Herança (Rahva)

O rosto de Tisein foi se tranquilizando a medida que ouvia Rahva falar. Era simples de lidar com uma criança - elfo ou não, ainda uma criança. Gimhall realmente não tinha esse tipo de tato e caso toda a responsabilidade ficasse a cargo dele, seria uma viagem bem complicada - considerando a energia do jovem Aen Selle. Tisein sorriu e subiu no cavalo com um salto, mostrando a mesma leveza de antes.

- Vamos!

Tomou a frente, seguindo o mesmo caminho da estrada. Gimhall também montou e sussurrou algo para o cavalo, que começou a trotar atrés de Tisein, virou-se rapidamente para Rahva.

- Obrigado.

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O restante da cavalgada até então, aconteceu sem maiores problemas. Considerando todo a noite do dia anterior mais o dia inteiro e chegando no final da tarde, estavam entrando em Aedirn. A guerra não era tão forte nessa parte do norte, apesar da região estar sempre sendo disputada - mas era um caminho melhor do que através das montanhas de Mahakan. A primeira cidade, Aldesberg recepcionou os viajantes com gigantes tiras de seda balançando no vento de diversas cores e tamanhos. A cidade era muito conhecida pela fabricação têxtil, assim como coloração das mesmas.

Tisein olhava admirado, olhos para o alto e boca semi aberta. Aldesberg ainda fazia parte do norte, mas parecia um local completamente diferente de Redania.

- Vamos passar a noite aqui.

Disse Gimhall, tomando a frente para uma estalagem próxima.

- Quero ver o mercado!

Foi a resposta do jovem elfo.

O local era bastante agradável, diferente de qualquer outro reino do norte onde haviam os frontes de combate - as pessoas também tinham feições diferentes, não olhavam o trio de elfos (embora Gimhall ainda mantivesse a parte de cima da cabeça e por consequência, suas orelhas, coberta) com desconfiança ou com o típico preconceito e julgamento de Redania. Houveram até mesmo algumas trocas de sorrisos entre algumas pessoas e o membro mais jovem da expedição, que apesar da aparência 'selvagem', era bastante comunicativo.

- Como posso ajudá-los? De onde estão vindo?

Gimhall, que já havia tomado a frente, respondeu.

- Os cavalos na entrada, precisamos que cuide deles e também queremos dois quartos, comida e provisões para viagem.

Manteve de fora a informação sobre de onde tinham vindo, propositalmente ou apenas por traços de sua personalidade mais direta. O estalajadeiro respondeu com um sorriso.

- Claro. Pelos quartos são 6 moedas, mais 2 dos cavalos. As provisões preciso ver o que podemos oferecer. Com os quartos já temos a comida para o dia, fiquem à vontade para servirem-se.

Apontou um caldeirão próximo da bancada com algo cozinhando no fogo baixo. Gimhall retirou 10 moedas de uma pequena bolsa amarrada em sua cintura e entregou para o homem que os atendia.

- Me avise de qualquer coisa. - Virou-se então para Rahva - Fico com Tisein no quarto.

Tisein já estava com um pedaço de pão e um prato de comida na mão pela metade e falou, ainda com a boca um pouco cheia.

- Não estou com sono, quero ver o mercado!

- Concordo.

Deixou um suspiro escapar. Talvez tudo aquilo significasse muito para Gimhall e era óbvio que ele tinha uma lealdade à V'os, as ordens eram seguidas à risca e como mostrou no último combate, seria capaz de dar a vida pelo garoto. Era fácil de entender a preocupação e não era tão difícil também de ver os olhos fundos e cansados do elfo.

- Tisein, se Rahva concordar, poderá levá-lo ao mercado. Preciso enviar mensagens para nossa origem e para o nosso destino. Talvez conseguir um pouco mais de proteção no caminho.

O estalajadeiro olhava sem muita atenção, esperou a fala terminar e respondeu.

- Não temos uma casa de banho, mas há água limpa nos quartos e-...

- Não precisa de banho, estou pronto!

Tisein havia terminado de comer, interrompeu a fala do homem, cortando o resto da frase. Passou as duas mãos no rosto tirando os restos de comida dos cantos da boca, puxou o manto para cima dos ombros, amarrando ali e indicando a saída do local com as mãos.

- Mais uma vez, obrigado.

O elfo olhou enquanto iam a direção da saída, procurou uma mesa próxima e sentou-se já retirando algumas coisas de uma sacola de couro, provavelmente os materiais para iniciar as cartas. O momento de paz era oportuno, ainda faltava um caminho longo para Dol Blatanna e era bom estar descansado para isso, assim como acalmar um pouco mais o espírito do jovem Tisein.

