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• Vida Mortal
Stephan Karnstein nasceu no vilarejo de Schaffenhausen, na parte alemã da Suiça. Filho de Gökhan e Mircalla Karnstein, Stephan foi o mais novo de cinco irmãos afortunados que nasceram na antiga (e rica) família Karnstein. Seu pai, o barão Gökhan, era senhor de muitas terras e imóveis, tanto em Schaffenhausen quanto em Zürich; e sua mãe, a baronesa Mircalla, é descendente da família von Bergen, famosa por uma longa linhagem de fazendeiros e advogados.
Os três primeiros filhos, Walter, Luca e Kassandra, nasceram com os traços do pai, isto é, louros e de olhos intensamente verdes, dotados de um brilho quase sobrenatural. Já Heidi e Stephan, os dois mais novos, nasceram muito semelhantes a mãe, isto é, de cabelos negros e de olhos de um azul cinzento e frio.
Toda a família era vista como fisicamente bela, vaidosa e de bom gosto em relação às coisas boas da vida. Walter era o irmão mais velho, nascido em 1983. Ele tinha um físico forte e era cobiçado por todas as garotas solteiras (e algumas casadas) onde quer que fosse. Já Luca, nascido em 1985, era magro, esguio, mas tinha um rosto considerado encantador. Diferente de Walter, que era mais gozador e impetuoso no falar, Luca era mais reservado, mas era simpático e muito cavalheiro. As mulheres que não simpatizavam com o jeito “solto” de Walter, certamente se encantavam com o reservado (mas galanteador) Luca.
Kassandra, que era de 1986, era o sonho de todo homem de Schaffenhausen. Era esbelta e tinha feições pitorescas, que combinavam as melhores características do pai e da mãe. Seu cabelo era de um louro vivo, com mechas longas e cacheadas, lábios carnudos, dentes brancos como mármore e seios enormes, de pele macia, cheirosa e branca como leite. Tinha a personalidade da mãe, isto é, era durona, falando de uma forma positiva. Era astuta e inteligente, e não cedia a cortejos baratos de qualquer um. Ela tinha o porte de uma diretora ou administradora, e ninguém ousava faltar-lhe com respeito.
Heidi, nascida em 1988, era mais baixa que Kassandra, mais magra, mas tão bela quanto a irmã. Seu cabelo muito longo era negro e lustroso e seu rosto era magro e simétrico, com nariz e queixo finos e pontudos, dona de um par hipnóticos de olhos azuis cinzentos. Era, de certa forma, a “ovelha negra”. Como toda adolescente, gostava de sair, beber e se divertir. Era a mais “moderna” da família, por assim dizer. Tinha tatuagens, falava palavrões e vestia roupas alternativas, predominantemente pretas, tendo esse quê de rebelde que os pais detestavam. Não se sabe se o status da família era um peso para ela, ou se ela achava que Schaffenhausen era um lugar muito antiquado, mas é provável que a razão de sua rebeldia é um desses ou ambos os fatores.
Stephan era o mais incomum, o mais estranho. Era um jovem belo, esguio e de cabelos negros que passavam do queixo, mas tinha hábitos estranhos e um comportamento fora de época, como se fosse um espírito da Era Vitoriana que foi subitamente sugado para o século XXI. Heidi era o que mais o estranhava, já que, com exceção dos olhos, que eram idênticos, eles eram opostos em tudo.
Os irmãos também eram muito diferentes em seus objetivos e sonhos. Walter, o primogênito, cursava direito. Ele queria ser delegado, já que achava que tinha jeito com isso (era alto e forte, de certa forma intimidador). Luca, o gentil, cursou publicidade, mas acabou por cuidar de negócios próprios, tornando-se proprietário de vários estabelecimentos lucrativos, como hotéis e clubes noturnos. Kassandra, por sua vez, também cursou direito, mas sua ambição era maior: tornar-se juíza. Como era mulher de atitude e astúcia, nenhuma profissão parecia mais apropriada para ela do que essa. Heidi, a garota problema, tinha como ambição cursar artes visuais e, como bônus, queria exercer a profissão de tatuadora, abrindo seu próprio estúdio. Já Stephan fez medicina, querendo se especializar em anatomia, e pareceu feliz quando arrumou um estágio como auxiliar de necrópsia na delegacia local.
Stephan, assim como todos os irmãos, recebeu uma educação exemplar, mas era ele que mais levava a etiqueta a sério. Ele era quieto, cortês e nunca era visto falando de forma vulgar ou perdendo o controle com crises de fúria. Heidi constantemente dizia que ele parecia um robô, já que nunca sorria ou demonstrava algum sentimento.
