O quarto era branco demais. MUITO branco mesmo. As cortinas eram brancas, meio transparentes, as poltronas eram brancas, o armário era branco, a cama era branca... A camisola que você vestia era branca. A única coisa que diferenciava um pouco eram os fios bagunçados e verdes do seu cabelo, que caiam um pouquinho sobre os ombros... E a blusa laranja de Nick, do acampamento meio sangue.
Lorra não estava se mantendo acordada por muito tempo. Na verdade, não sabia exatamente quantos dias tinham passado desde o incidente no colégio... Nem tinha entendido bem o que tinha rolado lá. Cada vez que um remédio fazia ela dormir, sonhos esquisitos vinham em sua mente... Sonhos que mais a confundiam do que esclareciam as coisas.
A verdade era que, no fim, parecia ter sido realmente uma viagem alucinógena e não algo real. Os médicos explicaram pra mãe que não tinham encontrado nenhuma substância conhecida no organismo da filha, mas que o corpo estava reagindo como se estivesse sob efeito de drogas pesadas... Por isso a mantiveram lá.
Na primeira semana, algumas pessoas da escola vieram visitar. Pessoas que ela nem conhecia. Depois vieram os professores... Após uma semana, ninguém parecia se importar mais. A única pessoa que sempre estava ali era Nick. Às vezes chegava atrasada na escola por dormir no hospital... Estava saindo mais cedo... Mas nunca estava ausente quando a irmã acordava.
A expressão dela se manteve a mesma todo esse tempo: estava muito assustada e preocupada. Ver a própria irmã quase se matando, após encher o cu de droga, não era uma experiência muito fácil de se lidar aos 13 anos.
Naquela manhã, ela acordou atrasada, caindo da poltrona que dormia e gritando seu nome. Tinha tido um pesadelo... E o grito conseguiu te tirar do sono maravilhoso dos remédios. Ela usava uma calça de moletom sua, pois tinha esquecido de pegar mais roupa em casa, e a blusa laranja. O cabelo tava todo bagunçado e a cara cheia de marcas de pressão, com o padrão do estofado da poltrona.
A menina te olhou e olhou o relógio, começando a juntar os cadernos espalhados pelo chão do quarto de hospital. Ela não tinha falado muito contigo nesses dias todos, apenas ficava te vigiando daquela poltrona, feito uma coruja.
Após juntar o material escolar, ela foi até o banheiro vestir o short jeans que tinha vindo ontem e voltou para calçar o tênis. Vez ou outra te observava, provavelmente pra ver se tava respirando.
Nichole: A mamãe disse que vai vir hoje de tarde comigo, depois das aulas. O pai deve vir de noite... Você quer alguma coisa especial pro jantar?
Ela perguntou, olhando fixamente pro cadarço do tênis, que ela tava lutando pra acertar o nó. Não que ela não soubesse fazer aquilo, talvez só tivesse arrumando algo pra fazer e não ter de encarar a irmã nos olhos enquanto falava.
Geralmente os pais vinham mesmo pra jantar no hospital. Daniel não ficava muito, parecia mais bravo que preocupado com a filha. A mãe ficava até tarde... E ia pra casa, já que Nick não deixava ninguém ficar lá de noite, além dela. Só podia um acompanhante e ela não cedia o lugar.
A menina se levantou, colocando a mochila nas costas e já ia saindo, quando se lembrou de algo. Foi até a irmã, apoiando a mochila na cama e fuçando dentro dela. Escondido dentro da bolsinha de lápis dela, Nick pegou o celular de Lorra e entregou pra ela. Tinha algum tempo desde que a mãe tinha confiscado.
Nichole: A senha é meu aniversário... Eu não queria que o papai lesse as suas coisas e coloquei senha antes da mãe entregar pra ele. O pessoal da polícia aqui é meio burro mesmo, nem descobriram. Esconde se alguém aparecer...
Desperto abruptamente. Olho para o lado e vejo Nick ainda se recuperando do tombo. Caramba, ela está muito envolvida nisso. Parece que finalmente os anos levando culpa no lugar dela renderam algo. Quer dizer que Nick se importa, quem diria. Nossa Lorra, para de implicar, olha seu estado. Ta certo Nick, dessa vez você está arrasando. Apesar de eu achar um vacilo enorme a mamãe deixar você aqui fazendo papel de adulta.
Pelo menos o bando de idiota do colégio não vieram mais, aposto que estavam apenas curiosos, bando de hipócritas. Que cidade triste, virei o entretenimento da população durante esse tempo. Não devem estar se importando nem com a Nick, que claramente está se ferrando por causa de mim.
- Você não precisa fazer isso... Você sabe né?
É, não precisa. Mas seria ainda mais entediante se a Nick não ficasse aqui. Muito obrigada por ficar aqui.
Por um momento trocamos olhares, e a Nick sempre desvia, engraçado como ela é tímida assim. Minha timidez é bem diferente da dela, se dá pra me chamar de tímida. Não sei se quero a visita dos meus pais não, estou louca pra ir embora, eu to legal já, não entendo a desconfiança. Eu adoraria uma garrafa de vinho, mas óbvio que não faz parte do cardápio disponível.
- Obrigada por perguntar... Eu quero uma dose extra de Morfina pra ter certeza que não estarei acordada quando o Daniel vir... E iogurte.
Observo Nick organizando suas coisas, já deve ter dado a hora dela ir pra escola. Só de pensar que ela ainda vai ter que lidar com um monte de gente enxendo o saco dela querendo notícia, saber se a bizarra do colégio morreu ou não... Fico surpresa em rever meu celular. Olha, achei que tinham se dasfazido dele. Que legal que a Nick lembrou disso.
Obrigada! Pode deixar que eu não vou deixar ninguém ver.
Deixo um sorriso para Nick e observo ela saindo pela porta do quarto. Aos poucos me sinto melhor, mas ainda não me deram alta, que raiva.
Ligo meu celular com certo cuidado com a porta e as pessoas que poderia entrar no quarto a qualquer momento. Nick cuidou até de encher a bateria. Muito bom... Verifico minhas mensagens antigas e mando uma mensagem para o Owen.
"Ei... Você sabe se aquela merda que vc me vendeu estava estragada? Eu tive uma convulção e agora to presa numa cama de hospital, caralho!... Te liga porra!"
Eu não deveria falar assim com o Owen... Ah, mas ele não está nem ai, está acostumado já.
Nichole quase revirou os olhos quando Lorra começou com o papo de que ela não precisava fazer aquilo. Ela suspirou, olhando a irmã.
Nichole: Cala a boca, Lorra... Preferia que o papai ficasse aqui, é? A mãe trabalha muito, ou era eu ou ele. Tô até imaginando a noite agradável de vocês, jogando Uno...
Talvez a irmã tivesse sem jeito de começar a falar, mas tinha um sorrisinho de canto ao dizer o obvio. É claro que ela ficaria ali, não importava o que você fizesse ou dissesse. Ela anotou no caderninho dela sobre o iogurte e entregou o celular pra irmã. Deu uma olhada nela, pra se certificar que estava bem.
Nichole: De morfina não vai rolar, vou trazer o iogurte de morango mesmo. Até depois, Lor... Fica bem
A menina se despediu, com um pouco de vergonha de dizer aquelas coisas... Mas Lorra podia sentir uma preocupação na voz dela que a menina raramente demonstrava. Logo ela saiu rapidinho do quarto, evitando ter de responder qualquer coisa melosa com a irmã... Nenhuma das duas gostaria disso, certo?
