[Prólogo] - O Sobrevivente

Jasper não tinha tido dias fáceis, desde a morte do pai e do sumiço da irmã. E tinha descoberto que algumas pessoas gostavam de tornar a vida alheia cada vez mais miserável e difícil. Havia tanta falta de compreensão naqueles que o cercavam. Tanto medo do que não conheciam ou compreendiam. Jasper aprenderá que as pessoas eram, de muitas formas, simplesmente cruéis.

Aquela manhã não prometia muita coisa, com aquele tempo fechado e nublado prometendo mais chuva. As ruas estavam parcialmente vazias e as pessoas menos propensas a causar problemas. Jasper não teve empecilhos para rumar ao seu propósito e em poucos minutos de caminhada pode observar a entrada do lugar.

Um grande portão de ferro estava a sua frente, fechado graças ao horário, acima, Jasper podia observar a estrutura metálica que compunha a apresentação do lugar: o nome Nightmares & Dreamscapes Circus esculpido no ferro de maneira bastante pomposa. Atrás das grades de ferro, Jasper podia visualizar um grande terreno repleto de tendas: de onde estava conseguiam contar pelo menos quatro e muito acima do terreno, havia uma casa com uma alta torre.


Enquanto Jasper observava aquele lugar com um misto de curiosidade e medo, ele pode ouvir passos atrás de si e quando se virou, notou um grupo de quatro pessoas chegando. Vestiam-se de maneira simples e traziam consigo itens de denunciavam fazer parte de alguma equipe de manutenção e limpeza do lugar. O homem do grupo, um sujeito idoso e com um cara ranzinza olhou o jovem de cima a baixo, antes de falar.

- Tá fechado, garoto.- Avisou, ignorante ao fato de que Jasper não estava ali para assistir a um espetáculo, mas sim talvez se tornar um.

Jasper suspirou em descontentamento ao se deparar com o portão de ferro a sua frente e todas aquelas tendas ao fundo.
Ele não sabia exatamente o que esperava encontrar depois de ler tal o estranho anúncio no jornal que encontrara na rua, mas definitivamente não era algo tão... Grandioso. Já tinha se arrependido de ir até ali. Com certeza não deixariam alguém maltrapilho como ele sequer passar pelo portão. Jasper olhou para o casaco negro e longo que vestia e que, cheio de buracos e remendos, parecia ser mais velho que o rapaz.

Quando as pessoas se aproximaram dele, Jasper os encarou de um modo nada amistoso, fazendo o mesmo que o homem do grupo e os observando dos pés a cabeça com seus intimidadores olhos que pareciam verdadeiros topázios. Ele ouviu o sujeito e o encarou em silencio por alguns instantes, antes de lhe dar as costas e voltar a atenção novamente para as altas tendas ao fundo do terreno.

- E você acha que alguém como eu frequentaria um lugar como este? - perguntou enquanto ponderava se deveria ou não atravessar os portões.

O velho se voltou para o rapaz novamente, mais uma vez olhando o garoto de cima a baixo, enquanto uma moça abria o portão para que os recém chegados pudessem entrar. Mas o velho ficou ali, parado.

- Você não é da turma da limpeza. - Começou o ancião, revirando os olhos de leve e achando um tanto estranho aquele garoto. - O que veio fazer aqui afinal? - Ele queria saber. Não tinha certeza do que Jasper pretendia no lugar. Estava sondando para alguma gangue tentar assaltar mais tarde? Pretendia ficar à porta e pedir esmolas aos clientes ao anoitecer? Não imaginava, porém, que o jovem tinha outras pretensões - que envolviam fazer parte da trupe -, pois a primeira vista o menino não parecia ter nada de especial. Ele estava prestes a dizer algo mais, quando uma voz masculina - mais levemente infantil - interrompeu.