De fato Stephan era estranho. Tinha um linguajar arcaico, controlado demais. Costumava também utilizar roupas antiquadas e, devido aos seus hábitos, não era popular com as garotas, mesmo sendo bonito. Era tido como antissocial e excêntrico. Inevitavelmente ele se tornava cada vez mais recluso com o passar dos anos, se distanciando até mesmo dos irmãos. O pai e a mãe, contudo, não se incomodavam com ele, afinal Stephan era gentil, educado e brilhante em sua área. Muitas vezes o barão e a baronesa desejaram que Heidi seguisse o exemplo do caçula, mas obviamente isso nunca aconteceu. Quando Heidi, irritada com a comparação constante entre ela e Stephan, disse que ele era frio e esquisito, o barão retrucou “Por que você acha Stephan estranho? Ele é um rapaz estudioso, que passa a maior parte do tempo no quarto lendo, sem incomodar ninguém; e quando não está fazendo isso, está viajando pelo mundo, e isso certamente é um passatempo saudável”.
Stephan era de fato estudioso. Não era talentoso apenas com medicina, mas também com línguas. Contudo, nem mesmo uma boa educação, riqueza, beleza e uma mente privilegiada puderam salvá-lo dos problemas.
Foi aos quinze anos que Stephan, sem ninguém saber, voltou-se para o ocultismo. Suas viagens não eram férias; elas tinham um propósito maior. Ele visitou os lugares mais antigos do mundo, estudando lendas, folclores, práticas ritualísticas e antigas religiões pagãs. A verdade é que Stephan, apesar de sua máscara de nobre, educado e vaidoso, sempre achou que a vida poderia ser mais do que isso. Toda aquela nobreza, todo aquele luxo, aquele ego… Tudo isso o fazia sentir-se fútil e vazio. A vida humana soava, de muitas formas, patética. Stephan via os humanos como seres subsistentes; ninguém parecia de fato viver. Foi então que ele começou a procurar respostas espirituais, fazendo desse o seu real fascínio.
Nem mesmo a escolha pela medicina foi uma decisão aleatória. Ele queria compreender a vida, a morte e a existência em um sentido metafísico, além do que as religiões vulgares e superficiais ensinavam como verdade. O primeiro passo para entender a morte foi estar perto dela, como um auxiliar de necrópsia. Isso, no entanto, foi apenas o começo de sua obsessão.
Havia algo a mais em suas viagens do que apenas estudo e pesquisa folclórica; algo muito mais obscuro. Stephan decidiu que, para entender a morte de fato, deveria matar. Não apenas matar, mas também causar o sofrimento, praticar a brutalidade. Stephan acreditava que uma morte nunca era igual a outra, e sua intenção era compreender o que as almas sentiam ao morrer das mais variadas formas. Quando viajava para o estrangeiro, tirava vantagem disso para realizar os seus experimentos. Ele tinha a vantagem de ter uma aparência de riqueza, bela e vaidosa, que o colocava acima de qualquer suspeita. Então Stephan começou a sequestrar pessoas. Ele as torturava e as matava de diversas formas. Queimando jovens, afogando crianças, estuprando virgens e esquartejando, sufocando e usando qualquer outro método que causasse dor extrema, agonia, medo… Suas mortes favoritas eram sacrifícios rituais, onde ele podia combinar as atrocidades com seu aprendizado de ocultismo. No começo era apenas um experimento, com ele anotando todas as reações, mas logo ele começou a gostar disso; começou a ter prazer com tudo isso. Logo aquele jovem frio, educado e de boa fala tornou-se um assassino cruel, apesar de conseguir disfarçar bem o lado negro de sua alma. Ele praticava uma atrocidade em cada lugar que ia, e logo suas vítimas favoritas se tornaram crianças. Além de mais fáceis de enganar e sequestrar, Stephan sentia um prazer enorme em corromper a inocência delas. Ele dizia que a inocência fazia da morte delas as mais intensas (e prazerosas) que se podia experimentar, e que as com as práticas de ocultismo era possível assimilar as emoções deixadas pelas emanações psíquicas residuais, mesmo depois que a alma cruzasse o outro lado.
• Transformando-se em Carniçal
Quando terminou o terceiro ano de medicina em Zürich, Stephan viajou para a antiga Valáquia, a fim de estudar o folclore transilvano e o ocultismo romeno, na esperança de continuar seus avanços e obter mais respostas espirituais. Ele esteve planejando a viagem o ano todo e, quando finalmente as férias chegaram, partiu imediatamente, tamanha sua ansiedade. Ao chegar, ele se hospedou em uma estalagem ordinária, em um vilarejo próximo ao infame Passo do Borgo.
