresta, todos os caminhos do labirinto que representa sua vida foram ultrapassados. Você não será mais o mesmo daqui em diante. Você está pronto para libertar àquelas pessoas. Os vendedores de gente não terão chance contra você. Vai em frente Zadir, eles o esperam."

Como do nada, o aspecto divino de Ubtao desapareceu completamente, mas a caverna, os seres luminosos e todo o resto permanecia onde estava. Zadir se sentia mais forte, mais poderoso e mais confiante. Ele agora era definitivamente outra pessoa, e salvaria à sua tribo de um destino cruel.

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