words: 1169 tagged: Prólogo location: D5 :: Casa humour: Tranquilo | SWEET CHILD OF MINE Ele deu um suspiro longo antes de abrir seus olhos, espreguiçando-se de maneira preguiçosa. A iluminação natural fez com que despertasse de uma tranquila noite de sono e em seguida Dominic piscou seus olhos sonolentos, mas com um brilho sempre travesso. Em meio a bocejos o garoto colocou os pés para fora da cama macia, sentindo o contato direto com o piso gelado. Era gostoso.
O garoto já sabia que estava sozinho naquelas primeiras horas do dia. Até que veio o estalo repentino: faltava um dia para completar seus 12 anos. O pequeno poderia pensar em milhares de coisas, mas só conseguiu se lembrar que seu presente deveria estar escondido em algum lugar da casa. Era hora de encontrá-lo.
Imediatamente a sonolência desapareceu. Ele levantou da cama, correu por entre os cômodos com pés descalços, sorridente e decidido. Estava sozinho naquele horário, poderia explorar cada canto sem nenhuma preocupação. Essa rotina se tornou constante desde os dez anos de idade. Ian, o pai do menino, sempre saia na companhia de Jannet, mãe do garoto. O casal partia poucos minutos após o sol nascer, precisavam trabalhar e deixavam o garoto em casa. Normalmente ele passava duas horas sozinho até ir para a escola… Não foi o que aconteceu naquele dia. Dominic não precisaria caminhar até sua escola, pois não haveria aula.
Animado e dominado por uma grande energia, o pequeno correu como um furacão para o quarto dos pais. Se Jannet e Ian - sempre previsíveis - mantivessem tudo como sempre, teriam escondido o presente por cima do armário do casal e o garoto já sabia como subir sem problemas. Estava muito mais alto que da última vez, seria bem mais fácil.
Arrastou uma cadeira velha, o sorriso característico e aberto iluminava seu rosto. Ele sabia que conseguiria. Como era curioso e esperto também, seus pais nunca notavam que o menino sempre descobria antecipadamente o que ganharia. Na hora do presente até mesmo sua expressão de surpresa era convincente. O jovem Wright sabia atuar como ninguém, conseguia ser um ator talentoso, e um garoto sempre em busca de respostas.
E lá estava o embrulho… Grande dessa vez. Ele estendeu seus braços, conseguiu pegá-lo facilmente e desceu da cadeira com cuidado, balançando a caixa, tentando adivinhar o que havia ali dentro. Faltavam poucos segundos para descobrir.
Dominic também tinha mãos hábeis para desembrulhar o pacote sem fazer estragos. Jannet, como sempre, escolheu um embrulho cintilante, cheio de astros e estrelas. O papel de presente era azul escuro com seus detalhes amarelos e brancos, bonito e muito indicado para presentes infantis.
Ao longo do ano mãe e o pai costumava fazer uma grande economia para poder comprar o presente. Apesar do distrito não ser o mais pobre, a realidade do 5 não era tão glamourosa quanto nos distritos 1 e 2 e um presente daqueles certamente não era dado para qualquer criança. Porém, a vida daquele casal era seu filho e sacrifícios para arrancar da criança mais e mais sorrisos era uma missão diária para os Wright, principalmente pelo dia que viria a seguir. Uma data importante em todos os sentidos, algo que marcaria a entrada do filho para a adolescência e o colocaria como possíveis tributos para o sanguinário Jogos Vorazes. Os Wright precisavam esquecer disso, precisavam manter a rotina...
Dominic deparou-se com uma caixa de papelão, bufando descontente, teria mais trabalho, mas não tanto quanto imaginou no início. Por fim ele ficou cara a cara com seu presente, um carrinho artesanal, feito de madeira. Um presente rústico, mas bem trabalhado, algo que ele nunca teve em sua vida, algo que ele ficou empolgado para poder brincar, só que precisava guardar e esperar… Naquele momento duvidou se teria vontade o suficiente para esperar até o dia seguinte.
Mesmo que a contragosto, o garoto reembrulhou o pacote e o guardou no mesmo lugar, do mesmo jeito, mostrando sempre seu talento para os detalhes. Em meio a mais um bufar , desceu da cadeira, colocando-a de volta ao lugar onde pegara. Agora sim o dia começava e… Não tinha muita coisa para se fazer. Tomou seu banho, vestiu suas roupas e foi lanchar de frente para a janela. O distrito da energia já estava mais movimentado. Ele poderia ir ao bazar do senhor Hudson para conversar com o velho e fazer suas incontáveis perguntas sobre os mais variados assuntos. Ele poderia ir à casa da senhora Hamilton para pedir mais biscoitos e brincar com seu neto, um jovenzinho 2 anos mais jovem do que Dominic. Ele poderia ir para qualquer lugar, mas preferiu ficar em casa durante mais algumas horas. Correu para sala com um pote de bolachas e um copo de leite na mão. Morando no distrito 5, sempre tinha energia e por isso poderia assistir televisão, algo que seus pais nunca gostava que fizesse…
Ligou o aparelho antigo e percebeu que só se falava sobre os Jogos Vorazes que começaria no dia seguinte. O garoto sentou-se no chão, com os olhos vidrados na tela, vendo vários rostos passados, a maioria mortos atualmente. A animação com a qual anunciavam o início do evento seria assombrosa para muitos, mas para o garoto pareceu divertida, o jeito de falar daquelas pessoas era engraçado e suas roupas coloridas. E então Caesar Flickerman apareceu na tela. Seu sorriso era largo, seus cabelos estavam coloridos, sua expressão parecia ainda mais plastificada e como sempre, empolgado ele fez o comentário:
— Amanhã, neste mesmo horário, estaremos prestes a conhecer nossos tributos. Um massacre quaternário é sempre muito mais emocionante e estou certo que nossos idealizadores nos surpreenderão nesta nova edição.
Toc. Toc. Alguém batia à porta para interromper o momento do garoto. Rapidamente ele desligou a TV e pegou seu pote de biscoito e copo de leite. Já suspeitava de quem estava ali, era a senhora Bright, ela se encarregava de sempre ir ver se o garoto estava bem.
Dominic correu até a porta, abrindo-a e deparando-se com suas suspeitas. Abriu seu melhor sorriso para a velha de cabelos grisalhos e rugas acentuadas e antes mesmo que ela dissesse algo, já se precipitou em responder.
— Eu estou bem e a mamãe deixou o almoço. Mas se a senhora quiser, pode almoçar comigo.— Disse o garoto, sabia da solidão daquela senhora. No distrito todos comentavam que desde a morte de seu único filho ela ficara sozinha… Wright só não sabia o motivo da morte de Gabriel, mas Amanda Bright trataria de contá-lo…
A senhora suspirou pesadamente. Os olhos estavam mais tristes do que de costume, ela olhava insistentemente para o garoto que limpava um ‘bigodinho’ de leite.
— Quantos anos você vai fazer amanhã, Dominic? — Ela questionou. O garoto estreitou seus olhos, ela já estava cansada de saber, mas ainda assim ele respondeu:
— Doze…
— Mesma idade que meu filho e… Amanhã é Dia de Colheita. Não vão te poupar, criança.
A tristeza na voz daquela senhora conseguiu apagar toda a alegria do pequeno. Dominic a encarou , pela primeira vez sem saber como retrucar aquelas palavras repletas de amargura.
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