Stephan se apresentou como um estrangeiro estudante de antropologia, que era particularmente fascinado pelo folclore da Transilvânia e estava ali para fazer um trabalho para a universidade. Apesar de frio, ele era muito educado e, tendo boa aparência e demonstrando admiração sincera pelo passado daquele povo, não foi muito difícil para ele ganhar a simpatia e a cooperação das pessoas do povoado. Era assim que ele fazia. Ele sempre começava ganhando (ou tentando ganhar) a confiança das pessoas.
Duas noites depois de se estabelecer facilmente, ele avisou a todos que precisava entrevistar as pessoas em seu quarto, em particular. Ele salientou que, obviamente, os entrevistados teriam uma bonificação pela gentileza, logo não faltaram candidatos. Afinal, não era apenas pelo dinheiro. Ele era belo, era estrangeiro e curioso, e sempre trocava copos de bom vinho durante as entrevistas. Todos tinham algum motivo (ou mais de um) para alegremente ajudá-lo em sua pesquisa, fossem simpatizantes de estrangeiros, ébrios, moças promíscuas, ou simplesmente alguém que queria uns trocados a mais. Entre as entrevistas que conseguiu naquela noite, a que mais se destacou foi a quarta pessoa a ir para o seu quarto. Era um homem gordo e calvo, com um longo bigode branco. Dizia chamar-se Ernest e era sapateiro no vilarejo. O homem tinha um jeito soturno, ao mesmo tempo que meio malicioso. Ele afirmou claramente para Stephan “Esses idiotas vão tratá-lo como apenas mais um turista. Eles vão entretê-lo com toda a espécie de absurdos apenas para te ver feliz, porque feliz o senhor dá dinheiro a eles; mas não se engane: são bobagens. Coisa para entreter gente de fora, como o senhor. Se o senhor realmente deseja conhecer o passado do meu país e realmente entender de fato o que significa nosso folclore, cruze o Passo do Borgo à noite e vá até o antigo cemitério abandonado. Lá, procure pelo mausoléu da família Vâsilache e entre nele. Todas as respostas estão lá”. O homem se foi, sem fornecer informações sobre como encontrar o velho cemitério e como entrar no jazigo, mas o intento do homem funcionou. Stephan ficou curioso o bastante para não conseguir ignorar. Poderia ser uma piada? Poderia, mas ele tinha de tentar. Ele tinha de saber.
Na noite posterior às entrevistas, isto é, em sua terceira noite no país, Stephan conseguiu (com as palavras e subornos corretos) as informações que precisava. O cemitério ficava a menos de dois quilômetros após o Passo do Borgo e o melhor meio de cruzá-lo era à cavalo, então Stephan alugou uma carruagem para levá-lo até lá. Quanto a entrar no mausoléu, havia uma janela no flanco esquerdo que era grande o bastante para um adulto passar, e que sempre estava aberta. Ele não contou ao cocheiro que pretendia entrar no mausoléu, então o bom senso e o dinheiro fizeram com que o homem não protestasse, tampouco perguntasse o que ia fazer, já que todos no vilarejo já sabiam que um certo senhor Karnstein, da Suíça, estava estudando o folclore local para uma pesquisa em seu curso de antropologia. Quando chegaram no no cemitério, Stephan pediu que o cocheiro esperasse, afinal ele não saberia voltar sozinho, tampouco seria inteligente andar a pé naquele lugar. Ele disse apenas que iria fotografar algumas sepulturas e fazer algumas anotações em seu bloquinho, dando um extra ao cocheiro para que ele fosse compreensível – mais uma vez as palavras certas e um pouco de dinheiro evitaram certos inconvenientes.
Stephan testou a fechadura do portão já entortado e tombado. Ela quebrou em suas mãos, de tão velha e enferrujada, mas isso não impediu que o portão se abrisse com um simples empurrão. Fazendo uso da lanterna do seu celular, não demorou muito para que ele encontrasse, entre as sepulturas baixas, um jazigo maior e mais majestoso, cujo nome “Vâsilache” se destacava na entrada, em uma placa dourada acima do portal de pedra. Como instruído, Stephan caminhou até a janela e de fato percebeu que ela estava dura, quase emperrando, mas ainda podia ser aberta e ele poderia entrar no mausoléu por ela com facilidade. Após provocar um rangido incômodo ao levantar a vidraça, Stephan enfiou as pernas e, após um salto curto, alcançara o chão de pedra do interior do jazigo. Ele passou algum tempo caminhando entre caixões de pedras empoeirados, respirando um ar estagnado e bolorento, sem encontrar nada demais. De fato ele estava pensando como o maldito Ernest deveria estar rindo dele agora. “Mais um estrangeiro idiota”, pensou Stephan de si mesmo, até que um barulho metálico soou atrás dele e, quando se virou para ver o que era, algo lhe agarrou pelo pescoço, erguendo-o do chão como se ele pesasse o equivalente a uma pequena sacola de feno. A criatura que o que segurava não podia ser considerada humana em nenhum aspecto ou forma de pensar, mas ainda assim era majestosa.