Saindo da estalagem, era possível novamente as tiras de seda balançando coloridas por quase todo o centro comercial. O dia já queria ir embora, mas o final da tarde pintava o céu com um laranja vívido. Tisein caminhava ao lado de Rahva, mas ainda assim um pouco a frente. Ele passava os olhos rapidamente por tudo o que aparecia e conseguia ver, quase sempre também colocando as mãos.

- Rahva, né?

Perguntou, sem olhar diretamente para ela, questionando a respeito do nome. Lembrou-se do nome pela qual Gimhal a chamou. Ainda não tinha se apresentado propriamente dito, eram "aquela elfa" e "aquele menino".

- Gimhal disse que você lutou ao lado do meu pai.

Corrigiu rapidamente.

- Não o meu pai de verdade. O capitão V'os.

Havia um pouco de tristeza ao dizer aquelas palavras, por mais que tivesse um distanciamento claro entre os dois, o garoto parecia admirar o velho capitão.

- Eu sei, heh.

Respondeu quando ela disse ser mais velha do que aparentava. Aparentemente, tinha uma boa noção do que ele era. A qual local pertencia no mundo e o que isso representava.

- Gim é bem velho também. Mais velho que o meu pai... Quer dizer, que o capitão.

Apesar de também ser um elfo, o jovem estava numa idade normal para humanos. Era uma criança para os elfos, mas também era uma criança para os humanos. Ele passava atento pelas barracas, mas ainda respondia sempre que Rahav lhe perguntava qualquer coisa. Parou em uma das barracas onde havia miniaturas de barcos de Skellige. Eram réplicas perfeitas, feitas de madeira e velas de pano, alguns até coloridos e com símbolos dos clãs das ilhas.

- Sobre meu pai verdadeiro, eu não sei muita coisa. Gim disse que ia me contar mais quando eu fosse mais velho. Mas ele me tirou da cidade, não consegui dar tchau pro meu pai.

Não lembrou de corrigir-se dessa vez. Realmente, o garoto foi removido de forma brusca. Drogado através de uma poção e passou um bom tempo em cima de um cavalo até acordar, já longe do lugar que conhecia como casa. Ele parecia compreender, já que sua reação mais forte foi apenas no começo, mas mesmo assim, destinado a ser rei ou não, ainda era uma criança e isso com certeza seria uma marca forte em seu caráter.

- Posso ajudar?

Disse o homem atrás da tenda dos barcos. Tinha a cabeça raspada e um lenço verde e azul ao redor do pescoço, um mercador de Havekar. Se é se podiam chamar de mercados, era conhecimento comum que muito do que tinham à venda era contrabando. Talvez os barcos fosse mesmo de Skellige e por estarem tão longe da costa, talvez fossem realmente contrabandeados.

Tisein sorriu com as afirmações de Rahva, ele não era tão inocente nessas questões - como já pôde ser comprovado, sabia que tinha um destino para cuidar ou o destino cuidaria dele. Parecia não se preocupar muito e nem devia, mas de qualquer forma, era um peso possível de ver com o menino que às vezes mostrava-se somente um menino. O mercador observou a pergunta e puxou um balde grande de madeira, cheio de água. Então pegou o barco nas mãos e empurrou para Tisein.

- Faça o teste!

Tisein foi um pouco surpreendido e recebeu o barco, mas recuou um pouco as mãos.

- Ei!

Aparentemente, uma pequena farpa entrou em um dos dedos. O mercado fez uma cara de surpresa e rapidamente tirou um lenço do bolso, passando pela mão de Tisein e limpando o sangue.

- Mil perdões jovem mestre!

Em tempos mais antigos, era comum o reconhecimento da sabedoria élfica e o tratamento de mestres entre humanos e aen seidhes era comum, aparentemente, ainda era um hábito entre o povo de Havekar, embora estivessem longe de lá - pelo menos seu representante mostrava respeito nesse sentido.

- Mas tente o barco, por favor!

Passou a mão rapidamente no pequeno machucado com a farpa, mas não ligou muito e logo tentou colocar o barco na água, que boiou por alguns segundos, mas era possível ver pequenas gotículas de água se formando no fundo e tão logo, começando a enxer com a água do balde, em poucos segundos, se tornando um mini náufrago.