- Deixe o menino em paz, Romeu. Mas quando Jasper olhou na direção da voz, não viu uma pessoa, mas sim uma espécie de cão ou lobo em tamanho pequenino. O animal lambia uma das patas e balançava o rabo felpudo sem preocupações. - Ele veio por miss Aneliese. - Continuou o animalzinho. - E como você sabe disso? - Retrucou o velho. - Eu sei muitas coisas. Vamos, Jasper, siga-me. - Pelo visto, sabia mesmo.

Ouvindo a pergunta que o homem lhe fazia, Jasper estreitou os olhos na direção dele, começando a ficar incomodado. O tom de voz do estranho denunciava claramente sua desconfiança quanto às intenções do jovem. De fato, Jasper não era a pessoa mais confiável à se ter rondando um lugar como aquele, mas também não se considerava tão burro à ponto de rondar o lugar com segundas intenções diante de testemunhas ou pessoas que pudessem lhe atrapalhar.

Quando virou-se novamente para o estranho, prestes à reclamar que do lado de fora ele poderia ficar onde bem entendesse, ouviu a outra voz que se dirigia ao velho.

À princípio teve dificuldades em encontrar a fonte da voz, mas então percebeu que ela vinha da pequena criatura felpuda.

Um cachorro falante!

Atônito, o jovem mal prestou atenção no que a criatura falou e agachou-se ao seu lado, observando-o atentamente para descobrir se aquilo tratava-se de alguma espécie de boneca. Nunca tinha visto um animal falar antes... Bom, talvez tenha visto papagaios repetindo palavras pré-conhecidas, mas nada como aquilo. Tudo bem que Jasper mesmo não era a definição de normalidade, mas.... Um cachorro falante!! O rapaz realmente ficara impressionado... E quase assustado ao ouvir seu nome pronunciado por ele!

- Espere! Quem... "O QUE" é você? - perguntou encarando-o bem de perto, enquanto encostava as pontas de seus dedos na cabeça do animal para ter certeza de que não estava alucinando com o animal falante.

Quando a pequena criatura se pôs entre James e a conversa do velho, o homem apenas revirou os olhos. Não tinha o menor interesse em lidar com aquelas coisas agora e tinha um longo dia pela frente. Deu de ombros então, afastando-se e deixando Jasper com o pequeno lobo ou cão.

O animal por outro lado, permanecia sentado, mas não olhava ninguém propriamente dito. Prestava atenção no ambiente num geral, como quem espera algo de extraordinário acontecer.

- Hei hei calma lá. - Resmungou, dando um 'saltinho' para o lado, quando Jasper tentou tocá-lo. - Não sou um bichinho de pelúcia, certo? Vamos manter nossas mãos onde possamos ver. - Era uma das coisas que não gostava naquela forma esquisita, a pessoas tinham a tendência de querer lhe afagar e apertar.

- O que importa o que sou? - Continuou e dessa vez se pôs a andar, esperando que Jasper o seguisse.- Não é esse seu objetivo aqui e se sair por ai perguntando para todo mundo que vê o que eles são, pode acabar arrumando encrenca. Estamos aqui exatamente por isso: para sermos o que somos sem ninguém para nos perturbar. Você também veio por isso, não veio?

Conforme andavam, Jasper podia observar melhor o lugar: apesar da simplicidade, tudo parecia bastante arrumado, as tendas eram novas e bem feitas, os caminhos estavam limpos e bem conservados, o local não fedia - como boa parte de Londres parecia fazer naqueles anos - e as poucas pessoas - e criaturas - que Jasper tinha visto pareciam bem.

Muito além das tendas, Jasper podia ver também carroças fechadas, daquelas que serviam de moradia para as trupes que viajavam por estradas. Era novas também e ali serviam de casa para as criaturas que residiam. Formavam o que parecia uma pequena "vila" de carroças, como se fossem mini casinhas. Mas não era para lá que o bichinho levava Jasper, ele o guiava para uma das tendas.

- Madame Aneliese é quem você procura, Jasper. - Falou o bichinho, antes de parar de andar. - Mas tem que ter certeza se é isso mesmo que você quer, entende? A vida no palco pode não ser tão fácil quanto parece. O que pretende mostrar a ela?