“Ah! Vejo que meu servo fez um bom trabalho mais uma vez”, disse a criatura, com uma voz feminina surpreendentemente bela, em um alemão com sotaque local.
Ela tinha pernas e pés comuns. Apesar das unhas serem mais como garras semelhante a pedras afiadas, ela era muito bela da cintura para baixo. Ela estava nua e sua vulva estava exposta, mas nem isso chamou a atenção de Stephan, tamanho o espanto que causava suas outras características. Ela tinha seis pares de seios, quatro braços e um olho enorme, que piscava de forma enervante em seu estômago. A única coisa que usava como roupa era uma capa totalmente vermelha, de veludo, que estava presa em seu ombro por um broche de ouro. As unhas de suas quatro mãos eram como as unhas de seus pés e seus antebraços possuíam três ossos de cada lado, curvados e expostos, como ornamentos de uma manopla de combate. Seu rosto era estranhamento sensual, apesar do topo da cabeça. Ela tinha orelhas pontudas, mas a boca tinha lábios carnudos e bonitos, apesar das presas e da língua pontuda e longa. Seu nariz era bonito também, sendo fino e gracioso, como o queixo. Suas feições lembravam um pouco Heidi, mas os olhos eram amarelos e fendados como os de um réptil e suas sobrancelhas não tinham pelos. O topo da cabeça era a parte mais exótica. O crânio era alargado e tinha a forma de uma concha. Não havia cabelo, mas sim vários ossos expostos, em forma de espetos, cada um com seus dez centímetros de altura.
“Por… por fa… vor! Dei…xe-me falar…”, disse Stephan, quase perdendo a consciência. A criatura pareceu curiosa com algo e, de forma inesperada, o soltou, permitindo que ele respirasse. Assim que puxou ar para os pulmões, Stephan tossiu violentamente. O roxo abandonou seu rosto, sendo aos poucos substituído pelo tom corado de antes.
“Você não tem medo de mim.”, disse a criatura. Era uma afirmação, não uma pergunta. “Você está… feliz?! Você é tolo, mortal”, continuou a criatura, em um tom indiferente, analisando Stephan ainda com curiosidade. Ele, por sua vez, ajoelhou-se diante da criatura e, de um modo muito subserviente, disse “Por favor… Primeiramente, eu gostaria de dizer que, se eu de alguma forma a ofendi entrando em seu refúgio, saiba que não foi minha intenção. Eu procurava respostas, e estou feliz porque as encontrei. O mero contemplar de sua presença me deu o que eu precisava e por isso eu estou feliz. Agora sei que a vida, ou a existência em sua abstração total é muito superior a subsistência fútil e vazia que a humanidade leva. Sei que não posso evitar que me mate, se assim for sua vontade, mas não a temo e sim a acho majestosa”.
A criatura a encarou em silêncio. Stephan não sabia, mas ela estava lendo sua mente. Sabia que ele não estava mentindo, tampouco a bajulando para conseguir misericórdia. Nesse momento, ambos escutaram o trotar de um cavalo se distanciando.
“Seu cocheiro covarde acabou de deixá-lo… Deveria ter dado mais dinheiro. Parece que agora você não tem escapatória, Stephan Karnstein. Seu destino agora cabe a mim decidir”. Ainda sem medo, Stephan disse confiante “Se for teu desejo matar-me, então mate-me. Se for teu desejo que eu te sirva, então servirei. E se, apesar de tudo, ainda me achar digno do teus ensinamentos, abdicarei de tudo para obtê-los” Raramente um mortal se aproximava dela com esse fascínio e com essa sinceridade. A maioria simplesmente tinha uma parada cardíaca ao olhar para ela. Ela levava isso em consideração enquanto desenterrava mais segredos do mortal que estava agora aos seus pés, oferecendo servidão ou mesmo a vida.
“Posso te ensinar”, respondeu ela. “Posso te fazer como eu, mas você estaria realmente apto a abandonar tudo isso? O conhecimento é valioso, e não desejo desperdiçá-lo entregando a humanos fracos e sentimentais, cheios de vaidade e falsas paixões. Sei do teu passado, pois li seus pensamentos. Em tua alma há força para carregar meu sangue, mas não estou convencida. Humanos são patéticos e tendem sempre a ceder a paixões, colocando metas fúteis e egoístas acima dos propósitos maiores. Dai-me uma razão para te poupar, e eu lhe farei meu filho”.