Quando ela saiu, o quarto ficou estranhamente silencioso. Geralmente, você não acordava esse horário, não sabia como era triste ficar ali sozinha. Vários enfermeiros iam e vinham, alguns entravam pra verificar se você estava bem, mas ninguém realmente conversava contigo. Até do pessoal do colégio, seus “amigos” (ou pelo menos colegas de beck) estavam fazendo falta... E você geralmente achava eles um porre.
O celular de Lorra vibrou ao ligar, distraindo ela da leve melancolia que surgia. Várias mensagens, várias marcações no facebook e instagram, muitas metions no twitter... E o whatsapp estava um inferno. A maioria dos números você nem tinha salvo. Todos perguntando se você tava viva, como tinha sido ter uma overdose... Alguns chorando sua morte e até fazendo posts de homenagem. Era bem capaz que, no colégio, tivessem fotos e velas no seu armário.
Realmente a fofoca voava e mudava de boca em boca.
Um número, salvo como Minnie, tinha de mandado várias mensagens. Era Owen, em um dos muitos telefones dele. Apesar de ser um babaca, ele parecia se importar contigo... Até se recusava vender algumas coisas mais pesadas, quando você pedia.
(5 dias atrás) Menina, o que aconteceu? Ouvi umas paradas do meu irmão... Os boatos chegaram bem pesados na escola básica.
(3 dias atrás) Lorra, me responde! Você comprou de outra pessoa? Te disse pra não confiar em terceiros...
(2 dias atrás) PORRA LORRA! Dá pra responder esse caralho?
(Hoje) Inferno, menina! Vou precisar ir aí pra saber que você tá viva?
Lorra tava tão puta que só leu as mensagens depois de enviar as palavras malcriadas. Pelos dias das mensagens, ela podia ter uma noção de mais ou menos quanto tempo tava naquele lugar. No mesmo instante, Owen respondeu.
Vai pro caralho, menina! Minha parada é da boa. Se você compra de gente sem garantia não é comigo.
Ele te bloqueou daquele número. Era um tanto sentimental... Mas você sentia que a mensagem provavelmente dificultaria você a conseguir um novo número dele, pra conseguir bagulho.
As coisas só estavam dando errado naquele dia... Até os remédios de dormir pareciam não fazer efeito.
***
Algumas horas de muito tédio depois, você veria uma enfermeira entrando no quarto, com um carrinho nas mãos. Ela usava aquelas roupas azuis, que pareciam grandes demais pra ela, e uma touca de pano nos cabelos. Você já tinha visto ela.
A enfermeira foi até a porta, virando uma plaquinha que tinha lá, e fechou a mesma, puxando a cortina pra ninguém olhar pra dentro.
Leah: Shhh
Ela fez o sinal de silêncio com o dedo e ligou a TV, tirando a touca e revelando os cabelos alaranjados. Ela era muito nova pra ser enfermeira.
Essa menina não estudava contigo?
E então caiu a ficha, foi a menina que acudiu Nick quando sua irmã te encontrou agonizando.
A menina se sentou na cama e te olhou.
Leah: Nossa, você tá péssima...
Abriu o carrinho, que provavelmente carregaria toalhas e essas coisas, e tirou duas cervejas de latinha e um saco de cheetos.
Leah: É falta de porcaria, tó
Abriu a cerveja na blusa, pra fazer menos barulho e te entregou. Tava quente, mas era uma das únicas coisas boas que você via na sua frente, em dias. O cheiro do cheetos parecia a oitava maravilha olfativa do mundo.
Ela tirou o seu caderno do fundo do carrinho e pousou ele no próprio colo.
Leah: Essas coisas que você vê quando viaja? Não parece valer a pena uma overdose por borboletas e a Sininho
Você não sabia o nome dela, mas a menina parecia estar se divertindo em estar ali, escondida.
Hmmm... Okay, é um bom ponto. Eu realmente não gostaria que aquele imbecil tivesse que ficar aqui. Então, que seja a Nick... Droga, sinto muito irmãzinha, você não deveria passar por isso, tampouco eu. A vida é uma droga, que bosta.
Puta que pariu, uma porrada de notificação. Deixa eu ver... Twitter, Instagram, Facebook, Whatsapp, Telegram... Nossa, por quê eu tenho tudo isso? Tanta coisa redundante, aproveitar que eu tenho todo tempo do mundo e apagar algumas dessas contas. Tchau twitter, não sou obrigada a ficar com o chorume. Tchau Facebook, não uso faz milênios. Hmmm, Telegram vou deixar, é onde estão as pessoas maneiras. Instagram, não tenho certeza, quase não uso, mas tem uns perfis muito massa de tattoos e artes, vou ficar, "whatever"... Whatsapp, caralho, como que vocês tem meu número seus filhos da puta? Me deixem em paz, que saco, acho que vou apagar a conta disso também... Pensando bem, o antiquado do Owen só responde por aqui, affff... Falando nele, credo, deixa eu ver o quê ele me enviou aqui. Hmmm, paradas bem pesadas... Ahhh a galera exagera, eu só tive uma convulsão e todo mundo acha que eu sou uma super drogada, quem nunca? Porra Owen, se você continuar falando essas merdas logo vai perder a pose de durão, deixa de ser molenga.
Opa, já respondeu! Hmmmm... Ficou irritadinho? Ohhhh que bonitinho! Dou risada sozinha e escrevo uma nova mensagem.
"Deixa de ser babaca, seu cuzão!"
Porra, vai a merda Owen, me bloqueu... De novo??? Toda vida isso, que saco!
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Quanto tempo que eu já estou aqui soprando minha franja pra ver até ela subindo e descendo até meu queixo novamente. Inclusive, minha cabeça já está doendo de eu tentar enxergar o meu queixo. Tãããããooooo chato isso aqui.
Ótimo, uma enfermeira! Vou falar pra ela que quero ir embora. Pra mim chega!.. Ei, eu conheço essa enfermeira. Quero dizer... Conheço de rosto. Ops, o celular, melhor esconder rápido. Alcanço o celular jogado ao meu lado e coloco debaixo do lençol que estou usando para me cobrir.
A enfermeira, ou, a guria, age de forma estranha. Mas quem diria, ela consegue enxergar o óbvio! É claro que eu estou péssima, afff... Ah não, cerveja e cheetos. Droga, ela acha que eu preciso de novas amizades? Eu já tenho o suficiente, aparentemente estou super popular, não me enche... E errou feio, eu prefiro destilados... Se bem que dá pra ficar bêbada com cerveja também, já serve. Olho para a enfermeira impostora com muita desconfiança e arranco a cerveja e o cheetos da mão dela.
Dou um gole na cerveja e faço cara feia.
- Credo, isso aqui tá uma merda!
Dou outro gole na cerveja e começo a comer o cheetos. Estava uma merda, mas era menos merda do quê as outras merdas que me servem aqui. Nunca mais vou comer sopa na minha vida. Ei, pera, esse caderno é meu! Olho pra ela furiosa assim que percebo que ela está com o meu caderno.
- Me devolve!
Tu acha que eu to aqui pra satisfazer suas curiosidades, filha da puta? Você vem aqui pagando de gente boa e fica fuçando minhas coisas? Eu odeio que fucem as minhas coisas! É melhor você me devolver essa merda antes que eu te dê tanto tapa que minha mão vai ficar laranja dessa tinta do teu cabelo. Esboço me levantar da minha cama e fico encarando ela com minha típica cara de nenhuma amiga.
