Forte Norte | Verão
As copas das árvores além das muralhas da cidade ondulavam suavemente com uma brisa que jamais chegava até ali, nos cantos poeirentos de Forte Norte. Andavam os três sob o cinturão que envolvia o mundo, em direção a mais um trabalho: o Comendador tinha um assunto delicado a tratar com eles. Normalmente, quanto mais delicado, mais perigoso, e maior o pagamento. Tinham deixado as últimas moedas de cobre sobre o balcão da hospedaria naquela manhã e, sem meios de comprar sequer um pão para a próxima refeição, quanto mais delicado fosse o trabalho, melhor.
Infelizmente, o caminho os levava a passar pela Praça: um mercado de escravos na periferia da cidade, onde - por dupla infelicidade - havia um novo carregamento. Homens embrutecidos, com chicotes e espadas curtas nas mãos, amarravam os pulsos dos elfos e elfas nus em estacas altas, deixando-os quase nas pontas dos pés. Mesmo àquela distância era possível ver que os escravos estavam feridos - provavelmente por terem lutado contra seus captores. Pelo menos uma das elfas chorava. Era Verão, e vocês ainda não tinham visto um Inverno por ali, mas havia sempre o pensamento incômodo de que mesmo sob a neve os escravos seriam exibidos daquela maneira.
Vocês estavam prestes a deixar a Praça para trás quando uma comoção fez com que se virassem bem a tempo de ver uma das elfas recém-capturadas libertar os pulsos e disferir uma série de socos contra os homens que tentavam, em vão, segurá-la. Os longos cabelos vermelhos dela refulgiam como uma juba de leão enquanto lutava, parecendo ignorar as chicotadas que estalavam em sua direção, abrindo veios de sangue em sua pele branca. O público reunido para o leilão de escravos já havia começado a se afastar alguns passos, temendo pela fuga da elfa, quando um tacape na cabeça fez com que a ruiva caísse ao chão, os olhos revirando mesmo antes de desfalecer.
E os lances por ela estouraram quase imediatamente.
Por mais que estivessem ali há aproximadamente 1 mês, ainda era difícil lidar com a escravidão élfica. Cruzando a Praça, virando a rua à esquerda, um casarão destoava dos arredores e trazia ainda mais à tona esse desafio específico: o Comendador era o grande negociante de escravos daquela região. Com a recompensa em mente, e a fome do meio-dia começando a se aproximar, entraram pelos portões decorados com brasões e se deixaram conduzir - por escravas elfas - até o escritório do Comendador, onde o homem de cerca de sessenta anos esperava enquanto bebericava algo que vocês reconheceram como sendo whisky.
Indo diretamente ao assunto, o Comendador não perdeu em tempo em comunicar que a missão os levaria ao centro da cidade, mais precisamente ao grande parque murado comumente chamado de santuário das Ohana. Nenhum de vocês jamais havia estado dentro daquelas muralhas, mas ouviam todo tipo de histórias - das mais corriqueiras até as mais absurdas - sobre o que se passava por trás dos muros onde viviam as "elfas livres". Na hospedaria, as conversas iam desde comerciantes de sedas finas fofocando sobre as encomendas para os vestidos das Ohana, até sussurros sobre rituais em que as elfas corriam nuas e se banhavam no sangue dos humanos que ousavam entrar em seu bosque. O pior mesmo eram os contos sobre os banquetes antropofágicos: se as Ohana estavam em seu santuário para viver como faziam os elfos verdadeiramente livres da floresta ao norte, e se estes elfos eram reconhecidamente canibais...
- Ela era filha de uma das nossas orelhudas, que cruzamos com um reprodutor vindo de Deneb. Um orelhudo com olhos de lobo, que foi trazido para lutar nas rinhas. Venceu sete lutas até a morte. Um espécime de valor, senhores. De valor. - ele não serviu bebida, nem convidou para que se sentassem. Gente como o Comendador não era cortês com mercenários - Linda desde que nasceu. Eu a vigiava de perto. Fiz com que fosse criada longe das plantações. Alimentei e vesti a orelhudinha, esperando o momento certo. Então, veio o Diretor e a roubou de mim! Levou minha propriedade sem sequer um moeda de ressarcimento, sem um pedido formal de desculpas! "Ela foi escolhida para ser Ohana", o babaca disse na minha cara, "não há nada que possa fazer contra a decisão real", ele teve a coragem de falar. E esfregou o maldito selo da Coroa de Bellenus no meu nariz, antes de sair levando pela mão a minha elfa! Os senhores devem concordar comigo que não se trata de mais do que recuperar o que é meu por direito!
A missão: invadir o santuário das Ohana, no centro de Forte Norte, e sequestrar a elfa conhecida como Rouxinol de Prata, que deve ser levada para uma casa segura (cativeiro) no meio do bosque de carvalhos da fazenda do Comendador. A recompensa: 10 PO para cada um (2 PO adiantados + 8 PO ao entregar a missão) |
- Não se preocupem em comprar um cavalo para a orelhudinha. Mesmo com essa bobagem de Ohana, orelhudos não montam à cavalo. E duvido muito que, confinada naquele santuário, tenha aprendido a correr o suficiente para acompanhar a montaria. Só... - ele gesticulou como alguém jogando algo sobre os ombros - ... carreguem como um saco de batatas.
As duas pesadas moedas de ouro eram algo inédito: nunca haviam visto uma daquelas, sendo que - durante todo aquele mês - o máximo que conseguiram foi uma moeda de prata a ser dividida entre os três. Com o prêmio total de dez moedas de ouro poderiam se dar ao luxo de comprar um pequena propriedade, ou melhorar seus equipamentos, ou ainda viver por um ano inteiro com conforto mediano em uma boa hospedaria. Mais que isso: talvez finalmente conseguir uma passagem numa caravana para fora de Forte Norte - em direção à capital do Reino de Bellenus, Deneb, ou mesmo à distante Lis Austral, onde talvez pudessem encontrar mais pessoas presas naquele mundo, como vocês. Literalmente, qualquer lugar longe o suficiente da Praça e da Floresta, cujas árvores imponentes guardavam a morte em suas sombras.