Herança (Rahva)

O soldado confirmou com a cabeça e correu dali imediatamente para passar a instrução aos demais grupos. A medida que se afastavam, Rahva deu sua segunda ordem - as palavras correram pelo ar e de alguma forma, no meio daquela tempestada de ruídos, lamentos de medo e gritos das criaturas do outro lado do muro, sua ordem foi ouvida com clareza e chegou no coração dos soldados naquela muralha. Esticaram as cordas de seus arcos o máximo que puderam e atiraram na direção indicada, tomando o cuidado para mirar numa distância segura. Todos acertaram seus alvos - 5 acertos, mais o de Rahva. Ao mesmo tempo, o soldado que corria pela muralha atirou enquanto corria, no mesmo momento da ordem - movido por um desejo de se provar ou apenas fazer parte do grupo, soltou a corda do arco e a flecha zuniu, atravessando duas cabeças no alvo. 8 acertos no total.

Os demais também atiraram - não deu tempo do aviso chegar, mas o soldado continuou correndo e repassando a mensagem para que atirassem nos grupos mais afastados. De qualquer forma, o segundo ataque ainda foi nos que estavam mais próximos, fazendo o primeiro degrau para as criaturas. A muralha não era tão alta e eles se atropelavam, subindo um em cima do outro, dos 'mortos' e dos realmente mortos. Saltavam e grunhiam, até que três dos arqueiros foram puxados pelos pés - um deles foi agarrado de volta pela capitã, Lorhai Flancoferro, girou a espada no ar e golpeou a criatura, recuperando um de seus homens.

- Façam como ordenado! Atiram nos grupos de trás! E recuem um passo! Espadas prontas!

O soldado do grurpo de Rahva voltava correndo, ofegante e tão logo estaria novamente à disposição.

A multidão de criaturas tinha um ponto para ser considerado, também - alguns dos que haviam caído - retornavam de pé. Os olhos treinados de Rahva conseguiram entender rapidamente o motivo - os que se erguiam de volta, tinham flechas contas seus corpos, enquanto os que permaneciam caídos, não - tinham flechas enterradas em suas cabeças. Além da preocupação de ser necessário atingir os que estavam mais distantes, também havia a preocupação com a mira - era crucial que os acertos fossem nas cabeças. Considerando derrotados e não derrotados, o número parecia não ter muita mudança no final das contas e os que estavam caídos de verdade, eram apenas escadas para que os demais pudessem escalar os muros de Vengerberg.

Lorhai também entendeu e ordenou os soldados próximos que tomassem um tempo maior para mirar, visando a cabeça dos inimigos. Rahva, apesar de tudo, parecia não ter dificuldade com os soldados que lhe foram destacados, faziam tiros precisos e sempre acertavam. Alguma força nela própria passava essa confiança aos outros e por isso, os tiros eram precisos. Considerando isso, mais uma vez todos acertaram e ela própria, com apenas uma flecha derrubou dois inimigos.

Mas as coisas não estavam boas - soldados já estavam esperando que escalassem os muros e estavam a postos.

A descoberta também espantou alguns dos soldados, que sem saber contra o que estavam lutando, entraram em um desespero - precisou de cuidado e ordens dos oficiais mais próximos para que a situação fosse rapidamente controlada.

Mais dois arqueiros foram pescados pelas mãos incessantes das criaturas.

- Aguentem!

Gritou Lorhai e logo era possível saber o motivo. Três magos haviam chegado nas muralhas e estavam organizando um tipo de ritual - era possível ver fagulhas se formando ao redor dos três. Tinham as mãos dadas e entoavam palavras que não chegando nem perto do idioma comum ou o conhecido élfico de Rahva. Tisein olhava petrificado para o ritual que se dava ali. Eles tomavam uma parte um pouco mais alta das muralhas e a cada segundo, mais fagulhas pareciam surgir.

Além de toda a movimentação nas muralhas, era possível ver alguma infantaria se preparando no pátio mais próximo do portão principal - um outro capitão liderava aqueles homens que se colocavam à postos para enfrentar as criaturas frente a frente, caso as flechas não fossem suficientes para pará-los. E talvez não fossem, descobririam todos muito em breve. Os homens de Rahva na muralha rapidamente seguiram as ordens, arrancaram as flechas da aljava no chão à frente, armavam os arcos e um a um disparavam nas hordas de criaturas que se amontavam nos muros, os tiros, de forma ordenada, para que por qualquer descuido não acabassem acertando o mesmo alvo, assim otimizando seus ataques. Todos acertaram, mais uma vez - assim como Rahva. Os outros arqueiros seguiam também com os ataques e a grande maioria também acertava, mas usavam mais flechas e com mais tempo - a questão era o ponto em que os acertos acontecessem. Como já tinham descoberto, os ataques só eram realmente efetivos se acertassem as cabeças - qualquer outro ponto do corpo, não parecia parar as criaturas.