Além do drama de Owen, o único ponto alto do seu dia tinha sido aquela “invasão” em seu quarto de hospital. Claramente não tinha sido um momento que Lorra estivesse gostando, mas ainda sim parecia menos entediante do que ficar olhando o próprio queixo, soprando a franja ou tentando encostar a ponta da língua no nariz.
Apesar disso tudo, a adolescente ainda tava sendo um entojo em pessoa.
A “enfermeira” a olhava, com uma sobrancelha erguida, ouvindo uma reclamação atrás da outra... Ela revirou os olhos.
Leah: Pra quem achou isso tudo aí ruim, cê já devorou metade do Cheetos né. Ruimzão...
Falava descontraída, até que Lorra tentou pegar o caderno... Leah rapidamente desviou o braço, não deixando ela pegar. Provavelmente, em dias comuns, vocês dariam trabalho uma a outra nesse quesito de ser rápidas e fortes... Mas não hoje. Você estava sedada com uns remédios bem sinistros... Que não tinham te feito dormir naquela manhã, mas ainda sim te deixavam lerda.
Novamente, ela pousou o caderno no colo e estalou os lábios.
Leah: Ai, garota, você não podia ser mais clichê não? Branca, mimada que acha que todo mundo tá contra você e que o mundo é um porre... Posso até apostar que um dos seus pais deve ser um “babaca” que você odeia. Ou esse membro da família que você odeia é sua irmãzinha?
Leah abriu a própria cerveja, dando um gole. Falava mais com descaso do que com raiva, como se aquilo parecesse algo comum pra ela. Provavelmente ela falava mais pelo que ouviu de Lorra do que pelo que conhecia de fato, mas não estava de tudo errada.
Será que todos esses anos construindo a fama de badgirl ela tinha se tornado tão clichê quanto as líderes de torcida?
Por fim, Leah suspirou.
Leah: Olha, eu tenho vindo aqui mais pela sua irmã do que por você. Na verdade, o quarto é mais agradável quando você não tá mantendo o tubo do soro enrolado e perdendo as drogas de graça
Indicou o tubo fininho que estava enfiado, com uma agulha meio grande demais, na veia do braço de Lorra. Ele estava dobrado por algum movimento brusco que a menina fez sem perceber. Provavelmente era por isso que você não voltou a dormir após acordar com Nick gritando.
Leah: Venho também pra poder faltar as aulas de matemática sem encheção também. Depois do seu... episódio, tão enchendo o saco de todo mundo que fica lá na quadra ou no estacionamento. Enfim, chega pra lá, tá quase na hora de “Apenas um show”
Ela mudou o canal da TV, se ajeitando na cama ao lado de Lorra. Você devia ter algumas dúvidas sobre o que rolou na quadra naquele dia, no “mundo real”... E também sobre o motivo daquela estranha estar visitando sua irmã. Talvez fosse uma boa oportunidade pra perguntar.
Por fim, depois de se ajeitar, Leah entregou o caderno.
Leah: Não foi minha intenção bisbilhotar... Ele tava jogado na quadra. Só percebi que era seu pelas vezes que você escreveu seu nome... é meio narcisista né? Haha Enfim, as ilustrações são muito daora
Ela falava, olhando a TV. Desviou o olhar pra você após falar isso, mas logo um dos personagens fez uma gracinha e ela voltou a olhar pra TV, rindo.
Ignoro o comentário da guria sobre eu estar devorando o saco de cheetos, as vezes ignorar é a melhor opção, porquê ela ta sendo tão otária? Affff...
Infelizmente não consigo tomar o caderno dela. Essa vadiazinha estaria muito fodida se eu não tivesse entupida de remédio, que raiva! E... Fico chocada com os comentários da guria sobre eu ser um clichê. Minha reação é muito clara, é óbvio que fui pega totalmente desprevenida com as palavras dela. E depois da surpresa, fico com calor, cerro os punhos para conter minha ira. Quem ela acha que é pra falar essas merdas pra mim?... Calma Lorra, mantenha sua tão tradicional e conhecida elegância, não precisa explodir.
- Eu não dou a mínima para o quê você acha que eu sou...
Caramba Lorra, parabéns! Você teve muita classe em não mandar ela a merda. E tem gente que acredita que não tenho controle emocional nenhum. Chupa haters!.. Por sinal, eu não sou um clichê, nem fodendo!... Né?? Fico pensativa por alguns segundos.
Me atento ao tubo dobrado que ela comentou, e arrumo ele. Não por quê ela pediu, nunca! Mas sim pelo meu sono tão querido, quanto mais eu dormir, mais rápido o tempo passa pra eu sair desse lugar de merda. Deixo a menina no vácuo, não quero puxar papo, não quero que ela ache que eu estou sendo agradável com ela, ou que eu esteja gostando dela. Ela não vai sair daqui não? Ah ótimo, ela ligou a TV! Péssimo sinal, que seja. Pode assistir o quê quiser, eu não faço a menor ideia no que está passando nesse horário mesmo. Só tenho TV pra assistir série e os jogos do Raptors, o Drew amava assistir os jogos do Raptors lá em casa. Bons tempos.
Até que enfim ela me devolveu o caderno, e eu trato de guardá-lo rapidamente, não reajo aos comentários dela sobre meus desenhos, ela não deveria sequer ter visto eles. Eu sei que os desenhos são daora, não me fode. Está na hora de deixar algumas coisas as claras, poderia perguntar o nome dela, se eu me importasse, vamos lá...
- Ei, seja um pouco útil... Você estava lá no estacionamento quando eu cheguei no colégio, não?... Quanto tempo passou entre a minha chegada ao colégio e vocês me encontrarem daquele jeito? Você sabe se eu fiz algo nesse meio tempo?
Leah abre um sorriso presunçoso quando vê Lorra reagir ao comentário dela e hesitar, pra depois responder qualquer coisa minimamente malcriada. Não disse mais nada sobre aquilo, mas o sorriso estampado em seu rosto poderia ser bastante irritante aos olhos da jovem Lorra.
Enquanto você se ocupava em ajeitar o tubinho de soro, a menina pegou o restinho do Cheetos e começou a comer, depois de se ajeitar na cama. Leah não era tão alta nem tão magra quanto Lorra, ela era mais baixinha e o jeans mais larguinho e rasgado não deixava ver se ela tinha as coxas grossas ou se era impressão pela roupa. Uma a característica que chamava bastante atenção na menina, para quem podia olhar de tão perto quanto você estava, era as manchas brancas na pele negra dela, espalhadas principalmente pelos braços. Em seu rosto, apenas em um dos olhos já se via indícios daquelas manchinhas.
Ela via o desenho quando Lorra começou a falar.
Leah:Shh, tô vendo pô!
Fez o shh com o dedo, aproveitando pra lamber os dedos cheios de farelo alaranjado do biscoito. Quando deu o comercial, ela finalmente te respondeu.
Leah: Você chegou toda esquisita, falando sozinha... Eu ia até perguntar se tu tava bem, mas, bem, não era da minha conta. O que o povo faz naquela quadra, melhor nem comentar...
O desenho voltou, mas ela mutou. Parecia bastante desconfortável no que ia dizer em seguida.
Leah: A sua irmã chegou tipo, logo depois de você. Não sei exatamente quanto tempo, sinceramente não tava prestando atenção... Mas logo ouvi ela gritando e imaginei que algo tinha dado ruim.
