Além do Planeta Silencioso
Kazarov | Presente
- Ãhn... Lux? Eu sou elfa-elfa, não meio-elfa-meio-mestiça... De toda forma, acho que não foi bem iss---
- Ele não é desse mundo, criança. E a nossa não é uma história tão fácil de entender. - Linë pareceu ponderar sobre essa afirmação, acenando positivamente com a cabeça, em concordância, enquanto o estranho elfo passou a caminhar pelo lugar, chamando o jovem casal para que o acompanhasse - Do começo, Portador da Luz. Há seis Poderes que atuam sobre Serenia. Seis divindades. Depois de criar o mundo e todas as suas criaturas, três dessas divindades ainda se sentiam incompletas. Desejavam criar seres à sua imagem e semelhança, com quem pudessem viver em comunhão, ensinar seus costumes e ver florescer. Os demais deuses não tomaram parte nessa criação, mas concederam, cada um, bênçãos e dons distintos a cada criação de suas irmãs divinas. Assim, surgiram as três grandes raças: elfos, humanos e anões.
Após um curto trajeto, chegaram ao que parecia ser uma forja, alimentada pelo coração pulsante da montanha. O calor era presente, mas tudo dizia a Lux que deveria ser muito pior. De alguma forma, Darkrime Delves conseguia manter o ambiente habitável o suficiente para que não fosse mais estressante que uma tarde de verão nos trópicos.
- As três raças viviam na companhia dos deuses e com eles aprenderam a ser. Porém, em dado momento, Aleph Bellenus, que era humano, se apaixonou por uma elfa. A Mãe dos Humanos abençoou a união, mas a Mãe dos Elfos a considerou perversa. Pois aos Humanos havia sido concedido por sua deusa um dom especial, que era temido por todos os outros deuses, e do qual nunca se deve falar. Assim, Ilíria proibiu a união, entrando em conflito direto com sua irmã, a quem passou a acusar duramente por ter dado aos Humanos aquilo-que-não-deveria-ser-dado.
O elfo ofereceu a Lux e Linë cadeiras para sentar ao redor de uma mesa coberta com o que pareciam ser projetos de engenharia. O lugar era muito mais organizado do que poderiam ter esperado, apesar de austero - sem adornos, enfeites ou grandes confortos.
- Até que a discussão se tornou uma briga, e a briga se tornou guerra. Vendo as duas irmãs em conflito, Tzara, Mãe dos Anões, tentou se aproveitar da brecha para eliminar ambas. Nessa hora, Aleph Bellenus feriu Tzara com a Lança, levando-a a morte. É dito que a grande cordilheira que corta meridionalmente o mundo, em cujo centro estamos nesse momento, é formada pelo corpo caído de Tzara. E o Brigantium, o metal verde sagrado para os Anões, é a carne de sua deusa morta.
Havia diversos exemplares lapidados de Brigantium ao longo de uma prateleira, que Darkrime Delves apontou, fazendo com que Linë arfasse levemente e apertasse a mão de Lux sob o tampo da mesa.
- O Brigantium tem propriedades mágicas, bastante fracas, mas melhores que nada. Após a morte de Tzara, a Mãe dos Humanos foi presa fora dos círculos do mundo, não antes de deixar Ilíria absurdamente ferida. Com sua deusa banida de qualquer interferência sobre Serenia, os Humanos se tornaram incapazes de acessar a Magia: seja Arcana ou Divina. Contudo, anões inescrupulosos traficam Brigantium para Bellenus, ainda que a punição para isso, aqui em Kazarov, seja a morte. Assim, os Humanos conseguem extrair Magia sem precisar pagar com suas vidas. O que não vem ao caso. Onde estávamos? Ah sim, Aleph Bellenus, e todos que ergueram armas na Guerra entre as deusas, foram expulsos da presença dos Poderes. Não sem carregar uma Maldição, imposta por Hellion, Deus da Justiça. Como claramente aquele era um resultado injusto - do amor se fez a ruína - elfos e humanos estariam condenados a repetir, ciclicamente, a mesma dança da morte. Até que aprendessem a gerar mais que sangue e cinzas do amor entre as raças.