Os magos continuavam o seu trabalho, sussurravam palavras em língua estranha e moviam as mãos em seu pequeno conclave - aumentava o número de faíscas raspando no ar e brilhando numa cor forte, variando entre o calor laranja do ponto inicial e o verde com o fim. Pela intensidade daquelas luzes, parecia que se encaminhavam para um final e o que quer que saísse dali, talvez pudesse dar um fim nos inimigos de Vengerberg de uma só vez.

Ao mesmo tempo, as criaturas já estavam próximas e numa altura relevante demais - o castelo de Vengerberg não tinha uma estrutura militar, se fosse um cerco - com soldados reais, já teria sido invadido. As criaturas pecavam em estratégia, mas a insistência e o fato de usarem seus mortos como escada, ajudou no processo. Mais e mais arqueiros foram pegos, algumas das criaturas já conseguiam subir a muralha e o combate por alguns momentos deixava de ser à distância. Como eram poucos que conseguiam subir até então, apesar dos danos que causavam, eram reprimidos com velocidade.

Além disso, havia um repasse das flechas - eram poucas e nem todos os grupos tinham Rahva como comandante - erravam, ou atiravam mais do que deviam e consumiam mais munição. Considerando todos os esforços até o momento, teriam flechas para mais um ataque e alguns próximos disparos. Rahva ainda tinha muita munição em sua aljava, mas se fosse dividir com os demais, não seria nada, também. As coisas se encaminhavam para uma conclusão.

Todos os alvos foram atingidos - dessa vez, a determinação de Rahva foi mais forte e a flecha atirada pela mesma atravessou o crânio de duas das criaturas - mas em fim, encontraram-se com o destino já esperado. As flechas chegaram ao fim e com isso, a vontade daqueles soldados também - era possível ver que alguns já trocavam suas armas, pegando em espadas e esperando pelo pior, mas outros tantos ficaram paralisados pelo medo e não souberam extamente como reagir diante de tudo o que estava acontecendo no momento. Eram soldados e alguns talvez tivesse até mesmo participado nas campanhas de Novigrad, mas ninguém estava preparado para aquilo. Todos sabiam que monstros eram coisas reservadas aos Witchers. A falta das flechas teve um impacto imediato - diversos arqueiros das muralhas se anteciparam e tentaram atacar como podiam e muitos foram arrastados e destruídos no caos de criaturas que acontecia do lado de fora e já tão próximo.

STATUS 1:

Ao tempo que, os magos pareciam ter terminado o ritual. As fagulhas voavam longe e acima das criaturas, no enorme campo de lavanda do lado de fora do castelo, gigantescas bolas de fogo se formavam - tudo parecia incrível, mas Rahva tinha a impressão de que aquilo não seria suficiente. Eram muitas criaturas e se aquilo realmente não desse conta do restante das criaturas, os soldados do pátio teriam que enfrentá-los frente e a frente, o que não era uma perspectiva razoával.

As fagulhas continuavam emanando dos três magos, até que todos apontaram para a frente e disversas esferas incandescentes começaram a cair contras as criaturas. As explosões que se sucederam foram coisas nunca vistas antes - batiam com força no chão e empurram e queimavam as criaturas. As esferas seguiam os movimentos dos braços dos magos, que vinham do alto, esticados, e fazendo um extremo esforço, notável em seus rostos, desciam até junto do corpo - daí as esferas seguiam e explodiam no chão.



Um dos magos não suportou e caiu no chão, de joelhos. Ofegante e pingando suor por todos os poros possíveis de seu corpo - os cabelos estava colados junto do rosto, tamanho o esforço realizado. Era sabido que, para trabalhar e manipular com o caos, não bastava entendimento mágico, mas era preciso ter a mente sã e o corpo de um soldado. Magos velhos eram apenas estudiosos, pois não tinham a vitalidade necessárias para realizar tantos feitos.

