[!Prólogo!] O início do caos

Celeste Bach

Salem Village, 20 de janeiro de 1691

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Celeste abriu os olhos devagar. Sua cabeça doía como se tivesse levado uma forte pancada na nuca. Na lareira ao pé da cama, as chamas ainda queimavam com força. Fazia muito frio naquela noite e seu pai havia achado melhor deixar muita lenha nos quartos para que todos se mantivessem aquecidos até a manhã. Lá fora, a chuva batia no telhado. Havia caído por boa parte da tarde e, aparentemente, agora retornara.

Olhou ao seu redor, notando que algo estava errado. Apesar de estar chovendo lá fora, o que ouvia não eram gotas batendo no telhado e sim alguém a esmurrar a porta de sua casa. Ouviu-a se abrir com um leve rangido e em seguida duas vozes conversarem rapidamente. Não conseguia compreender exatamente o que era dito, mas sabia que uma delas era a de seu pai, porém de quem seria a outra?

Celeste Bach

Salem Village, 20 de janeiro de 1691

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Da porta de seu quarto Celeste tinha apenas uma visão parcial da sala, porém conseguia ouvir bem o que acontecia ali. Notara que sua mãe, ao contrário dela, não se levantara para ver o que estava acontecendo, mas agora lhe era claro que a voz feminina que ouvira antes pertencia a Brigit Battons, a filha do meio de Sir Arthur, líder do povoado de Salem Village.

Notou que a garota estava em sua porta, completamente ensopada, parecendo bastante assustada e mal conseguindo respirar direito. Seu pai, embora parecesse bastante preocupado, mantinha a calma que lhe era rotineira.

- Venha, Brigit. Tire essa capa e se aqueça um pouco na fogueira ou vai acabar ficando doente.

A garota parecia hipnotizada, observando o médico, e só pareceu despertar após suas palavras:

- Ahhh... O-obrigada, Sr. Bach, mas não tenho tempo para isso agora...

A jovem garota de cabelos dourados, que parecia não ter mais do que 16 anos, talvez até menos, aproximou-se de Silvester, sem parecer se importar com a água que escorria de suas roupas pela casa, e segurou suas mãos. De onde estava, Celeste podia notar que ela parecia ainda mais pálida do que o normal, embora não tivessem o costume de se encontrar além das missas que costumavam frequentar nos fins de semana.

- Desculpe-me por acordá-lo, mas meu pai pediu que eu viesse buscá-lo o mais rápido que conseguisse. Minha mãe... - a garota parecia que ia cair aos prantos a qualquer momento, porém conteve-se, tentando parecer forte - Precisamos de sua ajuda. Não sabemos mais o que fazer...

Brigit respirou profundamente. Era claro que aquele não era um pedido de Sir Arthur, e sim uma convocação, embora tudo parecesse bastante estranho. Afinal, porque enviar sua filha no meio da noite e debaixo de chuva a um local afastado como sua casa, podendo ser atacada por algum animal, e não um de seus criados? E o mais importante, o que poderia ter acontecido a Lenora Battons para deixá-los tão apavorados daquela maneira?

Celeste Bach

Salem Village, 20 de janeiro de 1691

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Ao ouvir o barulho da porta do quarto de Celeste se abrindo, Silvester e Brigit olharam para o local. O médico não parecia surpreso, pois sabia que a filha estava acostumada com as urgências noturnas ligadas à sua profissão e provavelmente os barulhos das batidas na porta teriam feito com que ela acordasse.

Após seu retorno à sala, Brigit aceitou de bom grado a toalha e o cobertor oferecido por Celeste, embora não pretendesse permanecer por mauito tempo ali:

- Obrigada, srta. Bach.

A garota aparentemente já estava mais calma e sentara-se perto da lareira da sala. Seu pai, que permanecia próximo a ela, retirou-se logo que ela se aproximara, sem discordar de suas palavras:

- Cuide dela, querida. Vou me trocar e partimos.

Silvester se retirou rapidamente, deixando as duas jovens sozinhas, fato que Celeste aproveitou para se aproximar de Brigit, que lhe ouviu atentamente. A jovem não era de falar muito e Celeste sabia disso, aliás, todos os Battons costumavam ser bem reservados, mas Brigit na maior parte do tempo superava os demais. Por um instante a garota olhou-a, como se relembrando o motivo de estar ali. Não chegou a responder de imediato, mas quando conseguiu voltar a si, suas únicas palavras foram um quase inaudível “a senhorita verá”. Fosse o que fosse, havia sido o suficiente para assustar a garota de verdade.