Recebeu o barco com a força aplicada de Rahva e certamente foi um impacto, mas tentou não demonstrar qualquer tipo de dificuldade. Continuou com o sorriso no rosto e assim que teve a miniatura do barco em suas mãos, o virou de ponta cabeça, despejando toda a água. Voltou a atenção para Tisein.

- Que pena. Venha amanhã, vou consertar e com certeza vai boiar!

Tisein fez uma cara estranha, típica de criança - de que: tanto faz.

O dia aos poucos chegava ao seu fim e ia escurecendo, ao mesmo tempo as lanternas coloridas tomavam o lugar das longas tiras de seda e Tisein voltava sua atenção para elas. O mercador colocou o barco de volta em sua tenda e passou a realizar outras atividades. Guardou o pano sujo na cintura.

- Você acha que falta muito até Dol Blatanna? O que você vai fazer depois que chegarmos lá? Como eu vou ser rei, se você quiser, pode ficar!

Apesar de entender a responsabilidade de seu ser, não tinha noção real do que isso representava, ficando claro devido a sua última fala. Provavelmente teria uma vida tediosa e cheia de obrigações.

- Ah, isso? Não foi nada! Uma vez eu de um barco que estavam construindo na cidade! Quebrei os dois braços, de uma vez só.

Fez uma pose, mostrando os bíceps e orgulhoso por algum motivo de ter quebrado os dois braços. Olhando o ferimento no dedo, realmente não parecia nada grave. Como foi causado por uma farpa de madeira, não era maior do que uma agulha e já não sangrava mais. Era só um pequeno ponto vermelho escuro, quase preto.

O caminho de volta, até a estalagem foi tranquilo. Gimhall estava no mesmo lugar, mas já parecia ter terminado de escrever suas cartas e talvez, até mesmo de já tê-las enviado. Acenou para os dois, assim que entraram e foi ao encontro deles.

- Tisein, conseguiu ver o mercado? Aprendeu algo novo?

Ele fez uma cara feia, não surpreso, mas desapontado.

- Eu não saí para estudar!

Gimhall deu um breve sorriso e voltou as palavras para Rahva.

- Vamos sair amanhã na primeira luz. Mandei um recado para o capitão e alertei Dol Blathanna, pedindo para enviem batedores em nossa direção. Vamos precisar ter mais cuidado. Não encontraram problemas no mercado?

- Hmmm.

Observou com cuidado a ferida, segurando e girando o dedo do garoto para entender se havia algum outro ponto de interesse. Por fim, largou da mão do mesmo, sua feição continuava impassível como de costume, mas sem qualquer tipo de preocupação.

- Tirando a sujeira habitual. Não parece ter nada de grave. Ferimento com madeira seca.

A primeira parte foi em tom de brincadeira. Não iria corrigir isso no garoto e era o que era, um garoto. Criado por soldados. Estaria sempre sujo e não teria muitas preocupações com o asseio, de qualquer forma. Por esse motivo, deixou estar. A noite já estava próxima e não deveriam passar muito mais tempo na cidade, Gimhall havia comentado anteriormente que deveria sair na primeira luz e retomou o assunto assim que terminou de fazer sua verificação sobre Tisein.

- Podemos descansar por hoje.

Tisein ficaria com Gimhall e Rahva teria o segundo quarto, conforme conversado inicialmente com o estalajadeiro. Os quartos ficavam próximos - as portas ficavam de frente uma para a outra e eram bem simples, duas camas, cadeiras e armários, lamparinas em duas paredes e um balde grande com água. Simples, mas aparentemente limpos.

Rahva percebeu, no meio da noite, um barulho incomum no corredor onde ficavam os quartos. Não era a ocasional conversa mais alta na parte mais baixa da estalagem ou alguém passando na rua do lado de fora, mas alguém no mesmo andar e muito próximo da porta.

- Tenho certeza que é ele.

Ouviu entre ruídos e sussurros. Consegue identificar, pela movimentação e barulhos, pelo menos duas pessoas no corredor - não havia qualquer outro som que indicasse ameaça - como por exemplo o ranger de espadas ou mesmo a movimentação de armaduras. A voz não era de toda desconhecida, mas mesmo assim, não conseguia distinguir exatamente o que estava acontecendo ou quem era o dono da voz. Percebeu barulho de trinco sendo aberto - não era a sua porta, estava um pouco longe, mas não tanto - poderia ser no quarto de Tisein e Gimhall.

- Cuidado. É melhor chamar.

Ouviu mais sussurros e maior fica a sensação de que a voz era conhecida, mas distante.