Devido ao fato recente com o terceiro mago - algumas das esferas começaram a cair vagarosamente e perder seu brilho no caminho. Foi nesse momento que a atenção foi voltada para Tisein - ele estava ainda de costas e olhando os magos - mas suas mãos estavam alocadas ao lado do corpo, travadas ali e embora fosse algo difícil de crer - o garoto estava acima do chão, como se flutuasse por alguns centímetros. Virou vagarosamente, na direção das esferas, seus olhos eram duas esferas brancas e prosseguiu com os mesmos movimentos dos magos - ergueu os braços e os trouxe para baixo, não fazia o mesmo esforço - apenas se movimentava.

As esferas guidas por Tisein tinham uma coloração esverdeada e ao se chocarem, explodiam com uma intensidade muito maior do que as demais. Depois de duas dessas explosões - ele caiu no chão, desmaiado e todos o show de luzes e fogo se encerrou. Ainda tinham criaturas do lado de fora, muito menos do que antes e era possível ouvir Lorhai gritando.

- Abram o portão!

Brandia sua espada e corria para a maior saída do castelo junto de um destacamento de soldados. Correriam o campo a fim de acabar com o restante dos monstros.

STATUS 2:

O som do lado de fora continuava - as espadas brandiam contra as criaturas e o disciplinado exército foi mais competente com um número menor. Cercaram os monstros e controlaram de forma rápida, um dos magos também se apressou para o lado de fora e gritava ordens para que diversas criaturas que tinham sido feridas e incapacitadas não fossem mortas enfim, mas capturadas. Certamente estudaria os monstros à sua vontade. Os outros dois magos que participaram no ritual se aproximaram de Tisein e ajoelharam-se ao redor do menino, onde Rahva já o segurava.

- Ele é do sangue antigo, não?

Disse um deles, despretensiosamente. Ao mesmo tempo em que abria uma pequena bolsa presa a tira colo - removeu um frasco com um líquido viscoso e amarelado, o mesmo tinha pequenas partículas alaranjadas. Mostrou à Rahva brevemente e logo ofereceu ao garoto desacordado.

- É uma mistura alquímica. Várias frutas, folhas e mineirais. Vai ajudá-lo a recuperar o vigor.

Deu apenas alguns goles para Tisein, um pouco também vazou pelo canto de sua boca e tossindo - ele começou a acordar. Olhou rapidamente ao redor, sem entender exatamente o que tinha acontecido. A outra presente, uma feiticeira - ainda nada tinha dito. Abriu um pequeno sorriso ao ver que o garoto tinha voltado à consciência. O primeiro, então - retomou a palavra.

- Essas criaturas caminham com a caçada selvagem e aposto que estão atrás dele, mas algo deve ter acontecido - eles próprios devem ter perdido o controle dos seus portais. Recebi corvos de outros lugares relatando a mesma coisa. Temos que conversar sobre o garoto.

O mago assentiu e deixou que Rahava seguisse seu caminho até a estalagem. Tisein estava acordado, mas um pouco fraco - tudo parecia convergir para o garoto afinal, mesmo as curiosas criaturas. Se a informação do mago estivesse correta, estava claro que a própria Caçada Selvagem tinha perdido completamente o controle de seus portais, pois as criaturas estavam sendo geradas no mundo atual, como viu no acampamento anterior, um ladrão morto retornou à "vida". Além disso, o sangue antigo de Tisein tinha uma parte importante a ser considerada nisso tudo, involuntariamente ele tinha o controle de forças muito maiores do que imaginava, como há pouco conseguiu controlar com facilidade e até mesmo aumentar o poder de fogo de uma magia que os feiticeiros ficaram um longo período em preparação. Pode ser que ele nem mesmo tinha tido vontade sobre aquilo, afinal.

Logo depois que entraram na estalagem, a porta se abriu novamente, com força. Era Lorhai Flancoferro - seu rosto estava coberto de sangue e estava sem a gigantesca espada que carregava normalmente para todos os lados. Logo atrás, entraram os três magos que estavam no topo da muralha. Um deles estava visivelmente abatido e cansado, foi o que o desmaiou no momento que Tisein assumiu o controle de seus poderes e os ampliou.

Todos chegaram próximos de Rahva e Tisein.

- As cartas são verdadeiras, então.

Disse Lorhai, o mago que havia conversado com Rhava anteriormente confirmou com a cabeça.

