Mais uma manhã em que sequer viam a mãe. Lana sabia que ela trabalhava demais - e se preocupava com isso. Mas manteve um sorriso no rosto e boa disposição, enquanto deixava Yeva
brincar de arrumar seu cabelo. Os penteados que a irmã mais nova fazia não serviriam nem para ir ao baile de Halloween, mas a loirinha era paciente com a menina. Elas eram tudo o que tinham, afinal.
- Yeva, em casa, você pode me chamar de sestra. Não podemos perder contato com nossas raízes, nossa história. - Lana tirou a escova das mãos da irmã e deu um beijo no rosto da menina antes de se virar para o pequeno espelho do banheiro, ajeitando a bagunça que Yeva fez em seus cabelos. Naquele instante, recebeu a mensagem de Gin. Encarou o celular sem esboçar reação e então guardou o aparelho no bolso da saia do colégio, escondido entre os drapeados que alguns julgavam tão encantadores -
Vamos, Yeva, eu te levo até a escola hoje.As duas iam saindo de casa quando viram a pichação. A irmã sempre ficava abatida nesses momentos. Lana acreditava cada vez mais que Yeva se afastava de sua herança na República Tcheca, país do qual praticamente não se lembrava, por causa daquele tipo de assédio. Abraçou a menina pelos ombros e continuou em frente, guiando-a pelo curto trajeto até o colégio onde a pequena estudava.
- Pravda vítězí, Yeva. - Lana manteve o queixo erguido e a postura ereta, incentivando a irmã mais nova a fazer o mesmo.
"A verdade prevalece" era o lema do país de origem das duas. E uma frase que refletia o orgulho de um povo e a esperança de uma vida.
Após deixar a irmã mais nova na escola, Lana normalmente rumaria direto para a estação de metrô, de onde enfrentaria quarenta minutos de deslocamento até as proximidades do próprio colégio. Era bem longe, mas era uma escola excelente e estudar ali era uma oportunidade que a loirinha agarrava com unhas e dentes. Era sua chance de ter uma boa preparação para os exames e conseguir uma vaga em uma boa universidade. E então ninguém nunca mais incomodaria sua família com xenofobia e racismo.
Com esses pensamentos em mente, pegou o celular e enviou uma resposta para Gin, dizendo que se atrasaria um pouco. O garoto provavelmente acharia que ela tinha dormido demais, ou que estava em um
bad hair day, ou ainda que não sabia o que vestir ou sei lá. Lana esperava que as pessoas encontrassem desculpas fúteis para seu comportamento enquanto voltava para casa, pegava esponja e um balde, e se colocava a esfregar a marca deixada por aqueles que odiavam as
três europeias que tinham ousado viver no Japão sem um centavo sequer.
Gastou quase meia hora, mas a pichação finalmente cedeu, deixando tão somente uma mancha leve em seu lugar. A mãe chegaria do trabalho cansada e não precisava daquela intolerância para coroar seu dia difícil. Lana guardou os utensílios que usou e deixou um bilhete para a mãe, avisando que poderia demorar na escola. E desenhou um urso no espelho do banheiro, para alegrar Yeva quando chegasse da aula. Logo abaixo, escreveu "
FAÇA SUA LIÇÃO" e riu, ganhando a rua finalmente.
Correu até a estação de trem e estava arfante quando entrou no vagão lotado, mal conseguindo um espacinho para ficar de pé e ao mesmo tempo manipular o celular. Com dificuldade, verificou que a primeira mensagem para Gin não tinha sido enviada. Áreas de sombra ainda eram comuns em periferias esquecidas como aquela em que vivia. Deletou a mensagem sem enviar e escreveu uma nova.
Lana escreveu:"Vou me atrasar meia horinha, Gin-kun. Pode conseguir uma bebida para nós? Minhas mãos estão congelando."
Respirou fundo. Quarenta minutos de trem até a estação. Esperava que Gin estivesse de bom-humor naquela manhã.