Era estranho ver Stephan ali, daquele jeito. Provavelmente foi a única vez em sua existência, tanto mortal quanto imortal, que ele demonstrou algum sentimento. Não tinha medo, mas estava eufórico. Estava diante de uma criatura sobrenatural, capaz de matá-lo sem esforço algum, mas estava vibrante, embora tentasse esconder.
Escolhendo com cuidado as palavras, como sempre fazia, ele respondeu, com o mesmo tom submisso “A senhora leu os meus pensamentos. A senhora sentiu o peso que minha alma carrega. Essa existência é demasiada patética para que eu deseje prosseguir com ela. Tenho riquezas, tenho instrução, mas nada disso me satisfaz aqui. A vida é entendiante. A própria existência me soa punitiva”, e em seguida, ele de forma habilmente citou uma frase. Nenhuma outra frase poderia ser mais apropriada naquele momento: “’Morrer… Estar realmente morto… Deve ser glorioso.’”, e terminou por acrescentar “Qualquer destino que decidir para mim será mais misericordioso do que me deixar viver como um mero homem. Estou pronto para abraçar as trevas ou morrer aos seus pés, senhora. As duas opções me agradam”. Nessa hora Stephan fez algo que nunca fez antes na vida: ele sorriu. Sorriu de forma serena. Ele estava em paz.
“Para deixar de ser vítima da existência humana, você deve abdicar sua humanidade em todos os aspectos: físico, mental, emocional e espiritual. Está pronto para abrir mão do que te torna um homem, para renascer como um imortal?”
Stephan levantou a cabeça e olhou a criatura. Seus olhos reptilianos o encantavam.
“Sim, senhora.”
“É o que veremos.”
A criatura passou uma de suas garras em sua boca. Aquele lábio carnudo se abriu em um corte que começou a sangrar. A criatura o levantou do chão (dessa vez, de forma carinhosa) e lhe beijou a boca da mesma forma que uma amante faria, derramando seu sangue na boca de Stephan, que o engolia. Esse ato não era um ato de carinho entre senhora e servo, ou mãe e futura criança. Tampouco era um ato puramente sexual. Havia uma razão maior para esse ato. Sempre há uma razão maior para os Tzimisce, e essa razão era “Ame o que é grotesco. Idolatre o que é abominável, pois o que é grotesco e abominável não é relativo ao que é humano”. Era um gesto de boa fé que ela exigira de Stephan. Era o início de sua decadência.
A criatura revelou-se a Stephan como Dumitra Vâsilache. Nas três noites seguintes Stephan permaneceu seu prisioneiro naquele mausoléu. À noite, ela saia e trazia um adulto ou às vezes uma criança. Ela bebia o sangue e então dava a carne para Stephan comer. Então Stephan bebia o sangue dela, antes da sessão de tortura começar. Stephan fora torturado todas as noites que passara ao lado de Dumitra e em todas essas noites bebera do sangue dela. Novamente havia um propósito maior naquilo. Não era fetiche. Não era algo sexual. Era uma purificação. Stephan estava deixando de ser fisicamente humano. Era só mais um processo da metamorfose. Stephan entendia e não guardava rancor de Dumitra (Muito pelo contrário. Ele agora a idolatrava ainda mais). Durante o dia ele velava por ela em seu caixão e se encarregava de descartar as “sobras da janta” de ambos. Na últma noite, aquele belo rapaz que Stephan fora não existia mais. Stephan agora era o que Dumitra chamava de carniçal; um servo. Ela disse que Stephan ainda tinha que se provar muito digno antes do abraço, isto é, a transformação, mas ele estava indo bem. Stephan agora era uma criatura tão grotesca quanto a própria Dumitra. Seus olhos se tornaram totalmente negros e fendados como os de sua mestra, mas suas fendas eram vermelhas. Sua pele tinha o tom cinzento de um cadáver e as unhas de suas mãos e pés eram como as unhas de Dumitra, tendo também o adorno de “manopla” em seus antebraços. Seus cabelos foram substituídos por grossos tentáculos de carne que lhe serviam de mechas e no meio da cabeça havia uma espécie de “moicano ósseo” que começava na testa e terminava na nuca. Suas orelhas eram pontudas como as dela, mas eram mais largas e curvas. No lugar de seu nariz haviam fendas largas e grossas, semelhantes a um nariz de cobra e seus lábios eram grossos e sua boca larga que, ao abrir, revelavam uma legião de presas e uma língua negra, longa, viscosa e pontuda. Haviam espetos ósseos que saiam de seus ombros, cotovelos e joelhos, além de espetos em suas canelas, que cresciam curvos de baixo para cima, como os dos joelhos. Mas sem dúvidas a sua característica mais grotesca era uma incisão em seu peito, que parecia ter feito com um bisturi em uma mesa de autópsia. Esse corte se abria como uma boca gigante vertical e seus dentes eram as próprias costelas, que foram afiadas como lanças.