…
Quando eu cheguei e vi o que tava Rolando... Lorra, eu não sei o que rolou contigo, mas foi muito rápido. E foi horrível... Assim, eu não sou moralista nem nada... Gosto de me divertir também... Mas isso que você fez lá, não faz de novo não. A Nichole... Eu sei como é ver uma pessoa que você ama morrendo. Ela não tá bem com isso não, na minha opinião
Leah entregou o controle pra menina, fuçando no carrinho e pegando a própria mochila, tirando lá de dentro uns quadrinhos dos jovens titãs. Entregou para a menina.
Leah: Minha irmã curte o carinha verde aí dos quadrinhos... Acho que a Nichole pode gostar...
por Makaveli Killuminati Seg Out 05, 2020 10:07 pm
Halloween
Essa menina não fecha a matraca, e quando eu falo, ela ainda tem a cara de pau de me pedir silêncio? Eu não porquê eu to aguentando isso, sério, ela tá abusando da minha paciência. Enfim, me pedir silêncio não é nada de mais, até prefiro. Mas vai a merda.
Bom, intervalo, pelo visto ela está disposta a falar, que seja, vamos ouvir o quê ela tem pra falar. Hmmm... Falando sozinha, eu? Okay, não vou fingir que estou surpresa, eu acho que eu devo ter alguma doença esquisita, isso explicaria muita coisa. Era tudo o quê eu precisava pra completar o pacote de esquisitona, uma doença mental. Que ótimo. Acho que prefiro levar a fama de drogada. Eu deveria ir numa psiquiatra, ou, psicóloga, não sei, alguém que trate da cabeça das pessoas, talvez alguém profissional vai conseguir entender melhor o quê está acontecendo.
E, essa parada que ela está falando de abusar com as drogas... Bom, eu não abuso, e eu nem usei ontem, ou melhor, naquele dia. Mas não vou gastar meu tempo me defendendo, as pessoas nunca acreditam mesmo, então que se foda. Acho que ela está mesmo preocupada com a Nick, e eu também estou, só que, eu não tenho culpa, ninguém tem, essa merda só aconteceu. Fico reflexiva, e me sinto medrosa, acuada com os pensamentos que me vem a mente. Estou avoada, e quase não percebo a menina me entregando o quadrinho. Passo os olhos nos quadrinhos... É, nada que me interesse, mas quer saber, é melhor que nada, no tédio que eu tô, até a Bíblia eu leria... Não, a Bíblia não, nem fodendo...
Fico matutando o quê fazer para me livrar da menina logo... Já sei!.. Ei, espera, ela parece que já está saindo. Ufa! Vou guardar essa ideia pra outra oportunidade. Acho que seria legal agradecer ela né? Pela Nick, porque da minha parte foi um desprazer enorme dividir meu tédio com essa enxerida. Percebo ela já saindo, e interrompo a menina.
- Ei!
Não sei direito o quê falar, hmmmm... Silêncio constrangedor.
- Você falou um monte de merda...
Faço cara de "né?"... WTF, que cara seria essa?
Mostro o quadrinho que ela me deu, ou melhor, deu para Nick, indiretamente.
- Mas obrigado!... A Nick vai gostar...
É nada, vou devorar esse quadrinho antes da Nick saber da existência dele... Okay, já pode ir embora guria! Se manda!
Quando você chamou, Leah tava guardando a mochila de volta no carrinho e procurando onde tinha enfiado a touquinha. Ela ergueu os olhos, aguardando Lorra falar... E quase desistiu, com o silêncio constrangedor. Logo deu um sorriso com o que você disse.
Leah: você também foi péssima… E eu não tô reclamando né? Fica de boa, sua irmã pode devolver depois pra minha, acho que são da mesma sala... ou escola... sei lá.
Começou a vestir a touquinha, enfiando os cachos coloridos pra dentro dela. Logo fez um hang loose e saiu, abrindo as cortinas e virando a plaquinha. Ninguém parecia desconfiar, ela tinha uma pose muito firme e até cumprimentava os “colegas”. Por fim, desapareceu do campo de visão de Lorra.
***
Você dormiu umas horas, devido ao remédio, e acordou de tarde. O médico estava entrando em seu quarto, verificando o soro e conversando contigo. Ele explicou que no final daquela semana Lorra receberia alta, se os exames indicassem que estava tudo bem.
O homem tentou arrancar dela o que tinha tomado no dia que teve a overdose, pois assim ela seria tratada de forma mais eficaz, mas não obteve uma resposta conclusiva. Acabou indo embora, após trocar o saco do remédio, por um mais forte, e Lorra dormiu mais um pouco.
Quando acordou, o céu estava ficando laranja, provavelmente perto das 18h. Sabia que a mãe sempre saia após as 20h e o pai as 19h. Não tinha certeza de qual horário Nick voltaria para o hospital.
Tudo o que se passava em sua mente, eram mais três ou quatro dias como aquele. No tédio... Sem nada pra fazer... Com gente fazendo perguntas indiscretas o tempo todo.
O que Lorra faria enquanto esperava a sua família?
Ainda estou sonolenta, e meu corpo está molenga. O médico, por sua vez, continua fazendo o trabalho dele, que aparentemente é me deixar super dopada. Em outros momentos eu não reclamaria, mas qual é, eu sou um poço de reclamações. Até quando esses bundões vão ficar fazendo exames pra descobrir qual droga que eu usei... Puta que pariu, já falei que não usei nada, que estou limpa. Entre uma checagem e outra, o médico ganha minha atenção quando comenta que final de semana eu ganharia alta. Ótimo! Não vejo a hora de sair desse hospício... Mas espera, que dia é hoje?
- Ei... Que dia é hoje?
O médico responde e... Quinta-feira? Puts... Mais um dia inteiro aqui, aturando... Bocejo... Sono, de novo... ZZZzzz...
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Abro os olhos, e limpo os olhos. Passo um tempo me acordando e me mexendo, inquieta, tentando energizar meu corpo enquanto observo o céu laranja. É minha hora do dia predileta. Okay, não é a minha hora predileta, mas é quando o céu está mais bonito. Que seja, está um saco ficar sem nada pra fazer. Ahhh, lembrei, tenho a história em quadrinhos para ler. É isso. Alcanço a história em quadrinho e começo a ler.
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Okay, não é minha praia, mas até que é legalzinho esse quadrinho. Serviu pra passar o tempo, se passaram... Deixa eu ver... VINTE MUNUTOS???
Ah não, se foda. Sair hoje ou depois de amanhã, vai mudar nada, não vão encontrar porra nenhuma em mim mesmo. Adeus quarto do tédio, foi um desprazer enorme ficar por aqui. Me levanto e carregando o suporte dos meus medicamentos, fecho a porta do quarto. Retiro todas as agulhas que estão espetadas em mim, e uso o próprio suporte metálico para travar a porta, afim de ganhar um tempo caso alguém interfira na minha fuga. Com pressa, começo a arrumar minhas coisas. Guardo tudo na minha mochila e tomo cuidado para não amassar o quadrinho dentro da mochila.
Está tudo pronto. Melhor mandar uma mensagem para Nick. Se não vão pensar que eu fugi pra qualquer lugar.
"Ei Nick!.. Estou voltando pra casa. Avisa a mãe pra ela não surtar... xoxo!"
Okay, agora estou quase pronta. Começo a me despir, jogo a camisola no chão e me visto com minhas roupas. Pronto. Hora de agir.
