Kusanagi Shimizu (Bastet)

A viagem do templo até o centro de Tokyo durava por volta de uma hora e meia. Apesar disso, até que a mudança fosse toda arrumada, levaram quase três horas até chegar na cidade. A despedida havia sido algo formal e esquisito: o pai havia providenciado uma cerimônia do chá, na qual a menina serviria os homens... E foi isso. Depois um aceno, um meio sorriso e a lembrança das promessas que ela havia feito antes de partir. [...] Kusanagi e o primo foram em um carro alugado, enquanto o caminhão da mudança os seguia. Os dois adolescentes dividiam o fone de ouvidos, visto terem apenas um celular (o pai da jovem não apreciava os luxos da vida moderna), mas não trocaram uma palavra durante toda a viagem... Aquele poderia ser o sonho de Kusanagi, mas Masao estava ali para lembrá-la de suas obrigações... E aquele, certamente, não era o sonho de Masao, mas Ichiro havia se certificado da ida dele, querendo ou não.

[...]

Quando chegaram, ajudaram a descarregar o caminhão. O apartamento era pequeno, com um ambiente compartilhado, que seria quarto de ambos e sala de estar, cozinha e banheiro. Estava localizado em um quarteirão mais distante da escola, mas perto o suficiente para não precisarem pegar o metrô.  Já era quase noite quando tudo fora colocado dentro do apartamento e os dois não tiveram tempo de arrumar antes de dormir. Por sorte haviam levado dois bentôs de casa, se não ainda teriam de sair para comer. [...] Pouco depois de arrumarem um espaço para dormir, Masao caiu no sono; já Kunasagi não conseguiu dormir de imediato. Muita coisa se passava em sua cabeça. Estava ansiosa pelo dia seguinte e com medo. Nunca havia dormido fora do templo assim, em um lugar desconhecido. Cobriu a cabeça e só dormiu quando era madrugada.

[...]

A barulhada de Masao pela manhã deixou a menina irritada, querendo dormir mais, mas ela só acordou de fato quanto ele bateu a porta do banheiro... E o susto foi tão grande que ela “caiu” no chão, batendo a bunda e a cabeça no tatame fino. – AI! – reclamou pra si mesma, se sentando, ainda lerda. – De onde eu caí?.. Ah não – pensou, se lembrando da última vez que algo parecido havia acontecido. Será que Masao havia visto? Esperava que não. A menina, então, se levantou, preparando um pouco de chá para os dois, enquanto o primo não saía do banheiro. Aproveitou para se trocar, colocando o uniforme todo lindo do colégio novo. Estava vestindo as meias quando Masao Saiu.

- Da próxima vez podia dá um tempinho pra eu tomar um banho – reclamou, apesar de ela ter acordado atrasa. Indicou o copo térmico dele – Fiz chá – disse e foi escovar os dentes. Estava agitada e ansiosa, além de um pouco atordoada por ter acordado fora do chão... Após algum tempo, Masao falou algo que a deixara curiosa.

-Kunasagi, essa caixinha é sua? – Masao perguntou, enquanto esperava a jovem se arrumar. Ele havia percebido a caixinha caída, que estava tocando uma música conhecida.

A jovem saiu do banheiro, após terminar a higiene matinal, franzindo a sobrancelha. Como não havia ouvido aquela música? – Se ajoelhou no chão para pegar o objeto entre as suas mãos, contendo algumas lágrimas inesperadas.

- Era da minha mãe... Ela cantava essa música pra gente antes de dormir, você não lembra? – suspirou, fechando o objeto e colocando em um dos móveis. Suspirou – Eu não me lembro de ter colocado isso aí... – deu de ombros, limpando o cantinho do olho de forma discreta e desviando o olhar do primo.

- Vamos nos atrasar – pegou a bolsa, esquecendo ela mesma do próprio chá e começou a abrir a porta para sair dali, escondendo o rosto com o cabelo. Só queria que ele não pudesse vê-la triste daquela forma.

Kunasagi se surpreendeu quando o primo tomou a frente para abrir a porta e se apoiou na muretinha, olhando para fora. Ela olhou pra ele, os olhos ainda marejados, porém deu um pequeno sorriso. Havia se esquecido que Masao podia ser gentil, quando queria. – De fato é uma vista bonita. Eu não ligo de ser barato, ao menos estamos longe de tudo lá...

- Você não devia ser tão dura com o seu pai, prima. No fim, ele quer o seu bem – comentou o menino, vendo Kusanagi entrar em casa novamente, para pegar o chá dele e logo sair, entregando e fechando de vez a porta.

- Eu sei. Mas você lembra como ele era antes da minha mãe morrer? Eu me sentia tão... – suspirou, sem terminar – Você não devia desperdiçar o chá.  – disse, por fim.

Ele bebeu, como quem diz “sim senhora” e logo acrescentou – Eu lembro como você era antes da tia morrer.  Era mais fácil te deixar feliz – ele bagunçou o cabelo dela, enquanto passava ao lado da prima e começava a andar, falando sobre o tal parque. Kusanagi seguiu ele, o corredor era longo, olhando para fora, para a paisagem que ele parecia gostar tanto. Não respondeu quanto ao passado, apenas assentindo quando ele falou qualquer coisa sobre a vida nova e blablabla. Estava muito distraída nos próprios pensamentos, por isso seguiu andando um pouco atrás dele, acostumada àquelas tradições de o homem “ter sempre de estar na frente”.

Quando entraram no parque, ela observou tudo em volta. Lembrava um pouco o templo, com tantas árvores e natureza em volta. Estranhamente, havia gostado daquele lugar, embora quisesse fugir da própria realidade vivida até poucos dias antes.

Chegaram na escola pouco tempo depois e a menina acabou ficando sozinha na entrada. Observava distraída. As pessoas pareciam muito chiques, com sapatos caros, cabelos impecáveis, principalmente as do último ano. Viu uma menina que parecia uma boneca sair de um carro, mas ela não parecia muito feliz. Uma pequena multidão ia se formando perto dessa menina, vários cochichos etc. Sem saber o que acontecia, Kusanagi observava de longe. Será que era alguma modelo ou algo assim?