“Obrigado, minha mestra”, foi o que Stephan disse e, mais uma vez, ele estava sendo sincero. Ele havia deixado de ser fisicamente humano, mas ainda havia muito trabalho. Dumitra agora decidira que ele deveria deixar de ser sentimentalmente humano, e aproveitando que desejava deixar a velha pátria, fez Ernest cuidar dos preparativos para uma viagem de volta a Suíça.
Ernest conseguiu um navio que poderia levá-los a Suíça. Era um navio de contrabando que estava acostumado a levar todo o tipo de carga, então não foi difícil evitar contratempos. Quando chegaram na Suíça, Stephan, agora um ser monstruoso, fora ordenado por sua mestra a aniquilar toda a sua família da forma mais brutal possível, destruir toda a casa e bens de valor. Novamente isso não era um ato aleatório de violência. Dumitra estava encarregando de apagar os antigos apegos, laços e paixões de sua futura criança. As noites de terror em Schaffenhausen haviam começado.
Stephan estava por conta própria. Ele não receberia nenhuma ajuda de Dumitra ou de Ernest. Não era apenas um desapego emocional, era um treinamento mental. A mentalidade do predador, do caçador, deveria ser aprimorada, lapidada. Ela deu instruções claras: “As fêmeas devem ser estupradas e a carne delas devem ser devoradas por você. Quanto aos homens, você pode agir como bem entender, mas eles devem sofrer antes de morrer. Não deve ser rápido!”.
A primeira vítima foi Luca. Stephan o sequestrou e o deformou com ácido que ele roubou da universidade. Somente quando ele com quase cem por cento do corpo deformado, Stephan arrancou sua cabeça e deixou na soleira da entrada da propriedade dos Karnstein. Obviamente tal ato colocou todos da família em estado de choque. A baronesa Mircalla adoeceu e acabou ficando de cama e todos os jornais da Suíça logo estavam falando no assunto com títulos sensacionalistas. A polícia logo iniciou suas investigações, e agora as ruas estavam mais povoadas, mais alvoroçadas e mais perigosas para o carniçal Stephan.
Agora seria difícil continuar com a lista de vítimas, mas ele não podia perder tempo. Ele não podia se dar a esse luxo. Na noite seguinte ele foi atrás da segunda vitima: seu pai. Ele sabia que não poderia matá-lo dentro de casa, pois isso dificultaria muito os ataques futuros. Foi difícil, mas por fim ele saiu. Enquanto caminhava pela propriedade que, felizmente,ficava em uma área rural bem afastada do centro urbano, ele o desmaiou com um golpe na cabeça e o levou para o interior da floresta. Lá ele o despertou, o espancou com o mesmo cano de aço que havia usado para desmaiá-lo e, quando o barão estava prestes a desmaiar de dor devido aos diversos ossos partidos, Stephan usou suas garras para cortar sua cabeça, exatamente como fizera com Luca. Ele enfiou uma ponta do canto no ânus do cadáver do pai e, na outra ponta, cravou a cabeça decepada. Ele moveu o corpo exatamente com essa configuração para um local mais próximo da propriedade, para certificar-se de que ele seria encontrado. E de fato foi. Uma segunda morte seguida na família deteriorou ainda mais a saúde da baronesa Mircalla. Todos na família estavam tão abalados que ninguém mais saía para trabalhar, estudar ou passear. Todos estavam trancados em casa, cuidando da mãe. Novamente os jornais divulgaram as notícias por toda a Suíça e além das fronteiras. Tudo havia se tornado um inferno depois disso. A polícia local encarregou-se de cercar a casa e os limites da propriedade. Todo a cidade estava em caos. Todo o país estava em caos. Ainda haviam cinco alvos, e Stephan agora era um monstro grotesco, difícil de não ser notado.