Ao ver o animal saltar para longe dele, Jasper colocou-se de pé novamente e cruzou os braços, agora tendo um olhar de desinteresse sobre o pequeno.

- Não estava lhe confundindo com um animal de pelúcia, apenas... - resmungou alguma coisa inaudível - Ah, deixa para lá. Não importa.

Ao ouvir o pequeno rebater sua pergunta, lhe responde com certa irritação:

- Você faz muitas presunções para alguém tão pequeno. - respondia ao animal falante enquanto o seguia, mas sua atenção estava voltada ao seu entorno - Se eu arranjarei confusão ou não, isso não lhe diz respeito, mas saiba que se pretende ficar me chamando pelo nome e assumindo algo sobre mim, pelo menos apresente-se, ou vou lhe chamar de cachorro e talvez já arranje confusão desde já. - torceu os lábios e fitou o animal pelo canto dos olhos.

Jasper observou atentamente tudo aquilo pelo qual passavam. Estava perplexo de ver aquelas pessoas ali dentro e até "criaturas diferentes", mais ou menos como o que estava seguindo agora, ou ainda mais estranhos! Quantos será que trabalhavam no local?

O adolescente também estava surpreso com as instalações. Apesar de ser um local bastante simples, era muito melhor do que os últimos em que ele precisou passar algum tempo. Não ter que se sujeitar à becos fedidos e ruas imundas já era um grande avanço, ele concluía. Se perguntou também se aquela "vila de carroças" era pra onde os trabalhadores iam para passar a noite. Será que alguém como ele teria essa oportunidade? Se realmente resolvesse ficar por ali, já estava lhe parecendo algo muito vantajoso.

- Pode não ser tão fácil quanto parece? - ele repetiu o que o animal dissera com um tom de deboche, enquanto surgia um sorrisinho maldoso no canto de seus lábios - Me parece que vocês tem onde dormir e suponho que devam ter o que comer esperando por vocês em um generoso prato servido ainda quente. E isso deve ocorrer todos os dias. - Jasper estalou a língua -Tem razão. Não é nada fácil.

E ao pararem a caminhada, Jasper novamente observou atentamente onde estavam.

- Só se pode pertencer à este lugar como uma atração? Não existem outras... "Vagas"? - ele perguntou desta vez mais sério.

- Ora, ora! - Respondeu a criaturinha, parte de si estava se divertindo com a personalidade de Jasper, verdade seja tida, antava meio entediada naqueles dias, mas Jasper parecia alguém que lhe entenderia em certo nível e o modo como ele se portava não estava decepcionado em nenhum aspecto. - Quem está fazendo presunções agora?! O que te faz acreditar que sou pequenininho além do que vê agora, Jasper?! - Questionou, o rabo felpudo balançando de um lado para o outro enquanto caminhava sem perder a graciosidade quase felina - o que era estranho, já que se assemelhava mais a algo canino. Era uma criaturinha enigmática no final das contas e Jasper talvez acabasse se perguntando se estava sonhando com tudo aquilo ou ficando doido, onde já se viu falar com um cachorro?

- Ah, é verdade. - Exclamou, dessa vez virando a cabeça para olhar Jasper por cima dos ombros, farejou o ar, o narizinho se movendo com a ação antes de pensar em alguma coisa qualquer e voltar sua atenção ao caminho que fazia. A criatura parecia bastante astuta e isso era notável para o jovem Jasper pelo modo como articulava bem suas palavras e pensamentos e de algum modo estranho, a criaturinha também parecia saber de coisas que apenas Jasper sabia - como seu nome, por exemplo. Talvez denunciando algum tipo de dom? Jasper provavelmente já tinha ouvido falar das ciganas e bruxas que diziam ver o futuro, mas quando é que essas coisas realmente foram verdade?