Me aproximo da janela e observo se tem alguém no lado de fora. E assim que vejo o caminho livre, pulo a janela e começo a andar com naturalidade. Se alguém me chamar, não vou parar, vou sair correndo. Tchau tchau, otários!
Nunca uma tarde tinha demorado tanto a passar... Nem as tardes de simulado na escola, onde todos faziam entrevistas e provas que imitavam o vestibular eram tão chatas... Pelo menos não estavam parados, sem poder fazer algo.
A história em quadrinhos ajudou, em partes, mas não demorou muito tempo para que Lorra terminasse de ler... E, além de entediada, ficava, também, curiosa. Pode ser que ela nunca admitisse isso, mas essas coisas de “nerd” que a irmã lia eram bem legais, afinal. Talvez pudesse conseguir a próxima edição na biblioteca ou com a tal irmãzinha de Leah.
***
Você não teve problemas no plano de fuga. A verdade é que aquele era um hospital sem muita segurança, afinal, naquela cidade as emergências geralmente eram idosos infartando ou tendo um pico de glicose. As roupas estavam no armário do banheiro, assim como os objetos pessoais e a mochila, com as lições que ela não tinha adiantado naqueles dias no hospital.
Após pular a janela, as coisas ficaram um pouco mais complicadas. Não era como se ninguém a conhecesse na cidade... E, certamente, após alguns passos pra longe do prédio, alguém chamaria seu nome. Ao correr, chamou atenção dos dois seguranças velhinhos na porta e precisou correr por alguns quarteirões até despistar eles e seu carrinho de “golfe” que usavam nas rondas.
***
Estava já na estrada que levava pra fora da cidade, em toda aquela correria. O centro não fora uma opção e o bairro residencial poderia ter mais gente ainda que a reconhecesse... Então só deu uma de Forrest Gump e se embrenhou na trilha pro Lago Esmeralda, que era paralela à estrada principal da cidade e seguia até a Colina dos Lenhadores.
Quando se deu conta disso, teve a ideia de ir fazer uma visitinha ao Owen. Talvez não fosse a decisão mais sábia, após ter sido internada por uma semana por uma possível overdose... Mas Lorra não era conhecida por ponderar prós e contras de seus impulsos.
Na estrada, encontraria um dos pontos de ônibus e esperou algum tempinho, até um ônibus aparecer e parar ao sinal dela. Apesar de transitar entre as cidades, era um ônibus simples, com poltronas meio duras e janelas que não abriam completamente.
Lorra se sentou e sentiu o celular vibrar. Era uma mensagem de Nick em seu telegram.
Nichole: Ah, que merda, Lor! Vc vai arrumar confusão d novo c o papai e a mamãe. Vou mandar mensagem pra eles perto do horário deles saírem, vê se chega em ksa antes disso
A irmã não parecia muito feliz... Mas, bem, Nick sempre ficava brava com uma coisa ou outra que você fazia... Depois se enfiava no seu quarto, sem pedir desculpas. Então estava tudo bem.
Tudo estava tranquilo na viagem. O ônibus tava quase vazio, com pessoas que provavelmente não viviam em Spring Valley. As caras desconhecidas chegavam a ser até um conforto. Em breve o ônibus começaria a fazer paradas pras descidas... Lorra sabia que precisava descer no ponto perto da conveniência do Larry, uma lojinha duvidosa no topo da colina, que vendia bebida pra menores e, vez ou outra, alugava o quartinho dos fundos pra adolescentes cheios de tesão.
Não que Lorra soubesse disso... Certo?
Enquanto você se distraía com a vista da estrada, um homem parou ao seu lado. Ele vestia o uniforme da empresa de ônibus e tinha em seu cinto uma pochetinha cheia de moedas e bilhetes rasgados.
Boa tarde, menina. Cê já tem um bilhete ou vai pagar a viagem aqui? É C$ 2 até a colina e C$3 até a último ponto
Algo veio em sua mente... Você não lembrava de ter visto sua carteira na mochila.
Entro no ônibus com um pouco de ansiedade, querendo ou não, é o meu primeiro dia fora daquele quarto de hospital depois da minha... Overdose? Nem ferrando. Overdose meu cu! Bando de incompetentes.
Procuro um lugar vazio no fundo do ônibus, e pra minha sorte o quê mais tem são lugares vazios. E todos os bancos do fundão livre, só pra mim. Me sento, comportada, dou tapinhas na minha perna, faço barulho com a boca... Qual o motivo do motorista ir tão devagar???... Com tédio outra vez, aproveito os tantos bancos vazios do fundão e me deito.
Encaro o teto do ônibus e fico pensativa, muitas coisas envolvem minha mente, e sempre fico com medo nessas horas. Meu celular vibra e me desperta dos devaneios. É a Nick... Hmmmm, sem chance de eu chegar em casa antes deles. Okay, eles não vão gostar disso, mas, é que é...
"Não há a menor possibilidade de eu chegar cedo em casa... Eu estou bem, não se preocupe, só tenho que resolver umas coisas... Lorra está de volta na estrada, baby! Yayyy! Todo mundo feliz, certo?" Ela vai odiar isso. Dou risada sozinha e aperto em enviar.
Começo a escrever para Nick novamente.
"Ei! Uma das suas amigas chatas me entregou um quadrinho, pra eu repassar para você. Mais tarde eu te entrego. Até mais!"
Guardo o celular e volta a me sentar no banco.
Os poucos rostos que eu vejo são desconhecidos, seria muito bom se fosse sempre assim. Me imagino em toronto, em um metrô lotado, cheio de rostos desconhecidos e diversificados, pessoas de várias culturas e estilos. Nossa, muito diferente desse inferno. Mal vejo a hora...
Entre uma distração e outra, me deparo com o senhor idoso ao meu lado... Okay, desembucha. Acho que ele percebeu meu incomodo e finalmente falou.
- Eu vou parar na loja do Larry.
Procuro minha carteira. Procura mais... E mais... Okay, nessa altura ele já deve ter percebido que não tenho como pagar.
- Sabe o quê é, o Larry falou que pagaria minha passagem, eu não tenho como pagar, mas chegando lá eu posso provar!
Dou um sorriso amarelo. Não tenho a menor dúvida que convenci ele com todo meu charme. Né?
Depois das mensagens que você escreveu, não demorou poucos segundos para o celular voltar a vibrar... E vibrar... E vibrar. Por sorte você nunca deixava ele fora do modo silencioso, se não os barulhinhos irritantes de mensagem estariam perturbando a sua cabeça. Quem inventava esse tipo de barulho padrão dos smartphones? Todos pareciam irritantes.
Nichole: Pô Lorra, vai começar tudo de novo? Não vou falar nada não, tomara que o papai coloque as viaturas atrás de vc e vc tenha de dormir na cela da prisão! Sem tomar banho! Comendo a gororoba da cadeia! Com uma companheira de cela peidorreira!
…
Que amiga? A única pessoa que te visitava direto era a Leah... Ah, ela disse mesmo que ia arrumar uns quadrinhos legais pra mim. Vê se não estraga quando tiver de abanar os peidos da sua colega de cela!
Era incrível o dom de Lorra em tirar a irmãzinha dos eixos. Logo Nick, toda nerd e centrada... Provavelmente estava toda vermelha por estar brava e por escrever “peido” tantas vezes. A loirinha considerava isso um palavrão daqueles!
