Algumas semanas se passaram desde o sonho estranho de Jay. Semanas não muitos fáceis, pra falar a verdade.
O menino tinha decidido não tomar mais o remédio, mas todos os dias precisava resistir ao impulso. Já tinha mais de um ano que ele tomava o anti-surto, e, sendo um remédio relativamente forte, seu corpo pedia pelo mesmo. Além disso, precisava esconder da mãe que não estava tomando e, com ela em casa a todo momento, não era nada fácil mentir.
Naquela manhã, o despertador tocou no horário de sempre. Não era mais uma música... Após o sonho, Jay tinha ficado um tanto traumatizado. O barulho era apenas um “pipipipi” alto o suficiente pra tirá-lo até do sonho mais profundo.
Seu quarto parecia um pouco menos estranho do que parecera na primeira semana. O papel de parede de menina já tinha sido arrancado e substituído por um azul. Os pôsters de bandas e filmes fofinhos estavam pendurados, os livros na escrivaninha e o novo violão encostado na parede. Jay não aprendera a tocar ainda, mas a mãe tinha visto no centro da cidade e resolveu comprar para o filho, que gostava tanto de música.
Jay se levantou e olhou o vidro de remédio em seu criado mudo. Será que conseguiria resistir?
Spoiler:
Rola controle emocional, pra ver se ele resiste. Com sucesso parcial ou absoluto ele consegue resistir. Se for o parcial, ele fica maio neurótico, com vontade mas sem tomar
Foi até a escrivaninha, começar a arrumar o material pra aula e percebeu que não tinha feito a lição de literatura. Ao invés de escrever, ele ficou desenhando coisas que vinha nos sonhos dos dias que não tomava os remédios. Não tinha encontrado Jaden novamente, mas parecia que os sonhos eram sempre esquisitos, com coisas que ele nunca imaginou... Como se fossem sonhos de outra pessoa.
Já ouvia o barulho da mãe na cozinha, provavelmente preparando algo menos gostoso que panquecas, e a voz do pai falando no telefone. Nesse novo emprego dele, ele raramente estava em casa... E, quando estava, estava no telefone.
O homem andava pra lá e pra cá no corredor do segundo andar da casa, e, em algum momento, bateu na porta do quarto do filho.
Jayson, você vai perder a hora, levanta
Ele entreabriu a porta e viu você já de pé, apenas acenando com a cabeça. Não te mandou tomar banho como a mãe sempre fazia... Mas você desconfiava que ela acharia algum vestígio em você, caso não o fizesse. Ela SEMPRE sabia quando o filho burlava qualquer ritual de higiene.
O pai já estava andando em direção à escada, quando você ouviu os passos dele de volta no corredor, até a sua porta novamente.
Você tá bem, filho? Sua mãe me disse que você tem se atrasado com frequência pela manhã…
Era verdade. O sono de Jay não andava muito regulado. Ele dormia tarde e, às vezes, não descansava, devido aos sonhos agitados. Além disso, era o único momento que podia conversar com os amigos antigos, sem interrupções. Na escola nova, não tinha conseguido fazer muitas amizades ainda...
Jay acordou com o som estridente do despertador ecoando pelo quarto. Já fazia algum tempo que ele havia tirado a música do despertador. Não queria mais ter a sensação de ficar preso no mesmo dia.
Ele senta na cama e esfrega os olhos para espantar o sono. Os pais haviam comprado novos papéis de parede e ele também tinha personalizado as paredes com pôster e fotos dos amigos de Vancouver.
O menino olha pro violão, ainda não pegou o instrumento para praticar, mas já tinha baixado diversas cifras de suas músicas favoritas. Quem sabe nesse fim de semana ele se dedicava a isso.
Ele olha pro criado mudo onde estava o frasco do remédio. Ele sentia falta da falsa sensação de felicidade que o remédio trazia. Mas não se arrependeu de sua decisão. O problema era controlar os efeitos colaterais. Jay sentia a boca seca e palpitações com mais frequência e as alterações de humor era constante.
Num momento estava se divertindo vendo TV e num piscar de olhos sentia o aperto na garganta e vontade de chorar, de querer sumir do mundo. E as ondas de raiva, não vieram tão violentas quanto o sonho, mas ele sabia que precisava se controlar quando algo começava a incomodar. Às vezes uma coisa pequena como as luzes piscando do banheiro fazia sua mão tremer e ele queria arrebentar tudo para "resolver o problema".
