O sussurro

Era fim de tarde no Bosque do Mateiro. Tharivol puxou os galhos baixos da árvore frondosa que protegia a entrada para a caverna oculta. Deslizou pela entrada apertada, terra segura e um punhado de pedras ladeavam o guardião. Ele atravessou o pequeno labirinto que precedia a morada das Fadas Allians até que chegou ao vão onde a caverna propriamente se estendia. Ali era quase outro mundo, com um misto de ecossistema nativo e mágico. Uma espécie de cogumelos luminescentes azulados tratavam de dar uma iluminação ambiente agradável. Logo que adentrou o lugar, ouviu o som doce da minúscula flauta de Yrel.

Continuou avançando até encontrada no lugar onde ela mais gostava de ficar, a pequena ilha no lago subterrâneo que atravessava a caverna. Quando o viu, ela parou a canção e o fitou com um sorriso.

- Encontrou um tempo entre suas distrações para nos fazer uma visita?

Era uma típica espetada. Yrel às vezes implicava com Tharivol só pra ver como estava o humor do elfo, mas não passava de uma provocação amigável.

Sobre o comentário acerca de sua música, Yrel deu um suspiro desdenhoso, acompanhado de um gesto largado com uma das mãos.

- E o que os elfos sabem sobre a música do reino das fadas?

Mas não adentrou nesse rumo da conversa. Preferiu focar na outra parte, a que ela mesma tinha puxado e que foi solenemente ignorada por Tharivol. Claro que ela não perdeu o ânimo, sabia que aquele tipo de comportamento fazia parte do jogo que costumavam jogar.

- Certamente não temos mais novidades do que as jovens donzelas humanas que você visita e recebe... - disse em tom irônico, e completou antes que ele pudesse responder. - Ainda assim, talvez eu tenha algo que possa considerar relevante. Dois noites atrás sentimos um tremor compassado vindo da superfície. Não se repetiu desde de então, mas eu seria capaz de apostar uma gota de mel do Reino Ancestral que alguma coisa atravessou o bosque em direção à floresta.

Guardou a flauta doce no coldre do minúsculo cinto e se espreguiçou, não apenas com os braços, mas as delicadas assas de aparência insetóide imitaram o movimento de esticar o corpo. Logo em seguida, alçou voo, se colocando frente a frente com o rosto do elfo.

- Acha que foram seus humanos se atarefando com aquela festa idiota que fazem nessa época do ano?

O elfo ia ponderando sobre aquelas informações desencontradas, tentando ligar os pontos. Yrel observava com certa animação enquanto ele especulava. Mas ao final dos dizeres de Tharivol, ela demonstrou ficar apreensiva.

- Bem... se você acha que é algo grande e que pode ser perigoso, acha prudente dar uma olhada nisso sozinho?

Mas antes que ele respondesse, ela se apressou a voar até perto da mão dele, agarrando um dos dedos e o puxando com força, mesmo que para ele parecesse um movimento não mais delicado do que uma brisa.

- Independente disso, não quero que vá ainda. Venha, tenho algo para você.

Ela o conduziu até sua moradia, propriamente dita. A caverna era composta de vários salões. Haviam pouco mais de quarenta feéricos vivendo ali, sendo a grande maioria fadas fêmeas. Mas haviam alguns machos, incluindo o líder daquele povo, Albard, o cinza. Era o feérico mais velho e sábio, mas pouco se dava com Tharivol. Cada fada tinha um pequeno salão para si, exceto os dois casais que haviam, que dividiam um salão cada um. Essas moradias eram ricamente decoradas com plantas ornamentais de cunho mágico. A própria constituição e formas das plantas compunham a estrutura das casas, variando em tonalidades de verde e marrom e também de espécies de flores, multicoloridas. Algumas delas davam frutos, em particular na morada de Yrel, onde haviam frutos vermelho rosados, do tamanho de nozes. Ele já experimentara, era doce, de pouco sumo, uma carne macia, de cor bage por dentro da casta vívida. Durante a primeira estadia de Tharivol na caverna, quando estava muito ferido, Yrel, com a ajuda de seus amigos, improvisou um catre feito de gravetos, raizes e folhas secas para que Tharivol pudesse repousar. Esse catre acabou ficando no fundo da mora da de Yrel, e era onde ela o recebia até então. Ela o conduziu até lá, fazendo-o se sentar. Depois atravessou uma das cortinas feitas de plantas que seccionavam a morada dela, indo ao que seria o equivalente à sua cozinha. Voltou trazendo um pedaço de madeira polido, erguido acima da cabeça com alguma dificuldade, o prato que fizera para ele, com quatro porções de um tipo de geleia envolta em pétalas de flores.

- Estou experimentando algumas coisas, acabei achando isso bom. Quero que experimente e me diga o que acha.

Colocou o prato nas mãos do elfo. Em seguida voou até uma reentrância nas plantas da paredes, se acomodando como se fosse uma poltrona.

- E enquanto come, também quero saber que notícias trás do mundo de cima, e quais são exatamente esses rumores?