- Me chamam de Akemi, mas acho que as pessoas dão muita importância aos nomes, você não acha? Elas tem uma necessidade de nomear tudo. - Bufou, parecendo um micro espirro.- Nomeiam o que veste, o que comem, o que sentem. Só esquecem de viver, Jasper. Viver é o mais importante e é o que menos fazem. - Parecia ligeiramente rabugento agora, mas seu humor mostrava-se bastante volátil diante de tudo, mudando constantemente.

- AH! - Falou a criaturinha. - Não se sinta especial, Jasper, só porque sofreu na vida! Aqui a maioria sofreu na vida Jasper! A maioria tem sua cota de histórias tristes. Tá vendo o cara com chifres ali?! - E indicou com o focinho um sujeito altíssimo, musculoso e com.. Dois chifres na cabeça, em um deles, uma criaturinha do tamanho de uma criança pequena parecia sentar-se e falar.

- Ele foi escravo, Jasper! Acorrentado numa mina e forçado a trabalhar! Ah! Tem a Carola também, pobre Carola. - Suspirou, porém o pequenino repentinamente parou de andar, quando Jasper falou suas últimas frases, Akemi virou-se em sua direção, os olhões sobre o jovem, parecia levemente confuso ou surpreso, quer dizer...

O que Jasper queria dizer sobre "outras vagas"? Akemi tinha leve noção das habilidades do jovem e de sua capacidade também, mas porque ele preferia mantê-las... Longe? E não apreciá-las, como deveria de fato fazer?

- Você tem um dom. - Disse Akemi, dessa vez num tom de voz mais suave. - Quer mesmo passar o resto da vida... Sei lá, limpando valas, Jasper?

Jasper ficou pensativo sobre a criatura à sua frente. Falar já era tão incrível que o jovem apenas ignorou o modo como se movia. O jovem mesmo aprendera a falar de modo bem mais decente que um mendigo graças à sua irmã que sempre teve paciência em ensinar tudo que achara pertinente, mas como será que um cachorro poderia ser tão articulado? A pergunta deixara Jasper um tanto curioso.  O cachorro falava com ele como se o conhecesse e isso claramente incomodava o adolescente. Ainda mais quando ele adivinhou seu nome daquele jeito.

Mas as próximas palavras da criatura lhe retornaram ao humor anterior.

- Eu não estou presumindo o que está na minha frente! Ao menos que eu esteja alucinando isso… - resmungou com uma careta no rosto  - Você É pequeno, mas…. - terminou a frase aí mesmo, voltando a ficar pensativo, relembrando que tudo ali estava ficando cada vez mais… peculiar.

Mas se aquilo tudo fosse um sonho, Jasper com certeza acordaria muito irritado. Que loucura seria essa de sonhar com um cão falante?

Jasper deixou a criaturinha terminar seu discurso sobre nomes para finalmente se manifestar.
- Você até pode pensar assim, mas nesta… “Sociedade”, um nome, um sobrenome carregam poder. Pelo menos para alguns… - sua expressão se fechou por alguns instantes, quando ele cruzou os braços mais uma vez e seus olhos se voltaram para outra direção, sem realmente se aterem à lugar algum - E se… - retornou sua atenção ao animalzinho - E se você não possuísse nome algum pelo qual ser chamado, como alguém iria se dirigir à você? Você usou o meu para se dirigir à mim...Mesmo que eu ainda não saiba como você o obteve, Akemi. - respondeu com impaciência.

Nunca ouvira este nome antes e até o modo como o  pequenino pronunciou lhe soara um tanto estranho.

Quando Akemi lhe apontou a criatura de chifres e a menor mais à frente, Jasper ficou novamente impressionado. Mais uma criatura tão diferente… Nem mesmo em seus sonhos poderia imaginar que um dia encontraria tantos seres distintos dos que estava acostumado à ver, humanos e animais, mas, por algum motivo havia vários deles reunidos naquele mesmo local. Como será que, se existiam tantos assim, ele jamais encontrara um antes? Ficou tão perdido em seus pensamentos que quase não ouviu o resto da conversa, entretanto o tom desagradável na voz do animalzinho lhe ajudou a retomar a atenção nas palavras novamente.