Também tinha o agravante de ter sua mãe o vigiando sempre dentro de casa. Como Jay não queria que ninguém soubesse da verdade, ele começou a ficar mais tempo no seu quarto e agora andava com os fones de ouvido para todo lugar.
"Hoje não..."
Pensou enquanto olhava o frasco do remédio. Tinha dias que era mais difíceis de resistir, mas hoje ele conseguiu desvencilhar o pensamento rápido e caminhou de pijama até a escrivaninha.
As aulas já haviam começado mas estava difícil para Jay se concentrar nas aulas. E agora ele se pegava desenhando coisas que via nos sonhos. As figuras não faziam sentido algum, mas ele achou melhor documentar para quando encontrasse Jaden de novo.
Ele suspirou infeliz e enfiou o caderno sem a lição na mochila. Foi quando percebeu que sua mãe estava na cozinha e o pai no corredor. No momento em que o pai entrou no quarto Jay estava pegando as roupas no armário e acenou com a cabeça.
Pouco tempo depois seu pai voltou e perguntou se ele estava bem. Ele parecia estar preocupado. O menino tentou dar seu melhor sorriso e dizer de maneira convincente.
- Eu estou bem… Fico conversando com meus amigos de Vancouver e acabamos se empolgando - Ele coça o cabelo envergonhado.
Quase todas as noites eram longas e com sonos agitados e ele desenhava tudo assim que acordava para não esquecer. Por isso costumava dormir lá pelas 3:00 da manhã e acordar cedo para ir para escola era uma batalha. Além dele não estar muito empolgado com o colégio, já que não tinha nenhum amigo.
Então ele espera o pai sair do quarto, pega as roupas e vai pro banheiro. O celular estava nas suas mãos, pois não ia mais ao banheiro sem ter alguma música tocando alto. Era um jeito de afugentar seus medos. Pretendia tomar um banho rápido e descer.
A decisão de não tomar o remédio havia sido feita e Jay precisaria lidar com isso pelo resto do dia. Não era algo fácil para o jovem, tanto que ele sempre mantinha o remédio no bolso... Com medo de perder o controle. Apesar disso, nos últimos dias, não tinha cedido à vontade, mesmo com as variações de humor que estava sofrendo.
O pai entrou no quarto, perguntando se estava tudo bem e logo assentiu à resposta do filho, olhando em volta e vendo como o quarto tinha ficado após a pequena reforma.
Tudo bem, filho, sei que sente falta deles... Mas vocês precisam conversar num horário melhor. Tanto você quanto eles tem aula... Quero que você desligue o computador 23h, ok?
O pai parecia cansado também, mas raramente brigava com o menino. Tentava conversar com ele, sempre que tinha tempo, e impor os limites que todo adolescente precisava. Isso estava mais fácil desde que o jovem começou a tomar o remédio...
Jay sentiu bastante vontade de contestar. Não achava justo... Por que o pai queria tanto limitar ele em tudo? Sua mente colocava vários pequenos gatilhos que o pai nem mesmo tinha falado, pra convencer a si mesma que devia estourar.
Vou ajudar sua mãe com o café, não demora pra se arrumar.
Após falar, o homem saiu do quarto, atendendo uma ligação enquanto descia as escadas com passos lentos e pesados.
Quando ele foi ao banheiro, tudo parecia normal. Nada de alucinações ou fantasmas no banheiro. Após sair do banho, ouviria uma notificação no celular. Duas mensagens: uma de Jimmy e outra de Amanda. Os dois falando no particular, visto que no grupo os outros amigos tavam conversando sobre coisas aleatórias que não pareciam tão interessantes.
Jimmy: Bom dia, bro! Tava lembrando que vc perguntou se um parque ia vir aq na cidade, igual no seu sonho... Até agora não, mas um circo todo chique vai vir aqui, com um parque! Será q sua mãe n libera vc vir no fds não?
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Amanda: Bom dia :3 Lembrei de vc! Ó o gif que vi no face. Parece você acordando hihi
Jay veria, também, no relógio do celular, que estava quase na hora da aula…
Jay estava com as roupas debaixo do braço e o pai estava tentando impor limites nas horas que ficava usando o computador. SE Jay tivesse tomando os remédios, ele iria apenas sorrir e concordar com a cabeça, afinal era uma criança que precisava de horas de sono. MAS estamos falando de um adolescente que não está devidamente medicado. Conforme o pai impunha as vontades dele, a mente do garoto trabalhava rapidamente.