Os olhos vermelhos do elfo adquiriram um ar nostálgico e sua figura decrépita pareceu quase se iluminar por um instante, antes de cair em profunda consternação novamente.
- Por várias vezes a Maldição retornou para cobrar seu preço. A mais recente delas aconteceu séculos atrás, quando um jovem príncipe de Érenn, tolo demais para conhecer a prudência, apaixonou-se pela princesa do Reino de Bellenus. Ela não apenas era princesa, mas tinha nascido com os cabelos ruivos, que marcavam as mulheres da família real que deveriam devotar suas vidas à igreja, morrendo imaculadas como Ariela Bellenus, a irmã de Aleph, que fundou o Reino dos Humanos. Quem disse que eles deram atenção a isso? Eram jovens e estavam apaixonados. Fugiram juntos, casando-se sob as bênçãos do Rei Sob A Montanha, aqui, em Kazarov. Quando chegaram a Érenn, foram mais bem recebidos do que mereciam. Entre os elfos, imortais enquanto junto aos seus Alfirin, havia a crença de que aquele casamento quebraria finalmente a Maldição. Porém, já sabemos que não foi isso que aconteceu.
A expressão de Darkrime Delves se inflamou com um ódio que superava qualquer outra força, vencendo até mesmo a exaustão de sua saúde claramente debilitada.
- A princesa estava grávida quando os exércitos de Bellenus invadiram Érenn, raptando-a de seu novo lar. Um eclipse cobriu a face da Lua Quebrada, retirando Poder dos elfos. A mortandade tingiu a Capital Branca de vermelho, e a Fênix de Érenn, grande sacerdotisa de Ilíria, foi dada como morta. Isso causou desespero sem igual aos poucos sobreviventes, entre eles um Mago que era poderoso o suficiente para trancar o reino, impedindo que as terras ancestrais dos elfos fossem encontradas novamente. A única forma de reverter esse feitiço seria se a sacerdotisa de Ilíria, que também carregava o título de Chave de Érenn, houvesse sobrevivido. O que era duvidoso, até hoje.
O elfo se levantou, andando de um lado para o outro enquanto finalizava suas explicações:
- Mas quem mais poderia enviar uma elfa e um humano ao nível mais profundo de Kazarov, conhecido apenas por um seleto grupo de anões, e frequentado tão somente pelo Rei Sob A Montanha e mais ninguém? Não, Príncipe da Arcadia, o que me tornou doente não foi exatamente a falta do meu Alfirin. Eu ainda tenho metade dele comigo, e somente com isso seria capaz de viver para sempre, com pouco que me atrapalhasse. O que realmente sugou a vida dos meus ossos foi a falta de vontade de viver num mundo onde todos que amei estavam mortos. Por meus atos naquele dia fui banido para longe de toda a Luz, e por piedade mesclada ao sentimento de culpa os anões me acolheram, fechando as portas de Kazarov logo em seguida, para que nunca mais suas terras fossem usadas como passagem para o genocídio de um povo. E eu sobrevivi movido apenas pelo espírito da vingança, forjando com minhas próprias mãos um exército tão numeroso de constructos que até mesmo ganharam dos Filhos de Tzara um nome coletivo, como uma nova raça: Klinquer. Aqui, forjando nas trevas, eu aguardei por um sinal. E agora vocês vieram até mim, Lux e Linë! Para dizer que, em algum lugar próximo a essa tal Forte Norte, a Fênix de Érenn está viva! Minha irmã está viva!
Às costas de Darkrime Delves, que gargalhava e chorava ao mesmo tempo, andando de um lado para o outro alucinadamente, era possível ver a arcada do portal - aquele mesmo portal de pedra que os havia levado até ali - com o brilho vermelho-místico ondulando magicamente sobre si mesmo.