Com mais um sorriso maldoso nos lábios, Jasper retruca:

- Especial? Se eu fosse realmente especial não estaria aqui atrás de um emprego, mas provavelmente para assistir ao espetáculo. - e seu rosto se fechou mais uma vez, claramente incomodado tanto com o que Akemi dissera, quanto com as próprias palavras - A grande maioria de habitantes desta cidade está sofrendo. - e lembrou de sua irmã, o que lhe fez ranger os dentes,mas respirou fundo e continuou - Eu não considero que eu esteja tão ruim assim. Posso sobreviver nesta cidade quando muitos não conseguem.

-Carola? - repetiu o nome que o bichinho falou, sem ter a mínima ideia do que - ou de quem - falava.

Quando Akemi novamente falou com ele como se soubesse muitas coisas sobre o jovem, eis que Jasper contorce o rosto com irritação e assume uma postura defensiva.

- Você continua falando comigo como se me conhecesse! Então talvez deva saber que eu seria totalmente inútil para satisfazer a curiosidade dessas pessoas que pagam para assistir ao espetáculo de vocês! Não sou uma figura carismática, tampouco sei entreter alguém com qualquer truque que eu possa imaginar fazer! - indagou, elevando o tom da voz, alterado.

Jasper já foi ao circo antes, com sua irmã, quando ainda era muito jovem e, apesar de tão se lembrar de muitas coisas sobre o espetáculo, ele tinha uma boa noção de como as "atrações" deveriam se portar. Não tinham nada a ver com ele. Jasper não conseguia simular um sorriso apenas para agradar alguém. Ele tinha certeza que seria um fiasco no palco.

- Eu não--! - parou de súbito, percebendo que tinha perdido totalmente a compostura, o que o obrigou a fechar os olhos por um momento e respirar fundo, acalmando-se - Eu só causaria prejuízos à vocês.

O rabo felpudo de Akemi chicoteou de um lado para o outro, enquanto pensava a respeito das coisas que Jasper falava, seu olhar vagava pelo terreno, pelas pessoas que estavam indo e vindo para começar o dia e seu pensamento vagava nas coisas que Jasper argumentava. Não poderia ter se enganado, poderia? Raramente se enganava a respeito daquelas coisas. Suspirou, o rabo ainda saracoteando vagarosamente.

- Porque é assim que são as coisas. - Retrucou. - Muito antes de você ou eu, ou de qualquer civilização, como você acha que eram as coisas? Você acredita mesmo que a rocha chamava rocha ou que o fogo chamava fogo? - Moveu os ombrinhos de leve, como quem deixa aquele assunto de lado, não era algo importante ou que Akemi queria discutir naquele instante.

- Então você acredita mesmo que os especiais são aqueles que podem pagar para assistir o espetáculo, e não aquelas que regem o espetáculo. Interessante.

Outra pausa, agora seu foco tinha retornado a Jasper, analisando-o de maneira mais detalhista, absorvendo um pouco do pensamento do jovem à sua frente. Akemi parecia bem mais seria agora, enquanto matutava tudo que tinha escutado e visto até então. - Pessoas sofrem no mundo todo. - Akemi decretou, dessa vez assumindo um ar mais sombrio e suscito, o rabo moveu-se uma vez mais, antes de parar de vez.

- Ah, eu conheço muitas coisas. E eu sei muitas coisas, na verdade eu sei mais coisas sobre nós do que qualquer um de nós sabe e essa é apenas uma das coisas que eu sei. - Se um animal pudesse sorrir, talvez Akemi tivesse sorrido naquele instante, era difícil saber.

- Pois bem, se é um emprego qualquer que deseja, um emprego qualquer terá. Mas não é com Lady Aneliese que devemos falar, então. Hamu é quem você procura. - E a criatura voltou a andar, dessa vez, talvez para a felicidade de Jasper, em silêncio.