No início da terceira noite ele ainda pensava em quem seria o alvo. Talvez ele teria de esperar algumas noites para a poeira baixar, mas ele sabia que Dumitra não poderia ficar tanto tempo na Suíça – e além disso, no atual estado da cidade e na sua atual forma, seria estupidez permanecer naquele país mais do que o necessário. Foi então que ele pensou em Heidi. Na rebelde, na estúpida e na insensata Heidi, que detestava a “pressão” de ser uma Karnstein, que se mantinha longe dos negócios da família o máximo possível. E de fato não foi difícil achá-la mais uma vez bêbada no centro urbano, indo para a casa de uma amiga que ela, em segredo, estava tendo relações íntimas. Com toda a atenção da polícia voltada para a propriedade da baronesa e seus filhos, não foi difícil pegar Heidi desprevenida. Na verdade, tudo o que Stephan precisou foi aguardar… um pouco mais de álcool e uma relação amorosa e logo sua irmã estava dormindo nos braços daquela garota loura que ele não conhecia. Elas estavam tão bêbadas que ele as amarrou, as amordaçou e sequer tinham acordado. Quando acordaram, viram um monstro (literalmente) diante delas, com o falo ereto e pulsante, ostentando um sorriso demoníaco e hostil em seu rosto inumano. Tentaram gritar, tentaram se mexer, mas não conseguiram. Eram tão frágeis que quase perdeu a graça… quase.
Ele começou estuprando a desconhecida. Estuprou por trás, pela frente e depois arrancou os olhos e estuprou o crânio pelos orifícios. Sua irmã, vendo tudo, chorava e se debatia em pânico, mas nada podia fazer. Ele cortou os mamilos, a vulva e terminou por comê-los na frente delas, antes de matar a desconhecida com um corte na garganta. E então foi a vez de Heidi. O procedimento foi o mesmo, mas ele entalhou “Lesbisch Hure”(Puta Lésbica) na barriga da irmã quando terminou de arrancar sua cabeça. Antes de sair, pegou um isqueiro e o usou para ativar o alarme de incêndio, garantindo que, cedo ou tarde, o corpo fosse encontrado – mas a cabeça ele levou.
Como esperado, o alarme atraiu certa atenção para a casa, mas Stephan já estava longe. Ele agora levava a cabeça em uma sacola negra, voltando para os limites da propriedade da família, onde ainda era fortemente vigiado pela polícia. Enquanto ele caminhava, pensava constantemente “Preciso matar… Preciso me purificar da humanidade…”. Ele repassava em sua mente o nome dos alvos restantes: Mircalla, Walter, Kassandra. Sorriu ao ver que a lista estava reduzida a apenas três nomes, agora. Logo os Karnsteins, como mortais ordinários, estariam extintos e ele, purificado do seu passado como ser patético. Havia decidido deixar a mãe por último, como uma punição por tê-lo trazido a este mundo como um humano. Agora precisava se focar nos dois irmãos restantes – nos dois mais fortes.
Como era de se esperar, o alvoroço do incêndio teve o efeito que Stephan queria. Houve uma ligação na casa, e ele pôde ver Walter, o primogênito sair com parte da força policial que guardava a casa. Eles com certeza haviam dito que o encontraram o corpo de Heidi, e certamente ele nada dissera a mãe, que já está com a saúde fragilizada. Isso significava que Kassandra estava sozinha com Mircalla em casa, e parte dos policiais havia seguido Walter até onde o corpo de Heidi estava. O monstro sorriu. “Mais fácil agora”, pensou ele.
Walter contornou com facilidade os patrulheiros. Eles eram pouco agora, apenas quatro, e o castelo era enorme. Ele entrou pela porta que dava acesso ao porão, pois ainda tinha o molho de chaves com ele – o seu molho. Dentro do porão, ele podia agir com liberdade dentro da casa. Contudo ele sabia que não podia ser imprudente. Embora conhecesse a casa (afinal fora o seu lar durante toda a vida), também sabia que haviam muitas armas de fogo, ali. Quase toda a família tinha essa paixão e Kassandra, depois dele, era a mais esperta. Um disparo poderia trazer muitos problemas. Não era só uma questão de perigo físico. Um disparo certamente atrairia os patrulheiros do lado de fora. Ele, pelo som do chuveiro, sabia que agora ela estava tomando banho, sendo assim esgueirou-se até seu quarto e entrou em seu guarda-roupas, deixando a cabeça de Heidi no porão. Ele aguardou pacientemente até todos dormirem – o que ocorreu só de madrugada, já que Walter retornou com as más noticias e novamente decidiram se manter quietos, para não abalar ainda mais a saúde da baronesa, com medo de levá-la a um colapso fatal. Stephan ainda ouviu Walter falar dele. “Estou preocupado com o nosso irmão caçula”, ele ouviu. “Se a família toda está sendo caçada por alguém, ele pode estar em perigo, mesmo estando longe, na Romênia”. A conversa prosseguiu, com Kassandra aos prantos, se perguntando quem poderia estar caçando a família, que nunca teve inimigos e com Walter dizendo que ao amanhecer providenciaria para que Stephan fosse localizado e trazido de volta para casa. Kassandra só conseguiu dormir à base de medicamentos, que foi o que facilitou para Stephan atacá-la durante o sono.