Após ler as mensagens, começaria a sentir uma elevação nos ouvidos, enquanto começava a subir a colina. Não que fosse uma elevação realmente enorme, mas Spring Valley é uma cidade completamente plana, então seus moradores tendem a sofrer aqueles bloqueios no ouvido, devido à pressão. Um leve “piiiiiiii” ecoava no fundo do ouvido de Lorra, enquanto a paisagem começava a mudar.
O homem que veio cobrar a passagem olhou pra ela desconfiada, quando ela começou a mexer em todos os bolsos da mochila. E estreitou ainda mais os olhos pequenos quando você deu aquela desculpa muito pouco convincente.
Cê tá achano qui nasci ontem, é? Esses adolescentes de Spring Valley, todos achando que tenho cara de bobo. Detesto pegar o turno nesse ônibus. Olha só
Ele ajeitou o óculos, te olhando bem e negando com a cabeça.
Acho bom o Larry estar no ponto com o dinheiro. Cê só sai quando tiver pago... Ou vai voltar e eu mesmo vou registrar queixa na delegacia. Num deve ter muitas magrelinhas de cabelo verde na cidade
O homem saiu estalando os beiços, reclamando da “juventude de Spring Valley”. Ele recolhia as passagens das outras pessoas, até chegar em seu banquinho perto do motorista.
O ponto que a jovem precisava descer estava chegando. Algumas pessoas começavam a se levantar, com a expressão cansada, após um longo dia de trabalho. O velhinho começou a passar por entre elas, com os olhos fixos em você.... Tinha o objetivo claro de impedir sua saída até ver Larry.
por Makaveli Killuminati Dom Out 18, 2020 11:09 pm
Halloween
Meu celular volta a vibrar. Caramba, e eu que sou a Drama Queen da família... Nossa, okay... Nick, definitivamente, você não leva jeito em falar palavrão. Respondo ela apenas com uma figurinha.
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Fico observando o idoso arrumando o óculos. É, aparentemente ele não está comprando minha história, mas que seja, se o ônibus continuar andando eu estou tranquila... Só que esse velho não pode dar queixa na delegacia, ele deve estar blefando, ninguém vai ligar pra queixa dele, por causa de C$ 2. Só que se ele ligar só pra reclamar, e falar sobre mim, o desgraçado do Daniel pode ficar sabendo, e vai me enxer o saco e me interrogar porque eu estava aqui. E isso pode me ferrar, e ferrar o Owen por tabela, já que é a caminho do rancho dele, e aparentemente todos acham que eu sou uma drogada. Quanta baboseira... Mas, isso eu resolvo na saída, certo? Melhor só acenar positivamente com a cabeça e concordar com o velho.
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Okay, parece que chegamos. Olho para a porta se abrindo e me levando, em seguida observo o velho, que já está me encarando, andando em minha direção. Seria muito legal se eu saísse correndo, mas ele tropeçaria, seria um desastre. Fico quieta esperando o velho se aproximar. Não sorrio, reviro os olhos, fico com braço cruzado, e balançando a ponta do pé com o calcanhar no chão. Antes de ele falar qualquer coisa, eu mesmo tomo a iniciativa e falo baixo para ele, para os outros que estão saindo não ouvirem, mas suficientemente alto para um velho com problema de audição ouvir ao pé do ouvido.
- Então... Eu menti para o senhor. Na verdade eu não tenho nenhuma moeda sequer, e não combinei nada com o Larry. Mas se eu não mentisse você iria me jogar pra fora do ônibus, no meio do nada... O quê é muito cruel da sua parte, inclusive... Mas eu só percebi que não tinha dinheiro dentro do ônibus, não era minha intenção...
Fico olhando para ele, série, reforçando que estou falando a verdade.
- Outro dia eu te dou o dinheiro, sério... E são só C$ 2, não é nada de mais, certo? Está tudo bem?
Fico esperando o velho reagir, sem graça. Espero que ele seja uma boa pessoa, e não do tipo ranzinza.
Nick responde apenas com uma figurinha, puta com a irmã... Bem que tinha previsto que Lorra ia aprontar alguma antes do fim de semana.
***
O velhinho certamente não tinha comprado a história. Foi a viagem toda olhando pra você... Se aqueles óculos que ele usava pudessem soltar raios laser, Lorra sabia que já estaria fritinha.
Quando o ônibus parou, ele pensou que ela sairia correndo. Até se espremeu entre as pessoas, tentando chegar nela mais rápido... Mas aí percebeu que a garota de cabelos coloridos estava parada, apenas o esperando. Até hesitou, cogitando se ela não tinha uma faca escondida ali.
Com essas crianças rebeldes não dá pra saber, né?
Ele parou há alguns passos de você, ouvindo a história verdadeira. A expressão dele ficou mais suave ao ouvir a verdade, mas ainda parecia um tanto zangado... Pessoas idosas não gostam de ser enganadas (afinal, quem gosta, né?).
Menina, como cê sai essa hora da noite sem nem ter dinheiro pro ônibus? Ainda mais vindo pra esse lugar...
Ele olhou em direção à loja do Larry, mas Lorra sabia que ele estava falando daquela área da cidade. Apesar de ninguém ter provado ainda, todos sabiam que ocorriam coisas ilegais ali. Só que todo mundo que participava dessas coisas ilegais nunca abria a boca.
Vamo, fica aí no ônibus… Não demora muito pra rota de volta. Você logo vai tá em casa. Como é seu nome mesmo?
Dizia indicando a poltrona, como se a ideia de deixá-la ali fosse pior do que perder alguns dólares canadenses. A verdade é que ele poderia a ter jogado pra fora do ônibus muito antes... Mas, apesar de ranzinza, o velhinho parecia uma pessoa razoavelmente boa.
Aguardaria a sua decisão, mas não impediria caso você quisesse descer.
***
Do lado de fora, o ponto de ônibus era apenas um local no passeio, com uma placa meio enferrujada. Um posto de gasolina bem antigo era visto dali (possivelmente perigoso devido à falta de cuidado nas bombas) e uma lojinha de conveniência logo atrás.
Perto do posto tinha uma trilha que dava nos diferentes ranchos ali da área, inclusive na casa de Owen... O acesso com carro era meio difícil pra quem não conhecia o local. O acesso, mesmo a pé, durante a noite, era pior ainda. Não tinha iluminação na estradinha...
Lorra já tinha aparecido ali de dia... Durante a noite, raramente estava a pé, quando ia em alguma festa.
Foi melhor do que eu imaginava. Talvez esse velho não seja do tipo babaca. Legal, eu esperava algum sermão do tipo "Essa juventuda, bla bla bla bla". Fico menos sem graça e paro de mexer o pé, estou menos ansiosa também.
Percebo a preocupação do velhinho, e fico concordando com a cabeça. Não vou contrariar ele, já que ele ta sendo legal comigo, certo? Até deixo um sorriso escapar pra ele perceber que eu também sou legal. Que atriz eu sou. Okay, eu sorri naturalmente, não atuei, de vez em quando é bom retribuir uma gentileza. Mas... Não, eu não quero voltar agora que eu já estou aqui. Porque eu inventei de vir aqui essas horas? O velhinho indica a poltrona, e sugere que eu me sente, mas ele não está oferecendo resistência. Então, se eu sair, está tudo okay, certo?
- Meu nome é Meredith... Obrigada!
Sorrio novamente.
- Então... Eu realmente preciso ir nessa.
Falo enquanto já piso na escada de saída do ônibus. E já fora do ônibus eu grito.
