Herança (Rahva)

O cavalo seguiu os comandos. Rahva estava bastante numa sociedade diferente da sua de origem, mas a herança de sua raça tinha vantagens que às vezes trazia surpresa. Seria difícil para um cavalo que não estivesse bem treinado e com a mesma pessoa por um bom tempo fazer o que foi feito, se aproximar assim de uma carroça em toda a velocidade, mas ele o fez e manteve-se firme no momento do salto. Tão logo, assim que Rahva subiu a bordo da carroça, o cavalo partiu para a lateral e diminuiu sua velocidade, ficando para trás.

Yarron foi empurrado com o impulso de Rahva, mas não soltou das rédeas - além de ser o único controle que tinha da carroça, também era onde poderia se segurar para que não caísse para fora da mesma, mas sendo aquelas rédeas o que estava guiando os cavalos, a carroça começou a pender para a esquerda, trepidando muito mais quando as rodas batiam fora da estrada de terra e encontravam pedras maiores. Era possível ver o desespero do homem, não acostumado com aquele tipo de situação, parecia prejudicar ainda mais a mobilidade dos animais que puxavam a carroça - que pela navegação atual, perdia mais velocidade e os cavaleiros Aen Elle chegavam ainda mais perto.

- O que você tá fazendo?!

Era a voz de Sabin, de dentro da parte coberta da carroça. Abriu uma pequena tenda e enfiou a cabeça pra fora - achou que estava falando com Yarron, mas tomou um susto ao ver que Rahva tinha se juntado ao transporte. Era possível ver de relance que Tisein estava ali, parecia bem, mas amarrado - impedindo seus movimentos, mas gritou de volta, com a voz chorosa.

- Eles... Eles mataram o Gimhall!

O garoto não tinha visto o desfecho. Só viram um de seus guardiões foi atingido.

Outra flecha.

Dessa vez, o alvo não foi o rosto de Rahva, mas o braço direito de Sabin. O disparou cruzou o céu e perfurou a tenda da carroça, alocando-se na parte de trás do braço de uma das raptoras - houve um grito rápido de dor e talvez a dúvida de que os Aen Elle fossem uma terceira parte, não estando junto com os dois raptores.

Yarron fez um esforço, grunhindo enquanto tentava voltar a posição de guia da carroça. Ajeitou-se como lhe foi possível e puxou as rédeas para que os cavalos voltassem para a estrada, normalizando um pouco o movimento da carroça. Mesmo assim, retomando um pouco da velocidade, não seria possível ganhar mais vantagem em distância com relação aos cavaleiros Aen Elle, que já estavam quase os alcançando. Sabin, que fora atingida no braço perdia sangue - mas fez o que lhe foi ordenado, libertou Tisein e deitou-se, segurando o braço atingido com força, a flecha ainda estava cravada em seu braço.

Tisein balançou os braços e ficou de cócoras, estava assustado e de acordo com o seu último comentário - acreditava que Gimhall tinha morrido quando o rapto ocorreu. Nesse momento, já era possível ouvir com mais clareza o calvagar dos cavalos perseguidores.

O disparo de Rahva cruzou o ar. Estava com as mãos livres e tinha um apoio firme, a carroça balançava muito, mas tinha vantagem com relação aos cavaleiros.

O assovio da flecha silenciou quando atingiu o ombro de um dos cavaleiros, o impacto o derrubou do cavalo e este foi jogado para longe. O outro se quer olhou para trás e apressou o passo para alcançá-los.

Mais uma vez, a flecha rasgou o céu e percorreu a distância pequena até o cavaleiro solitário que os perseguia. O Aen Elle ergueu o braço e parte da manopla do local recebeu o disparo, a flecha rasgou um pedaço da armadura mas foi aparada e tomou a direção lateral. No momento, já bem próximo da carroça - o elfo sacou a espada da cintura. Era uma lâmina escura e levemente curvada, ergueu a mesma a a deixou cair com a força do braço, golpeando a parte de trás da carroça e arrancando lascas de madeira. Tão logo estaria a menos de um braço de distância.

