É sabido que cada descendente nasce com um dom, concedido pelo signo que o rege... Mas o que muitos não dizem, é que nem sempre é fácil descobrir ou exercer as dádivas concedidas. Algumas criaturas nascem promissoras, demonstrando a que vieram desde muito novas... Já outras, demoram anos para descobrir e acabam seguindo a herança de família, até então.
No caso de Seraphine, a descoberta foi tardia... E ocasionada pela curiosidade inerente de sua personalidade. Nasceu uma descendente de Áries, em uma família de Guias. Como sua vinda ao mundo foi no dia mais quente do verão, imaginou-se que ela apresentaria dons para com o fogo, mas isso não se concretizou. Ela acabou cuidando das coisas da família, para facilitar que os pais e a irmã mais velha fizessem o trabalho deles junto aos mortos. Somente aos 16 anos que ela encontrou o seu propósito no mundo.
Após a morte de Iggrish Zennor, um jovem domador de sua vila, todos ficaram muito preocupados. Quando um domador morre, é comum haver uma grande destruição, pois o dragão perde a consciência que compartilha com seu mestre. Dizem que o dragão passa dias longe, até voltar e tentar fazer toda a vila queimar... Ou ser morto. Talvez seja um apelo de uma criatura tão difícil de matar, para seguir ao mundo dos mortos com a pessoa que o ensinou.
Como o domador era jovem, ainda no processo de ensinamentos do seu Dragão, a preocupação foi ainda maior, ao ver que a criatura partiu: ainda era uma criatura em parte selvagem e não teria o mínimo de misericórdia em sua ira.
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Seraphine preparou o corpo de Iggrish. Era comum, na pira funerária de um domador, ter apenas o corpo e o colar feito com a casca do ovo do dragão. A jovem estava sobre a pira, ajeitando todo o necessário, enquanto os pais estavam sentados entre duas árvores próximas, de olhos fechados, esperando o corpo ser queimado para guiar a alma. Quando ela foi arrumar o braço direito do jovem, sobre o cordão que estava no peito menino, sentiu algo queimar sua pele, em uma dor que desconhecia até então. A marca feita no braço domador, em seu batismo de fogo, foi desaparecendo, a medida que era desenhada no braço da jovem. Ao ouvir os gritos da menina, todos chegaram perto.... E não viram nada em seu braço. Havia sumido. Riram dela, e logo o ritual continuou.
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Algumas semanas se passaram e imaginaram que, no fim, o dragão não voltaria. Prosseguiram com uma das festividades de verão, na qual receberiam os governantes de Signum em praça aberta, para ver o espetáculo dos Mestres. Era um festival lindo, que a Imperatriz adorava... Mas ninguém esperava que, no meio de tanta comoção, o dragão de escamas negras como a noite, e asas avermelhadas, apareceria. Sob o sol, o reflexo das asas do animal fazia tudo ficar vermelho. Não deu tempo de correr, nem dos guardas se mobilizarem. Logo ele pousou no meio da praça, esmagando o grupo que se apresentava. Estava de frente para o trono dos imperadores, como se sorrisse antes abrir a boca.
Os guardas tentaram ficar entre o dragão e os imperiais, mas foram engolidos pelo animal, que claramente ainda não havia atingido a idade adulta. Cada vez que era acertado, mais bravo ele ficava. O Imperador se levantou, para defender a mulher, mas o rabo longo do dragão o derrubou. O dragão deu mais um passo, ficando perigosamente próximo da imperatriz.
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Nesse meio tempo, Seraphine estava comendo em uma das barraquinhas do festival... Quase deixou o bolinho de pimenta cair, ao ver o dragão pousando. Sentiu o braço pulsar e a dor lancinante voltar. Sem perceber, andou na direção da criatura. Todos corriam para longe, enquanto ela se aproximava, ainda segurando o bolinho em uma das mãos.
Logo, a jovem surgiria entre os dois tronos, perto do fucinho do dragão. Ele brincava com a imperatriz, se colocando mais perto a cada momento que ela ameaçava fugir. Seraphine só se deu conta de onde estava nesse momento, ao ouvir os gritos da mulher, o Imperador tentando se levantar e o rugido do dragão, que começava a abrir a boca e uma bola de fogo se formava entre a bocarra enorme. Por instinto de proteger a governante, ela se jogou pro lado dela, fazendo a mulher cair e rolar as escadas... Bem, não era a forma adequada de se tratar a imperatriz, mas, quando a mulher rolou, ficou milímetros abaixo do jato de fogo que saiu da boca da criatura. O Imperador também conseguiu se proteger... Mas ninguém viu a jovem, que parara em meio ao fogo.
O batismo de Seraphine havia acontecido da forma mais incomum possível. Quando o dragão fechou a boca, ela estava de pé e parecia que parte das chamas havia sido transferida para o seu olhar, que brilhava. A marca em seu braço voltara, incandescente, começando a se tornar fria e negra, como o carvão. Ela sorriu, apesar de estar nua, em praça pública, percebeu, finalmente, a que viera no mundo... Não acreditava quando as pessoas falavam da sensação que a descoberta trazia... Até aquele momento. Ela desceu as escadas, sem olhar para o lado e ergueu o pulso marcado ao dragão, que pareceu confuso e rugiu alto, em ameaça. Ele não parecia feliz, mas reconhecia a marca deixada. Era a mesma do seu antigo domador... A mesma que a criatura mística criara em seu laço dominância. Seraphine finalmente tocou o animal e ele levantou voo em seguida, cuspindo fogo para o alto, mas não machucando ninguém mais.
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Desde esse dia, ela começou a treinar com o Dragão. Não era vista com bons olhos, visto não ter encontrado seu ovo e treinado desde pequena, os outros domadores falavam que ela se “aproveitara” da situação... A jovem ficava irritadíssima com aquilo, se metendo em brigas constantemente durante o seu treinamento.
O dragão, chamado de Bolcán pela menina, nunca se tornara completamente dócil, principalmente com desconhecidos... Mas ambos criaram uma relação de respeito e companheirismo.
Devido ao episódio, ela e a Imperatriz se aproximaram, apesar de as pessoas sempre dizerem que era melhor ter domadores “puros” como seus protegidos.