- Outro dia eu te pago!!! Até mais!!!
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Então... Só eu, o posto, e a trilha... Puta merda. Que ideia idiota hein Lorra? Ainda bem que a Nick lembrou de carregar o celular, se não eu tava muito ferrada. Caminho até a entrada da trilha que dava no rancho do Owen, respiro fundo, ligo a lanterna do celular, e dou meu primeiro passo rumo ao rancho.
- Okay... Vai dar tudo certo, você já fez esse trajeto algumas vezes...
O homem apenas suspirou, vendo a menina descer. O ônibus partiu logo em seguida, deixando Lorra naquele lugar. As pessoas se dissipavam rapidamente, seguindo para as suas casas. Pra sorte (ou falta de sorte) de Lorra, nenhuma seguiu pela trilha que ela iria.
A medida que ela se afastava da conveniência, sentia o ar frio do anoitecer bater em seus braços e via as luzes artificiais, a cada passo, diminuindo mais.
A entrada da floresta estava a sua frente. Somente a luz da lua iluminava parcamente a trilha. Não tinha muito segredo: Era seguir reto e virar à direita quando a estrada estreita de chão terminasse. Lorra não tinha medo de escuro, certo?
Você ligou a lanterna do celular, iluminando o suficiente pra não tropeçar em nada e pra afugentar qualquer bichinho local. Não se lembrava se em alguma aula de biologia/geografia alguém tinha falado de grandes animais usavam a floresta de lar. Então estava tudo bem.
***
Boa parte do caminho tinha sido tranquilo... Estava quase chegando. Quando sentiu o caderno vibrar dentro da mochila. Aquela voz ecoando no fundo da cabeça. Não era perturbador como da primeira vez... Parecia mais algo da imaginação dela do que algo palpável.
Espera... Uma coisinha brilhante se moveu entre as folhas?
Aquilo lá no final da trilha é uma pessoa ou a sombra de uma árvore?
Muitas coisas que ficaram esquecidas, naqueles dias dentro do hospital, começaram a permear a mente de Lorra naquele momento. Você estava ficando mesmo louca ou só o ar daquele lugar já era infectado com alguma droga muito forte?
A cabeça começava a rodar... A respiração ficava agitada...
E então você viu as luzes da varanda da casa de Owen, logo atrás de uma árvore próxima. Um carro que não era dele estava parado perto, com um brutamontes armado de guarda... E Owen saía conversando com um cara todo tatuado, que tinha um sorriso estonteante enquanto Owen parecia bastante preocupado.
De onde Lorra estava ela não conseguia ouvir o que diziam... O homem parecia estar se preparando pra ir embora em seu carrão.
- Hmmm... É tão mais silencioso e escuro do que eu imaginava.
Falo sozinha tentando me distrair. Sim, eu sou dessas que quando estou nervosa falo sozinha, mas só quando eu estou sozinha. Não quero ficar parecendo mais louca do que já sou, afinal de contas. Que ideia merda, que ideia merda... Enquanto eu não ouvir o som de um urso, está tudo certo, né?
Desgraça! Que susto! As vozes do caderno se intrometem no meu imaginário. Bom, dessa vez estou mais acostumada, mas droga, poderiam ser mais sútil, por favor. Vejo algo se mexer no canto do olho. Fico paralisada olhando para o ponto onde acho que vejo alguma coisinha luminosa se movendo e lanço o feixe de luz do celular na direção da mata.
- Qual é...
Fico observando fixamente aquele ponto por um tempo, acho que minhas pernas não se mexem mais, que ótimo. Vamos Lorra, não está tão longe. Respiro fundo, volto minha atenção para a trilha, e continuo.
Ando com minha cabeça abaixada, prestando atenção onde pisava, e volta e meia levanto a cabeça pra observar a trilha mais além. Devo chegar em uns... Cinco minutos? Talvez...
- Gulp!
Deixo o celular cair próximo ao meu pé.
Puta que pariu, cadê, cadê! Me abaixo e recupero o celular, e rapidamente aponto para frente.
- Merda...
Era uma pessoa? Puta que pariu, puta que pariu, puta que pariu. Estou paralisada novamente, e olhando para tudo quanto é lado. Não sei se é o medo, ou se ainda estou debilitada, mas estou ficando tonta. Já devo estar mais perto do rancho do quê da rodovia. Então, não me resta outra coisa. Ah, claro, agora que pensei em voltar, estou pensando na possibilidade de ter algo atrás de mim, que ótimo. Eu posso me considerar paranóica se eu não olhar mais pra trás para evitar de ver algo que eu não queira? Hmmmm, posso, mas é uma ótima motivação pra continuar andando. Com os passos mais apressados, continuo meu trajeto.
Uma luz! Cheguei! Ahhhh eu sou a filha da puta mais badass dessa cidadezinha de merda! Ninguém nunca saberá que quase me caguei nas calças nessa trilha. Puta que pariu. Que inferno! Foda-se, chueguei. Opss... Tem gente... Melhor apagar a luz da lanterna do celular...
Okay, me aproximo mais próximo do fim da trilha e me escondo atrás de um dos arbustos. Caramba Owen, você se mete com uma galera da pesada hein, assim você não me ajuda a tentar convencer os outros que você é boa pessoa... Como se eu tentasse mesmo.
Hmmm, ele está indo embora. Vai logo cara, não enrola. Observo o homem entrando no carrão dele, o Owen fica ali no lado do carro esperando ele ir. E eu aqui, escondida. E depois de um tempo, finalmente o homem dá partida no carro e vai embora... Okay, esse é meu momento.
Já sei! Começo rir sozinha pensando no meu próximo passo. Ai ai, Owen, você é tão idiota. Pego o meu celular, e abro o whatsapp. Em seguida, saio de trás do arbusto e caminho devagar na direção do Owen, enquanto enceno e faço uma vozinha de garotinha preocupada.
- Menina, o que aconteceu?... Lorra, me responde!... Dá pra responder?... Ai, menina, vou precisar ir aí pra saber que você tá viva?... HAHAHAHAHAHA
Termino dando risada, e dou alguns soquinhos fracos no peito dele.
- Ai ai, Owen, se eu postar isso na internet, sua pose de durão vai pro espaço. Que bom que você usou um fake.
Achei o máximo ele ter se preocupado comigo, super fofo... Mas não vou dar esse mole pra ele né... Nahhh, vou não, tá tão mais divertido tirar com a cara dele.
Toda a tensão de estar na floresta parece sumir de seus ombros quando você vê aquela luz no fim do túnel da trilha. Não que o arrepio na nuca tivesse parado... Na verdade, estar perto da casa do traficante parecia causar ainda mais daquele desconforto sobrenatural que Lorra conhecera há alguns dias... Mas, apesar disso tudo, chegar em um local conhecido, com uma pessoa conhecida e relativamente confiável, era muito agradável aos olhos da adolescente.
A relação de Owen e Lorra era curiosa. Desde de que o Drew morrera, a garota de cabelo colorido começou a aparecer ali com bastante frequência. O amigo já havia a levado em uma festa na casa de Owen e tinham experimentando juntos o primeiro baseado... Então, provavelmente, a atitude era mais pela lembrança que pelas drogas, no início. Owen tentou a enxotar algumas vezes de lá... Era encrenca ter uma adolescente aparecendo ali diariamente... Mas acabou se acostumando. Tinham um acordo não dito de ele não se meter nas coisas dela e ela não se meter nas coisas dele (principalmente no porão onde aconteciam as “químicas” ilegais). Acabaram ficando “amigos”, mas nem um nem outro admite isso. Não dá pra dizer que a adolescente e o trintão são as pessoas com a personalidade mais fácil e aberta de toda Spring Valley...