Os cavalos, assim como a pequena carroça de madeira estavam no seu limite. Não poderiam passar daquela velocidade e mesmo se fosse possível fisicamente, estavam a ponto de cair todos dali.

- O que está acontecendo? Os cavalos estão assustados!!

Gritou Yarron, fazendo o seu possível guiar a carroça - mas não conseguiria manter a velocidade e o controle de tudo aquilo por muito tempo. Não somente precisava controlar os animais, mas seu próprio medo. Claramente não estavam aptos para o que quer que tinham em mente, estavam esperando que o rapto fosse algo simples e rápido, mas não só tiveram que lidar com Rahva, mas agora havia um perseguidor muito mais perigoso no encalço de todos.

Sabin e Tisein estavam deitados. Sabin sangrando e tentando se proteger com os próprios braços. Tisein, deitado, mas a parte da situação - levemente paralisado.

E pela terceira vez, numa distância bem menor, a flecha estalou das cordas do arco de Rahva e voou na direção da montaria - todo o barulho de até então não foi alto o suficiente para o que se sucedeu. O cavalo relinchou o mais alto que pôde assim que o dardo varou seu peito e se alojou ali, tropeçou nas próprias patas e foi ao chão com um som sobrenatural, ver um cavalo de guerra cair assim era algo assustador, uma tonelada de músculos que ia ao chão numa velocidade impressionante. O cavaleiro, por outro lado, pareceu acompanhar a queda e apenas caminhou no ar - sabia como se mover e onde colocar os pés, parou no chão sem queda, arrastando os pés. Insatisfeito com a carroça que se afastava e ganhava distância dele, apontou a espada e sussurrou - mesmo a distância, o sussurro foi levado e ouvido com clareza.

"Tisein El'ellar."

Tisein enfiou a cabeça pela tenda da carroça ao ouvir seu nome e observou o cavaleiro, enquanto se afastavam. Fixou o olhar - forçava o rostos e os olhos, mas parecia não ser ninguém conhecido e agora, ficava para trás. Rahva tinha os dois problemas na carroça agora, mas pelo o que viu - não ofereciam ameaça real de combate. O problema com eles dois foi as palavras que disseram e a história. Era estranho, já que eles já tinha aceitado ir até Havekar, não fazia muito sentido raptar Tisein.

"Qual deles atacou Gimhall?"

A frase tirou Tisein do transe. Ele balançou a cabeça, tentando sacudir tudo o que tinha acontecido nos rápidos momento a bordo da carroça. Yarron ouviu as perguntas, Sabin também ouviu as perguntas, mas eles talvez não esperavam pela reação tão rápida de Rahva, com certeza também não esperavam pelo ataque repentido dos Aen Elle, que estava ficando mais frequente e agora não estavam mais mandando capangas, mas cavaleiros capacitados e provavelmente pelo porte, habilidades, armadura e armas que portavam - cavaleiros da Caçada Selvagem. O gigantesco barco de unhas não foi visto e até o momento, era uma lenda, mas ver os cavaleiros assim tão próximos, era sinal para preocupação.

Tisein voltou a atenção e apontou para Sabin. Seria ela a responsável pelo ataque à Gimhall.

- Eu estava... Ela acertou ele de costas.

Sabin percebeu que estava falando dela e ergueu-se, com medo. A flecha do cavaleiro ainda estava alojada na parte de trás de seu braço esquerdo e era uma fluente constante de sangue. Tinha esse braço junto do corpo, amparado pelo outro. Olhando para fora, não havia mais sinal dos cavaleiros - ficaram para trás, mas foi por pouco - talvez estivessem esperando enfrentar apenas os dois de Havekar e não contavam com a presença da elfa. Com certeza estariam melhor preparados para a próxima investida.

