A vida no castelo começava antes mesmo do sol nascer. Tinham de abrir as pesadas janelas para o sol entrar, limpar os cômodos reais, preparar refeições, selar os cavalos, afiar espadas... Enfim, a vida de quem trabalhava dentro das muralhas não era fácil, ainda mais com as festas e banquetes que ainda estavam por vir naquela noite, para comemorar o aniversário de 18 anos da princesa Gwen e a sua coroação.
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A princesa ainda dormia quando uma de suas damas de companhia entrou no quarto e abriu as pesadas cortinas. A dama deu alguns espirros, devido à poeira acumulada no tecido pesado. Apesar dos esforços da princesa para ficar na cama, naquele dia tinha compromissos inadiáveis. Tomar café com seu pai e com a nova esposa dele, ir até as termas subterrâneas do castelo, para tomar um banho quente e revigorante, almoçar com convidados, se preparar para o banquete, estudar sobre a história dos brasões que estariam presentes para prestigiar sua coroação oficial como terceira herdeira do trono.
O lugar estava mais movimentado do que imaginara. Não entendia o porquê de tantos convidados, principalmente do reino vizinho, já que o pai geralmente se estranhava com o rei (eram primos, aliás). Ao ver a caravana de Artena se instalando dentro da muralha, suspirou. Além do rei, seu único herdeiro devia também ter vindo... E ele era insuportável. Apesar do desgosto, se arrumou muito bem, colocando o colar de esmeralda sobre o decote, para realçar sua pele clara e a cor de seus olhos. O cabelo ruivo estava solto, ondulando pelas costas da princesa, com algumas tranças fazendo um adorno simples e delicado no meio da cabeleira.
Após ela sair do quarto, foi tomar café com o pai e a madrasta, conversando sobre amenidades. O pai parecia ansioso... E deu uma notícia que deixaria Gwen atordoada: naquela noite, ela não iria apenas se tornar herdeira oficial, mas também teria o seu noivado firmado com o príncipe Sebastian de Artena.
Ela não podia recusar, é claro. Uma princesa não nega às vontade de seu rei. Mas foi por um triz que não se levantou e saiu correndo dali. Acabou o seu café sem nenhuma palavra, enquanto o pai contava as vantagens da aliança para a mulher. Quando a jovem terminou, pediu licença e caminhou em direção às termas... Lá poderia lamentar em paz o seu destino infortuno. Se alguma criada dissesse que ela estava infeliz, desmentiria com sua palavra real.
[...]
Quando chegou na área subterrânea, foi para a parte mais isolada do pequeno lago de água quente que ali havia. Somente um ou dois empregados repararam nela, mas a princesa solicitou se banhar sozinha. Durante o banho, observou que as pessoas entravam por uma portinha lateral, provavelmente vinda dos pátios do castelo, perto do estábulo, onde os empregados lavavam os panos de banho... E teve uma ideia. Já que estaria presa durante a sua vida toda... Naquela tarde, conheceria o mundo que tanto lhe fora negado.
Saiu do pequeno lago, enrolada em um dos panos de banho, e passou perto das pedras quentes, uma espécie de sauna, onde alguns empregados relaxavam antes do horário de seus serviços, já que não podiam entrar na água. Pegou o primeiro vestido que encontrou e um manto vermelho já surrado, e vestiu, saindo correndo pela portinha. Com o capuz cobrindo o rosto, não encontraria grandes dificuldades em sair do castelo por um dos acessos secundários.
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O problema de você sair por onde não conhece é que você pode não saber o caminho de volta... E foi isso que acontecera. Gwen entrou em uma trilha de uma mata perto do castelo e, encantada com a vegetação selvagem, acabou se perdendo. O dia estava bem quente e as roupas de tecido barato, além do manto, faziam a princesa suar e se desidratar sem perceber. Após uma hora andando, viu um acampamento entre as árvores, e resolveu se aproximar. Ninguém a reconheceria ali, então pensara que um plebeu não se incomodaria de lhe indicar a direção e oferecer um pouco de água.
Doce engano. A jovem esquecera de tirar o colar de esmeraldas, e o bando acampado era de saqueadores... Os homens vieram para cima dela... E o desespero tomou seu corpo, além do cansaço... Não se lembraria do que aconteceu depois, nem mesmo do homem que a salvara.
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Na manhã seguinte ao ataque, ela abriria os olhos. Ainda ardia em febre. Seu corpo era frágil, e o tempo que ficara perdida, sem água, a caminhada longa e o estresse haviam tido um efeito terrível em seu corpo. Abriria os olhos olhando em volta... Sem saber onde estava.
- Papai? – chamou, confusa. Tentou se levantar, mas o mundo rodou. Olhou em volta... Não estava em casa. Um senhor que cochilava em uma cadeirinha perto da cama acordou, quando ela falara, e saiu do quarto, apoiado em sua bengalinha.
– Olá? – chamou, ao ficar sozinha... A casa parecia vazia, somente com o “
tec-Tec” da bengala se afastando cada vez mais.
Foi se levantando, preocupada... Apesar de estar mole. Talvez se pudesse parar de fazer a cama girar a tarefa fosse mais fácil.