Quando o carro saiu da propriedade do traficante, ele relaxou os ombros, procurando nos bolsos o isqueiro para acender um cigarro. O momento foi perfeito para Lorra sair da floresta, feito a boa pestinha que era, lendo a mensagem de Owen em voz alta.
O homem tinha acabado de acender o fogo e ia colocar em frente ao cigarro que já estava em sua boca, quando quase deu um pulo com a “aparição”.
Owen: Puta que pariu, Lorra!
Nem prestou atenção, a princípio, na zoeira dela. Olhando de perto, ele parecia mesmo tenso pela visita anterior... Levando susto até com uma coisinha bobinha como aquela. Suspirou, acendendo de fato o cigarro e oferecendo um do maço pra ela.
Owen: Se você me der a porra de um infarto vai ficar sem erva boa até ser maior de idade, sabia?!
Perguntou e, quando ela terminou de ler a mensagem e de zoar ele, o homem revirou os olhos.
Owen: Eu tava preocupado é de encontrarem meu bagulho contigo, pirralha
Ele puxou ela pra perto e, sem aviso, deu um abraço na menina. Aquilo não era nada comum... Mas era um abraço de “Que bom que você tá viva”. Durou tempo suficiente pra ser um abraço esquisito... Mas logo o homem soltou e, como se nada tivesse acontecido, abriu o isqueiro pra acender o cigarro que tinha oferecido pra ela.
Deu um trago no dele e indicou pra entrarem, olhando o relógio.
Owen: Você não tava internada? Como veio parar aqui essa hora, Lorra?
Perguntou, abrindo a porta pra ela entrar e fechando atrás de si. Ele não gostava de portas abertas. A porta da cozinha também estava fechada... A adolescente podia imaginar que a dos quartos, no segundo andar, também.
Owen foi até a mesa, pegando uma arma que estava sobre ela e um bolo de dinheiro, entrando na cozinha pra guardar. O dinheiro e as drogas não eram coisas incomuns pra Lorra, mas, das vezes que estivera ali, nunca vira armas.
Owen: Quer comer algo?
Owen gritou da cozinha. A casa era antiga, com pé direito alto, o que fazia a voz dele ecoar de leve. A sala era simples, com um sofá bastante confortável, uma TV grande, um tapete de pele entre o móvel da TV e o sofá. Tinha também uma mesa de jantar de madeira, com seis lugares, um lustre baixo iluminando ela, e uma lareira.
Apesar de o fogo estar ligado, Lorra sentia um tanto de frio.
Na mesa de jantar, tinha alguns folhetos de uma festa que aconteceria no Haloween (amanhã a noite, sexta feira 13) e muitos pacotinhos de “bala” embalados. Lorra sabia que aquilo era algum tipo de alucinógeno que ele sempre vendia nas festas. Algumas também eram shots de bebidas em uma espécie de gelatina. Não eram drogas e bebidas muito fortes, mas fazia a alegria dos jovens rebeldes da cidade.
Hmmmmm... Ele não reagiu como eu imaginava. Okay, o susto eu esperava. Mas, sei la.
Fico observando ele acendendo o cigarro, e ele deve ter percebido. Que educado, veja só. Será que eu fumar só um, vai dar problema, eu não sei que tipo de merda eles injetaram em mim, né? Bom, nos filmes geralmente pedem pra não misturar remédio com álcool, então, acho que posso fumar unzinho. Eu aceito a oferta e pressiono o cigarro entre meus lábios, esperando ele acender.
Eita! Deixo o cigarro cair quando o Owen me abraça... Okay, isso eu não esperava. Caramba, será que ele está bêbado? Hmmmm... Deixo um sorriso escapar. E quando eu percebo meu sorriso, fico séria novamente. Como fui pega desprevenida, minhas mãos estão no peito dele. Eu escorrego a mão direita até as costas dele... Tá, agora ficou meio esquisito. Dou dois tapinhas nas costas dele ao mesmo tempo que ele me solta, parece que pensamos simultaneamente quando o abraço deveria terminar. Olho para os lados, um pouco incomodada, não, incomodada não, tímida, e ajeito meu cabelo atrás da orelha. Quando volto a olhar pra ele, o isqueiro já estava quase na minha cara, esperando pra acender o cigarro.
- Ah... Eu deixei cair... Então...
Espero ele me entregar um novo cigarro e assim ele faz. Pressiono o cigarro entre meus lábios e observo ele acender o fogo, e delicadamente trazendo o isqueiro até o cigarro. Dou um trago, sinto o momento fluir, e sopro a fumaça pra cima. A luz da varanda se misturava com a fumaça no ar, fazendo a dança que eu tanto gosto. As vezes eu penso que fumo só pela fumaça.
Aceito o convite para entrar, até porque seria muita idiotice não aceitar depois de vir até aqui. E enquanto estamos entrando, conversamos.
- Eles queriam que eu ficasse até o final de semana... Então, é como se eles já estivessem me dado alta, mas estão enrolando... Ai eu caí fora. Simples assim... E respondendo, eu vim de ônibus. Nem precisei pagar, o velhinho que cobrava até que foi legal, mas ele obviamente não gosta da vizinhança nessa região... Não consigo imaginar o motivo.
Acho que o Owen vai pegar essa ironia. Quando eu adentro a casa, percebo tudo exatamente como lembro, exceto pela imagem incômoda da arma sobre a mesa. Por quê diabos as pessoas continuam comprando essas porcarias? Bom... Eu já imaginava que o Owen andava armado, talvez ele escondia quando eu vinha aqui, só que desta vez eu cheguei de surpresa, então, deve ser isso. Outra vez minha atenção é interrompida, Owen grita da cozinha se eu quero comer, e puts, eu quero e muito!
- Porra, pode apostar que sim!
Eu grito em resposta. Claro que eu gostaria de ficar próximo a lareira, até porque está meio friozinho, mas não vou ficar aqui esperando a comida chegar como se eu ainda estivesse no hospital. Agitada, sigo até a cozinha dando pulinhos. Qualé, não é nada infantil, ajuda a esquentar... Quando passo pela frente da mesa de jantar percebo o quê estava sendo preparado para a festa de Halloween... Hmmff...
Chego na cozinha, vejo ele em frente a pia, preparando algo, então, tomo a liberdade de abrir a geladeira. Se ele perguntou se eu queria comer, posso considerar que está tudo bem abrir a geladeira, né? Ahhh, óbvio que não, mas eu sou dessas. E sem enrolar, começo a vasculhar a geladeira dele.
- Hmmmm, vamos ver o quê temos...
Pego um pote de alguma coisa pela metade e observo o rótulo. Então mostro para o Owen.
- Owen! Passou da validade faz sete meses!
Arremesso o pote em cima do balcão pra jogar no lixo mais tarde, e abro um segundo pote. Abro o pote e novamente mostro a ele.
- Vazio!
Arremesso o pote dentro da pia e continuo procurando por algo, mas aparentemente está difícil de encontrar algo comestível.
- Você tem algo que realmente sirva pra comer?
Eu fecho a geladeira e me posiciono ao lado do Owen, checando o quê ele estava preparando, e, claro, dando uma olhada se não era algo vencido.
por 
"