"COMO ELE OUSA ME PROIBIR DE FALAR COM MEUS AMIGOS???
AGORA ELE QUER BANCAR O PAI LEGAL??? ELE SÓ FICA NO CELULAR!!''
O menino travava o maxilar com força conforme o pai falava e foi muita, muita sorte que o celular tocou nessa hora e o homem saiu do quarto Se não ele veria o filho jogando as roupas no chão e chutando elas pelo quarto com raiva.
- Droga...não posso fazer nada do que eu quero nessa casa. - Ele olha o relógio.
Precisava tomar banho agora ou iria se atrasar. Muito a contragosto ele pega as roupas e vai pro banheiro, tudo porque era mais fácil enganar o pai do que a mãe. E se Jay não tomasse banho ela saberia, e se mentisse seria mais difícil para controlar tudo o que estava sentindo. Então tomou o banho rápido e quanto estava se trocando viu as mensagens no celular que realmente animaram seu dia e fez todo o stress da manhã desaparecer.
Primeiro ele responde para o Jimmy.
Jimmy: Bom dia, bro! Tava lembrando que vc perguntou se um parque ia vir aq na cidade, igual no seu sonho... Até agora não, mas um circo todo chique vai vir aqui, com um parque! Será q sua mãe n libera vc vir no fds não?
Jay: Eh ai.... Vou ver com ela. Quem vai??
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Amanda: Bom dia :3 Lembrei de vc! Ó o gif que vi no face. Parece você acordando hihi
Jay:Eu não acordo tão bonito assim... E hoje tá tipo isso
Mas mudando de assunto, como você está?
Ele iria descer para tomar o café da manhã, mas ficaria atento as notificações.
Uma ou duas palavras que contrariavam as vontades do menino, podiam realmente causar aquilo: roupas no chão e um pequeno surto de raiva. Jay não conseguia se lembrar se antes era assim, mas agora era: a falta do remédio deixava as coisas mais intensas.
Após conseguir se arrumar e tomar seu banho, a mensagem dos amigos conseguiu acalmar o menino. Talvez fosse o refúgio que tinha achado nesses dias tão conturbados.
Jimmy: Vai todo mundo! Eu, o John, a Anna, a namoradinha nova do John e a AMANDA... Acho que você vai adorar Heim. Vê se convence sua mãe ai, cara.
--- Amanda: haha eita! Pq? Já acordaram te enchendo?
Eu to bem! Esse final de semana a gente vai fazer um passeio maneiro. O John arrumou uma webnamorada que trabalha no circo, acredita? Tão passando aqui na cidade e ela arrumou uns ingressos pra gente
Após as mensagens, Jayson desce pra tomar café da manhã com a família. O pai lia o jornal, como sempre, e a mãe via um vídeo no celular, enquanto mexia um mingau que ela gostava de comer. Na mesa, tinha cereal, ovos, bacon, suco e leite.
Grace: Bom dia, filho! Não deu tempo de preparar algo pra você levar... hoje vou fazer uma entrevista de emprego... de novo. Antes de sair você pode pegar dinheiro na minha bolsa lá na sala. Mas come algo.
Se Jay reparasse, a mãe estava vendo um vídeo sobre entrevistas de emprego. Desde que tinha se mudado, ela não tinha conseguido um emprego na área dela e isso a frustrava.
Quando se sentasse pra comer, veria uma reportagem interessante no jornal. “ProLab inaugura novo laboratório, após o acidente”
São duas fotos na reportagem: a primeira de uma sala completamente destruída... Uma sala que Jay conhecia. Branca, com aparelhos médicos e algo que poderia ser uma cama destruída. A segunda de leitos completamente tecnológicos, cheio de segurança. Claro, uma sala médica poderia ser igual em todo lugar... Mas era estranho. Parecia muito a sala de seu sonho.
A reportagem dizia sobre um acidente de carro próximo às instalações médicas, onde um carro tinha atravessado a parede.
***
Thomas:Filho?! Vai se atrasar assim! Acorda
O pai olhava pro menino, já com o jornal baixo. Pelo visto, ele tinha viajado em sua mente, novamente... E alguns minutos haviam passado.