Os cavalos diminuíram um pouco o ritmo. Estavam cansados e notaram a troca de liderança na rédeas. Yarron repassou as cordas sem protestar, não teriam condições - apenas deixou que acontecesse e então se afastou o máximo que lhe foi possível ser sair da carroça, ficou bem no limite e estendeu a mão para Sabin, que se erguia com dificuldade e tomava a mão de Yarron para apoio. Toda aquela movimentação foi desajeitada e com pressa, até que finalmente Yarron tomou a voz e a coragem e então disse:

- Seria melhor assim, para ele e para vocês. Tisein é necessário para que o mundo siga em frente. Se ele vive, o mundo morre. Essa decisão, cedo ou tarde irá chegar até você.

E então, saltou - puxando Sabin junto. Ele caiu usando um dos joelhos para amortecer a queda, Sabin, por outro lado - ferida - caiu de qualquer jeito e rolou na terra, com o impacto da carroça em movimento. Tisein foi para a frente, ao lado de Rahva e ficou olhando os dois fixamente enquanto se afastavam. As coisas ficavam mais complicadas para o garoto - inicialmente, tinha como objetivo chegar até Dol Blathanna e tornar-se rei, então passou para uma investida para Havekar, onde ajudaria a cidade, até seu rapto e perseguição dos Aen Elle.

Haviam coisas mal explicadas. Os próprios Havek estavam usando sua profecia como motivos escusos. Aparentemente, Tisein teria outro uso na cidade e pelas palavras do mercador, não seria nada positivo para o garoto.

Estava ainda meio sem reação, mas concordou com a cabeça quando ela pediu para que não fosse raptado novamente - como se levasse a sério o pedido e fosse algo que estivesse sob seu controle. Apesar de tudo e parecer ser uma criança um pouco selvagem, ainda era uma criança - o que acabou sendo compreensível a sua falta de ação durante tudo o que aconteceu, ele teve um choque de realizada e entendeu que alguns inimigos não são apenas bandidos de estrada, mas conspiradores que podem causar um mal real. Além disso, ver Gimhall ser ferido de forma tão grave na sua frente, acabou causando uma paralisia ainda maior - pelo o que Rahva acompanhou dos dois, era óbvio de que não tinham a melhor das relações, mas Gimhall o tratava com respeito e Tisein entendia essa preocupação.

- Quero voltar com o meu pai... Com o capitão V'os.

Disse rispidamente. Talvez fosse necessário assumir uma postura diferente com Tisein, sempre levá-lo em consideração poderia ser perigoso - agora, por exemplo, voltar para Novigraad não seria uma opção. Certamente expor o capitão o levando de volta, com certeza não era prudente. Haviam ainda opções para se considerar, mas não eram muitas e dessas, poucas ofereciam saídas válidas. Poderia seguir o desejo de Tisein e voltar para Novigraad, considerando todas as consequências desse ato. Poderia seguir para Havekar, mas considerando também que o destino de Tisein seriam perigoso, já que as intenções de Sabin e Yarron não estavam claras. E por fim, poderia voltar o rumo para Dol Blathanna - onde haveria um exército de elfos para recebê-lo - ele seria usado como ferramente política, mas talvez fosse o local mais seguro que pudesse ficar - claro, considerando o que tinha de informação no momento.

- Certo...

Disse desanimado e com a cabeça baixa. Como tinha presenciado, tudo aquilo foi demais para o pequeno e se nada de mais grave acontecesse, ainda teria mais complicações pela frente. Não era nenhuma surpresa de que o modo engessado e burocrático de como as coisas aconteciam em Dol Blathanna sugaria o resto de disposição e vontade que ele tinha nesse momento, era certo de que seria uma figura decorativa e não tomaria nenhuma decisão de fato. Não era tão difícil de manipular uma criança, ainda mais uma criança que tinha passado por tanto traumas como Tisein. Sem contar o fato de que, sua vida sempre estaria em risco e seu nascimento era um mistério até então.