Stephan sabia que Walter provavelmente estaria acordado, fumando, atordoado com tudo o que estava acontecendo. Ele teria de ser silencioso. Ele saiu do guarda-roupas quando tinha certeza de que Kassandra dormia. Felizmente ela sempre roncou pesado e isso era indício que estava em sono profundo. Cuidadosamente ele a amarrou na cama com tiras de seda e cintos de couro que obteve no guarda-roupas e a amordaçou, colocando uma meia dentro de sua boca e amarrando com um cinto. Ele acendeu o abajur e a despertou com tapas. Quando ela acordou, teve a mesma reação de Heidi, e começou a tremer convulsivamente, tentando se libertar. Stephan a estuprou, como fez com Heidi, mas o fez com seus dedos de garras, mutilando todo o órgão genital de Kassandra. Ele então brincou com ela, cortando dedos dos pés e das mãos e comendo-os diante dela, enquanto ainda estava consciente. Quando desmaiou por falta de sangue, ele esquartejou todo o corpo. Agora ele precisava ir atrás de Walter.
Faltava pouco para o sol nascer. Um carniçal ainda não sofre com o sol, mas de dia seria ainda mais difícil para um monstro como ele se ocultar. Ele queria terminar tudo naquela noite, então seguiu para onde Walter estava. Em seu quarto, uma garrafa vazia de uísque e um charuto ainda aceso podiam ser vistos sobre a mesinha, enquanto ele dormia profundamente graças ao álcool, como Heidi fez ao sair de casa, contrariando a ordem dos irmãos mais velhos. Sem perder tempo, ele repetiu o mesmo processo de imobilização. Walter acordou sendo espancado com a garrafa e cortado várias vezes com o gargalo partido. Enquanto se debatia, perdeu um olho e ganhou dezenas de cortes pele corpo, teve o pênis decepado e acabou, por fim, sendo estripado e tendo a cabeça arrancada. Stephan voltou ao porão e pegou a cabeça de Heidi de volta, juntando-a com as cabeças de Kassandra e Walter, subindo em seguida para o quarto da mãe.
“Maldito seja o ventre que me enviaste a esse mundo como mortal”, dizia Stephan durante o coito forçado, com sua mãe Mircalla tremendo e chorando, com a boca tampada com uma mão monstruosa e com três cabeças decepadas sobre ela, encarando-a. “Maldita seja você, mãe, que me tornou humano pela sua carne e sangue!”. Stephan rosnada de prazer; não pelo ato sexual, mas pelo sofrimento que infringia à sua progenitora. “Mas agora eu me liberto dos antigos laços! Eu abdico da humanidade e de tudo que representa ela! Eu não sou mais um verme! Agora eu, Stephan Karnstein, sou eterno!”. Com essas palavras, ela desmaiou. Ele sabia que, de alguma forma, Mircalla sabia que ele era seu filho, mesmo com aquele aspecto bestial e horrendo. Ele terminou por decapitá-la, como fez com todos os outros e, antes que o sol nascesse, colocou fogo na casa e fugiu. No fim da tarde, toda a propriedade já havia sido consumida pelas chamas quando os bombeiros finalmente conseguiram conter o incêndio.
• O Abraço:
Faz apenas sete anos desde aquelas noites de massacre em Schaffenhausen, mas Stephan já aprendeu bastante. Sua senhora, como havia dito, transformou ele em sua criança, instruindo-o nos assuntos do Sabá, instruindo-o nos ensinamentos e na trilha de Caim, o Grande Pai de todos, assim completando sua purificação, ao destituí-lo da humanidade também de forma espiritual. Stephan provou o seu valor e fez por merecer, então ela fez dele um sacerdote competente, mostrando também um bom talento inicial para a velha feitiçaria Koldun (outro presente de sua Senhora) e ambos viajaram para a Inglaterra, a fim de se estabelecerem por lá, já que a Suíça ainda estava emergida no caos e na paranoia, e nada mais significava para Stephan. A Romênia também logo se tornou um local perigoso e prevenido demais para a dupla, já que os eventos da Suíça repercutiram o mundo e sabe-se que o último dos Karnstein jaz desaparecido, visto pela última vez na Transilvânia anos atrás. Dumitra e Stephan aliaram-se ao Sabá britânico, mais especificamente em Black River, já que Dumitra tem o pressentimento de que ensinamentos preciosos e oportunidades únicas serão oferecidas a ela e sua criança nesse velho país, tão antigo quanto a sua Romênia. Com um novo bando, a Tzmisce e sua criança estão prontos agora para iniciar uma nova “vida” como seres mais sábios, mais aperfeiçoados e mais puros, do ponto de vista Cainita.