@TellurianExatamente quando Carlos decide ultrapassar as portas metálicas para seguir Maria Lúcia, um dos seguranças deixa seu posto, sorrindo e indicando com gestos para o que ficava que logo voltaria.
Algumas moças se aproximaram do sujeito que se manteve no lugar, fazendo perguntas e mostrando documentos. Mesmo àquela distância havia algo de muito falso nas identidades que as meninas ridiculamente jovens balançavam diante dos olhos do segurança. Ele se inclinou na direção das moças, para ouvir o que diziam acima de todas as risadas e da música ambiente. E Carlos aproveitou esse momento para entrar na parte reservada da casa noturna sem que fosse preciso dar maiores explicações.
@SaskwatchMal havia terminado de enviar a mensagem, Gerson percebeu Caboré vindo em sua direção:
- Ô Gersão! Como que tá essa força? Nunca mais a gente se viu, desde que eu saí da Colônia! - o segurança era pouco mais alto que Gerson e não muito mais estreito, com a pele avermelhada típica dos índios brasileiros e os belos dentes brancos que denunciavam a miscigenação de sangue africano -
Que coincidência você aparecer logo hoje! A patroa tava espumando de ódio do Chopinho, que não aparece faz dois dias pra trabalhar. Cê lembra do Chopinho? Branquelão, cara de otário, uns bração comprido de macaco?Caboré ia conversando com Gerson e conduzindo-o pelo
beer garten, onde uma infinidade de pessoas muito jovens gargalhavam e bebiam, obrigando o segurança a se aproximar do Caçador e gritar para ser ouvido:
- Vamo' lá. Cê entra e vamo' pro escritório, no mezaninho da boate. A patroa já tá lá. Foi escurecer ela chegou, soltano' fogo pelas venta'. - Caboré cumprimentou o outro segurança junto à porta metálica e então conduziu Gerson para o interior da casa noturna.
@Carlos Maia e Gerson do NascimentoGerson viu quando Carlos entrou pela porta. Ao menos um dos outros Caçadores estava ali, então. Bruna, que havia anunciado que também iria para a casa noturna, ainda não tinha dado sinal de vida. Talvez estivesse presa no trânsito ou já estivesse lá dentro - Gerson não sabia.
Tanto Carlos como Gerson puderam perceber imediatamente que a casa noturna era uma grande caixa de concreto: sem janelas. O pé direito altíssimo dava espaço para dois níveis de camarotes que circundavam o retângulo que era a forma original da igreja. Os vitrais estreitos e coloridos pela Paixão de Cristo traziam uma atmosfera gótica ao lugar. Todos pareciam solidamente chumbados na estrutura. Além da porta metálica, por onde entraram, havia apenas mais uma porta, menor, atrás do balcão do bar - que ocupava toda a parede da lateral direita da estrutura. Nela se lia
"apenas pessoal autorizado", e Caboré guiava Gerson diretamente para lá.
Enquanto isso, Carlos tentava localizar Maria Lúcia em meio ao número impossivelmente alto de pessoas na pista de dança e nos camarotes. Ainda não eram nem 18h! Como era possível uma balada estar tão cheia àquela hora da tarde? Lembrou das mocinhas com as identidades falsas tentando entrar. A sensação de que estava numa matinê sinistra cresceu no mateiro e ele tentou calcular quantos anos Maria Lúcia teria. Menos de dezoito, com certeza.
Gerson já não podia mais ver Carlos, que havia se embrenhado na multidão de corpos de dançavam ao ritmo frenético da música eletrônica. Bruna não estava visível, igualmente. Caboré cumprimentou alguns dos bartenders enquanto conduzia Gerson até a porta de funcionários. Ao ultrapassar a soleira, Gerson se surpreendeu com a qualidade da porta: tinha quase trinta centímetros de espessura e cortou imediatamente todo o som da pista de dança quando se fechou atrás dele e do amigo. Estavam diante de uma escada longa e íngreme, que terminava em um pequeno patamar, diante de uma porta simples de madeira polida.