Minutos de silêncio, quebrados apenas pelo barulho do fogo da lareira, se passaram até que o médico adentrasse novamente a sala, anunciando a partida deles.

- Vamos! Já avisei sua mãe e preparei tudo.

Brigit levantou-se imediatamente, retirando o cobertor de suas costas e entregando-o à Celeste. Em seguida dirigiu-se para a porta da casa onde o médico já aguardava com sua maleta.

Do lado de fora a chuva parecia ter dado uma trégua finalmente e uma carruagem de madeira com dois cavalos os aguardavam, mas algo ainda era mais estranho do que Brigit Battons batendo à sua porta de madrugada: a carruagem não tinha cocheiro, o que indicava que ela mesma a conduzira até ali. Seu pai a olhou rapidamente, olhar que ela sabia ser de preocupação. Afinal, o que estava acontecendo? Caminhou rapidamente até a carruagem e abriu a porta para que as duas garotas entrassem, entregando sua maleta para a filha antes de ir para a condução e colocar os cavalos para andar.

Celeste Bach

Salem Village, 20 de janeiro de 1691

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Brigit percebia que Celeste a olhava e sabia que provavelmente ela estava se perguntando o que acontecia em sua casa, porém não tinha coragem de comentar sobre o que vira antes de sair para procurar ajuda. Recebeu o abraço da jovem e ouviu suas palavras com certo alívio, sentindo que cairia no choro novamente, afinal não sabia se sua mãe passaria daquela noite e não conseguia imaginar sua vida sem ela. Agradeceu gentilmente as palavras de Celeste e ficou ali por alguns segundos, antes de se afastar e voltar a olhar a estrada pela pequena janela de madeira da carruagem.

Lá fora o único rastro da chuva que antes caia abundantemente era a lama e as árvores passavam rapidamente à medida que os cavalos percorriam o caminho de terra que levava até o centro de Salem Village. Embora não fosse um caminho muito longo, naquela noite ele parecia bem maior devido ao silêncio que se instalara entre as duas jovens, um silêncio pesado e extremamente incômodo.

Quando avistaram a grande casa dos Battons, que ficava em frente à praça local, os cavalos começaram a diminuir o ritmo, até pararem. Brigit não esperou que abrissem a porta para ela como era costume e desceu rapidamente, esperando que Celeste fizesse o mesmo.

- Vamos logo!

Antes que Celeste tivesse a oportunidade de sair, porém, avistou mais uma carruagem não muito longe de onde estavam e a aproximação de outras duas pessoas que ela conhecia bem: o Reverendo Green e sua única filha, Elizabeth.

Mélusine Battons

Salem Village, 20 de janeiro de 1691

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Fargan apenas observou Mélusine seguir Sir Arthur em direção ao quarto que pertencia aos seus pais sem sair do lugar. Jacob, porém, ao ver a garota parada ali completamente assustada, foi até ela enquanto Mélusine seguia o pai em sentido oposto. A jovem ainda pode vê-lo se abaixar diante da garota com um sorriso sincero e dizer:

- Oi, Fargan. Tudo bem? O que você acha de me ajudar a dar comida para os cavalos? Eles fizeram uma longa viagem e acredito que estejam famintos.

Alguns passos já haviam sido dados quando Sir Arthur olhou novamente para a filha mais velha ao ser questionado pela segunda vez sobre o que estava acontecendo ali. Não conhecia Mélusine direito, uma vez que esta havia sido enviada para longe quando era apenas uma menina, porém sua determinação em segui-lo já demonstrava sua coragem. Sem pensar muito ele parou diante da porta de seu quarto:

- Veja com seus próprios olhos...

Não muito distante de onde estavam havia uma grande cama com pilares de madeira onde uma mulher de cabelos dourados, não muito diferente dos que ela própria tinha, porém um pouco mais envelhecidos pelo tempo, se contorcia em meio a lençóis manchados de um vermelho vivo como ela jamais vira antes. Apesar da luz do lampião ser fraca para iluminar totalmente o local, era claro para Mélusine que aquilo só poderia ser uma coisa... Sangue!