- Vamos para dol Blathanna.

Devolveu o soquinho em Rahva e um sorriso fraco se formou em seu rosto. Mas Rahva que deveria decidir então, poderiam seguir dali para Dol Blathanna usando até onde fosse possível a carroça ou retornar para a estalagem e pegar os cavalos que ficaram por lá. Além disso, tinha também o provável corpo de Gimhall - quando Rahva deixou a estalagem, ele estava gravamente ferido, mas ainda vivo. Já viu muita coisa trabalhando para o capitão Vo's e durante as campanhas de Redania, pelo o que sabia e pelo o que tinha visto, aquele era um ferimento fatal. Já viu algumas pessoas sobreviverem a feriamentos assim por quase uma semana, mas uma semana de agonia e dor - não era possível imaginar o tipo de tratamento que recebeu da estalagem, apesar do dono do local ter sido bom com eles - ele não era um médico.

Rahva tinha visto os mapas antes - de onde estavam, ainda tinham alguns dias de viagem - mas as estradas seriam cada vez mais solitárias, já que as cidades humanas iam ficando mais raras a medida que se aproximavam das Montanhas Azuis e de Dol Blathanna. Não haveria muita oportunidade para reabastecer, mas teria ainda como fazer no caminho. Com a pergunta que fez à Tisein, ele revirou algumas coisas na parte de trás e abriu alguns sacos de pano, amarrados com cordas finas.

- Ah, potes com água, algumas frutas e um monte de batatas.

Voltou para a frente da carroça, ainda estava um pouco abatido e tinha o olhar fixo nos cavalos. Tinha corrido bastante durante a perseguição, mas eram cavalos fortes de tração, foram feitos para resistência e talvez não houvesse muito problema tão cedo com relação a isso.

O caminho foi tranquilo, como o rapto foi no raiar da manhã - tiveram um dia inteiro de trajeto com a carroça e a medida que avançam para o sul do continente, a temperatura ia baixando, não só ficavam mais próximos de regiões mais geladas como a altitude era maior. Não parecia incomodar Tisein e Rahva também tinha uma resistência com relação ao frio, era possível também sentir uma diminuição gradativa na velocidade dos cavalos, eram fortes, mas um dia inteiro sugava a vitalidade de qualquer um - mesmos os dois elfos, sentados, haveriam de estar cansados depois de todo esse tempo. Bem a tempo, havia um pequeno vilarejo envolto em cercados de madeira com pontas molhadas, devido a humidade e frio da região.

Os portões estavam fechados e em uma torre, também de madeira - um soldado montava guarda.

Quando questionado, Tisein ficou pensativo. Talvez ainda não tivesse realmente pensado nisso, em que tipo de governante ele seria ou queria ser - talvez isso nem mesmo tivesse passado por sua cabeça. Nos arredores do quartel vivia livre, soltado pelas matas próximas - mas desde que a viagem teve início, ele foi levado de um lado para o outro, apenas tendo que seguir e obedecer. No início da viagem, parecia estar até mesmo sob efeito de algum estupefaciante que o deixou desacordado por um longo período.

- Não sei.

Brevemente, mas sincero, respondeu a pergunta. Talvez fosse um bom rei - era melhor assumir que não sabia algo do que fingir e causar problemas ou piorar alguma situação. Poderia ser um caminho certo para o jovem aen elle.

O guarda acenou novamente, um aceno rápido - mas sem apresentar ameaça. Usava vestes pesadas e faixas azuis na armadura.

- Você está no território de Venderberg. Quem são vocês? O que têm na carroça?

Tinham avançado bastante. Ainda não era a cidade de Vengerberg, somente um posto de parada - mas mesmo assim - a cidade devia estar próxima e passando pela cidade, faltaria talvez apenas mais um dia até Dol Blathanna. Em tempos mais calmos, sem todas as guerras no continente, talvez não teria guarda no posto - mas atualmente, era compreensível o nível de segurança.