- É só entrar direto, Gersão. Já bati um rádio. A patroa tá esperano'. - Caboré apertou a mão de Gerson em um cumprimento amigável e informal -
Vai susse que ela não importa com a ficha. É só num ter mandado nas costas que ela dá chance. E o trampo é simples. Cê vai se dar bem.Após alguns tapinhas nas costas, Caboré deixou Gerson, retornando para a casa noturna e seu local às portas metálicas.
Em seu trajeto de volta, o grande segurança trombou em Carlos, obrigando o Caçador a virar o corpo para desviar-se. Pura coincidência, mas o movimento inesperado o colocou de frente para ela. Maria Lúcia. A moça estava no segundo camarote, abraçada ao pescoço de um sujeito de terno e gravata que tinha idade para ser avô dela.
A música alta fazia o peito vibrar em uma batida quase incômoda. A escada para os camarotes serpenteava pela lateral oposta ao bar e era guardada por um segurança realmente grande, forte e com cara de poucos amigos. Quem usaria óculos escuros dentro de um lugar fechado e durante a noite? Carlos percebeu que apenas quem tinha um certo carimbo amarelo no dorso da mão tinha a subida franqueada, após uma breve exposição da mancha a uma espécie de bastão de luz negra. Ainda assim, ele precisava falar com Maria Lúcia! Pegou-se caminhando em direção à escada do primeiro camarote...
...
quando foi detido pelas mãos de um Anjo.
- Não vá. Ela está perdida para você, moço. - com uma mão em volta do braço de Carlos, ela o deteve. E falava olhando diretamente nos olhos do Caçador com aqueles olhos verde-azulados que faiscavam à luz da pista de dança -
Só há uma maneira de salvar Lucy D'Arc agora. Talvez você julgue o preço alto demais para se pagar.Aqueles olhos pareciam investigar a fisionomia de Carlos, enquanto a mão mantinha o aperto contra seu bíceps, negando-se a permitir que ele continuasse sua busca por Maria Lúcia. Mas ele estaria mentindo se dissesse que poderia simplesmente dar as costas e sair. Aquela mulher era
absurdamente linda. Não como uma figura de linguagem, não como quem não consegue encontrar palavras e quer exagerar no elogio. Não. A loira que o deteve era
inumana de tão perfeita. Era uma visão de gelar o sangue com fogo - paradoxal e impossível. Como se as mais belas mulheres do mundo fossem botões de rosa, enquanto ela era uma flor exuberante e completamente desabrochada, erguendo-se em glória e coroada da maior perfeição que os sentidos poderiam aguentar sem derivar instantaneamente para a insanidade.
A bem da verdade, a visão da tal mulher era de fazer as mãos tremerem e os joelhos ficarem fracos. A vontade que dava era de se ajoelhar e chorar pelo privilégio de estar diante de um anjo, de uma deusa. Cada pelo do corpo se arrepiava, até a cabeça! O pensamento simplesmente se apagava por um instante semieterno, onde nada mais existia além dela. Os cabelos de um dourado pálido, os olhos verde-azulados com cílios muito escuros, a boca rosad---
- Você veio sozinho? Há mais de vocês aqui? - a mulher desviou os olhos, virando a cabeça de um lado para o outro, como se buscasse identificar Caçadores só de olhar para eles. Com o movimento, Carlos sentia o cheiro dos cabelos dourado-prateados dela, doc---
Precisamos sair daqui. Não é seguro.Ela se voltou novamente para encara-lo e então sorriu.
Havia algo de semelhante entre ela e Maria Lúcia. A mente de Carlos ia recuperando o autocontrole e os pensamentos voltavam a se encadear, mais refeito do choque. Elas tinham a mesma altura. O mesmo tom loiro pálido e brilhante nos cabelos. A menina que ele viu crescer em Nova Esperança tinha olhos um pouco mais claros, como se o azul fosse mais diluído.
Mas o sorriso era muito parecido. Havia um calor inocente na forma angelical como sorriam.
- Eu sou Alice. - ela finalmente soltou o braço do Caçador.