- Que os deuses nos ajudem, então. Explique-se, Ka'har.

O mago assentiu mais uma vez e então voltou a falar.

- Tisein é do sangue antigo. O último membro do sangue antigo. Acredito que sua missão é colocá-lo no trono de Dol Blathanna, mas isso só vai trazer a destruição do lugar. Isso o que enfrentamos aqui não é nada comparado ao que está por vir - todos são mortos e tudo o que morto vai ressurgir e se voltar contra o que estiver no caminho de Tisein. Vengenberg não é forte o suficiente para suportar um segundo ataque desse nível, que dirá maior do que isso.

Ele parou um pouco de falar e apoiou as mãos na cabeça, retomando um pouco do fôlego. Lorhai botou uma das mãos nas costas do mago, o alentando diante da situação que acabaram de descobrir. Era bastante coisa para engolir de uma só vez, mas considerando tudo o que Rahva tinha passado, aquilo era apenas observar as peças se encaixando. Ka'har retomou sua fala.

- O controle dos portais foi perdido em Havekar, esses malditos acharam que usar artefatos da Caçada Selvagem lhes daria uma vontagem econômica. Fizeram isso por dinheiro e acabaram destruindo todo o mundo. Se Tisein morrer, ficaremos presos nisso para sempre. Os mortos vão andar eternamente e nós nos juntaremos a eles. Recebemos cartas de vários lugares, mas Victor Corbray sugeriu juntar todos os exércitos em um único local - Havekar e de lá, defender o garoto. Ele precisará despertar esse poder que possui e de alguma forma, destruir os artefatos da Caçada.

Notando quem acompanhava Rahva e Tisein, o estalajadeiro afirmou com a cabeça e se retirou para uma parte traseira de onde estava atendendo, possivelmente para buscar o que tinha sido pedido. A ponderação de Rahva fazia sentido com relação ao conhecimento sobre Tisein, muitas forças que tinham influência no mundo acabaram sabendo do que se tratava a viagem do garoto, então - por mais que os esforços fossem de esconder o menino e impedir que qualquer questão da viagem fossem descobertos, já era tarde demais no momento que Vos à contratou para isso.

- Não temos outra alternativa. É isso ou a morte do mundo como o conhecemos. De qualquer forma - e me desculpe pelas palavras francas - se Tisein não se erguer para essa ocasião, ele também morrerá. Me reunirei com o conclave dos magos e acredito que todos farão seus máximos esforços para auxiliar em uma derradeira batalha, mas teremos nossos limites testados, com certeza e se quando esse ponto chegar, Tisein não conseguir destruir os artefatos dos portais, todos iremos perecer.

Lorhai se ergueu de repente. Bateu firme no peitoral de aço que utilizava e falou.

- Os exércitos de Vengerberg marcham hoje. Faremos campanha até Havekar e iremos recrutar qualquer um que puder brandir uma espada.

Tisein recuperou-se de toda a situação. Os dias seguintes foram rápidos. Três dias, foi tudo o que tiveram para a preparação - dessa vez, com uma comitiva bem maior. Dos três magos que ficaram rondando Tisein, Ka'har, que deu toda a explicação sobre a situação foi o que mais se aproximou. Tentou preparar o garoto da forma que conseguia e podia, mas não havia muito o que fazer em tão pouco tempo - Tisein não fazia a menor idéia de como canalizar qualquer tipo de energia e ao assistir as sessões de treinamento, ficava bastante claro que ele estava completamente frustrado com a situação. Ele sabia o que estava em jogo e sabia que atualmente não tinha o que fazer, apesar de ter uma grande vontade de ajudar.

Os dias que seguiram foram de preparação e reparação. Havia muita destruição em Vengerberg, o rescaldo da guerra era uma quantidade muito grande mortos que precisavam ser enterrados, muros que precisavam ser reparados, armas que precisam ser refeitas, afiadas e oleadas. Até que chegou o dia da partida. Tisein e Rahva tiveram seus cavalos preparados - montarias fortes, usadas para a guerra. Tisein ganhou novos trajes, com maior proteção e um pouco mais quentes. Apertando os olhos e o vendo naqueles trajes, era possível enxergar sua linhagem nobre, quebrada com rapidez com um sorriso largo e alguns dentes faltando, próprios da idade, estavam sendo trocados por dentes permanentes.

O destino era a fortaleza de Havekar, dentro de alguns dias - teriam a prova final.