Jasper observou brevemente aquele rabinho indo de um lado para o outro e com a próxima frase de Akemi e bufou, não muito interessado em falar sobre o nome das coisas. Nem era algo que lhe dizia respeito.

- Especiais ou não esses espectadores só querem saber da diversão. Não é muito diferente de--! - e, repentinamente ele bateu os dedos sobre os lábios e começou a tossir, como se houvesse engasgado com as próprias palavras.

- Ah! Perdão! Esta cidade é fria demais para mim! Eu sempre estou doente! - reclamou enquanto esfregava as costas da luva escura e sem dedos sobre o nariz sardento - E eu não sei sobre "o mundo todo". Eu nunca fui muito além de Londres!

E Jasper parou de súbito de seguir o animalzinho quando ele disse sobre as coisas que conhecia:

- "Sobre nós?" - repetiu com curiosidade, deitando a cabeça de lado, igual a um cachorro confuso - Você sabe meu nome e que tem algo de errado comigo. E o que mais sabe? - antes ficara irritado pelo mesmo assunto que agora despertava sua curiosidade. Apenas não estava gostando muito do modo como Akemi empunha seus "conhecimentos" sobre ele - Você não é um filhote de cachorro, é? - além de não saber simular um sorriso, Jasper também não era muito bom em conter seus pensamentos só para si, ou simplesmente não sabia modera-los.

- "Emprego qualquer"? - passou os dedos entre os cabelos bagunçados enquanto voltava a seguir o animalzinho - Já estou entendendo o quão especial vocês se acham... Acho que eu até posso entender. Se eu fosse um cachorro que fala e presume a vida inteira dos outros, eu também me sentiria tão especial! - Jasper estufou o peito, batendo a mão espalmada sobre ele e jogando a cabeça para trás como se simulando extremo orgulho de um modo desajeitado, totalmente falso e engraçado.

O adolescente sentiu-se aliviado quando a criatura finalmente parou de falar.

A criaturinha com Jasper continuou a se mover, sem se preocupar muito com o que o garota falava agora. O animalzinho apreciava a paisagem, as pessoas e o amanhecer daquele lugar. Se fosse ouvido, parecia até mesmo cantarolar.

- Nem tudo é exatamente o que se vê. - Disse-lhe o pequeno filhote, enquanto parava frente a uma pequena construção que poderia lembrar a Jasper uma velha cantina de escola: se já tivesse ido a escola. - E aqui isso é a mais pura das verdades, veja só, nem precisaremos entrar. - Comentou, enquanto sentava-se. De lá de dentro, saia um sujeito alto e relativamente musculoso, mas com a pele meio verde e com dentes protuberantes para fora da boca. Ele vestia-se de maneira simples - talvez tão simples quanto Jasper - e a primeira vista era meio... Assustador.

Atrás dele seguia uma moça com características... Felinas em seu rosto e parecia meio confusa e perdida.

- Hamu, meu querido amigo. - Falou o animalzinho. - Esse é Jasper, ele busca um emprego, mas não os que os outros vem buscar, talvez você possa ter algo para ele. Um ajudante, talvez?

Hamu coçou a cabeça careca e olhou na direção de Jasper por um instante, meio confuso com a situação. Um ajudante...? Bom, talvez, a trupe estava crescendo e isso queria dizer mais comida e mais louça.

- Acho que podemos tentar. - Ele disse, em sua voz bestial, mas relativamente doce. Estendeu a grande mão para Jasper, parecia um sujeito gentil. - Hamu, eu cuido para que vocês tenham refeições quentes todos os dias, a cozinha é minha jurisdição, já trabalho em alguma cozinha antes, Jasper? - Perguntou, antes de virar-se para o lado, indicando a moça com ele.

- Essa é Juma, acabou de chegar para se juntar a nós, também, estava indo mostrar os alojamentos para ela. Você gostaria de vir conosco?

Continua aqui.

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