Escolhas (Shizukana de Kitsune)

No palácio, uma mulher que a atendeu fez uma leve reverência e indicou o caminho que Shizukana deveria seguir. Passou por entre portas, corredores e salas. O local era vasto e extravagante no sentido de que o melhor de Hagakure foi utilizado nas construções e decorações. Ao chegar no final de toda aquela caminhada, havia um homem mais velho atrás de uma pequena mesa com diversos papéis. Uma kunoichi no canto da sala, que emanava uma energia diferente - não era uma Magi, mas tinha algo de bem diferente com ela. E por fim, um Magi de Kitsune que conversava com o oficiado, que era aquele homem mais velho atrás da mesa - quando ele viu Shizukana entrar, o Magi despediu-se do oficiado e passou por Shizukana, faz um rápido movimento de cabeça junto de um sorriso e seguiu para a saída. O rosto era bastante familiar - depois de Asazuma, grão mestre de Kistune, aquele homem era provavelmente o Magi mais poderoso das cinco torres de Imabari. Satoro.

É claro que o poder não podia ser medido dessa forma, 'quem era mais forte', quando grande parte do sucesso de um Magi vinha de cautela, preparação e agir no momento correto - considerando tudo isso, Odo, o Magi que lhe serviu de figura paterna, era um Magi digno de atenção. Sua principal diferença, é que ele não ansiava pela atenção, tinha preferência por mais discrição em seus atos.

- Ah!

Disse o oficiado, quando viu Shizukana.

- Aproxime-se, Shizukana de Kitsune.

Passou a mão pela mesa e tirou alguns papéis do caminho, continuou virando as folhas e pergaminhos, como se procurasse por algo e daquela pilha, tirou um pergaminho. Quebrou o selo de cera vermelha e leu rapidamente o pergaminho, afirmou com a cabeça e ofereceu o pergaminho para Shizu.

- Não tão rápido como gostaríamos, mas chegou em tempo. De qualquer forma, outros ainda também não chegaram. Bem... Aí estão os próximos detalhes. Acredito que no primeiro pedido foi solicitado que fosse ao sul, mas temos uma nova pista ao leste. Então é pra lá que deve ir. Junto do pergaminho, há um mapa com a última localização da pessoa que deve encontrar. Lembre-se de que esse trabalho exige discrição. Antes de partir, poderá fazer algumas perguntas, mas preciso que me responda, o que fará com a informação dessa missão?

- Ótimo, ótimo. Quando encontrar a pessoa que procura, deve voltar imediatamente para o palácio, entendido?

O pergaminho era um mapa da região, um mapa simples - não contava com nenhum tipo de topologia, apenas linhas e locais de maior destaque. Não servia para muita coisa no sentido de ter como se guiar, já que Shizukana estudou toda Hagakure em seu treinamento em Imabari. Mas, haviam algumas informações importantes. Uma afirmação de que o sequestro tinha sido realizado por um elfo e de que estariam na muralha do leste - a muralha do leste era um antigo forte que protegeu Hagakure de uma invasão contra outro povo, com a ameaça destruída, o forte foi abandonado e vivem ali apenas os fantasmas dos mortos nesse combate anterior.

- Certo. Agora, às perguntas... Precisa de alguma informação a respeito de sua missão, Shizukana de Kitsune?

A kunoichi no canto da sala mantinha os olhos fixos em Shizu, a cada movimento - mesmo aos menores possíveis, somente de seu peito inflar com a respiração, sentia os olhos daquela mulher sobre ela.

O oficiado mexeu em mais alguns papéis em sua mesa. Revirou algumas coisas e segurou um deles contra a luz que entrava por um dos vitrais, não parecia ser nada muito específico, talvez apenas dificuldade para ler.

- Boas perguntas, boas perguntas... Vejamos.

Analisou aquele papel que tinha pego por mais alguns segundos e só então, por fim, respondeu.

- Não houveram testemunhas. Havia uma comitiva de soldados, mas todos foram mortos. Alguns sumiram, então imagina-se que tenham sido levados junto, assim como seus cuidadores. E infelizmente, não tivemos nenhum retorno de seus raptores, nem mesmo pedidos de ouro. É muito provável que esse rapto tenha implicações políticas. E agora, peço para que tenha ainda mais discrição com o que irá ouvir agora. Quem você procura, tem sangue sujo em suas veias.

O velho oficiado se ergueu e deu uma volta na mesa e colocou-se a frente de Shizukana. Com isso, o oficiado fez uma pinça com seus dedos e segurou a ponta da sua orelha esquerda. Era um gesto pejorativo e bem conhecido em Hagakure. Significava Aen Seidhe, ou mais como eram mais comumente chamados - elfos. Eram bastante raros em Hagakure, conhecidos como o povo das planícies - entraram em guerra com o Império e perderam de forma vergonhosa para seus líderes - quase todos foram dizimados, com isso se afastaram e passaram a viver isolados das grandes cidades. Mas alguns visitavam cidades e vilarejos pelo Império e misturavam-se com os humanos, daí é que provavelmente o Imperador teve seu bastardo.

- Como foi criado pela mãe, o nome não está em acordo com nossa cultura. Acredito que se pronuncie, Eaman Fidháil. Ele é quem você deve encontrar no leste.

- Hmmm, exatamente, bem, é para isso que estamos pagando vocês, Magi. Mas as buscas recentes apontam para o leste. Há um pântano pouco frequentado, terras ruins, então o Império não tem interesse no local. O que dificulta a inteligência, não temos nenhuma presença lá. Seja do exército ou da população que poderia nos ajudar com isso.

Os pântanos do leste apontam rumores das últimas feiticeiras de Hagakure, as poucas que não foram mortas ou convertidas pelo Império, haviam achado sua morada longe da civilição. Pior do que os Magi, eram ainda mais temidas pela população geral, grande parte disso se dava por conta da ignorância com relação ao que tinham para oferecer. A magia era perigosa, mas também era a solução para alguns problemas. Contudo, não havia relatos de elfos nessa parte de Hagakure - então era possível que a pessoa que buscava não tivesse sido sequestrada por sua própria raça. Também não havia motivo aparente para um rapto por parte das feiticeiras, há mais de duas gerações que não se envolviam em nenhum assunto do Império e o mesmo valia para o outro lado, pelo menos até onde ia o conhecimento de Shizukana.

- Ali.

Apontou para um dos quadros da família do imperador, havia o próprio, sua esposa e três crianças.

- O mais novo, exatamente igual, com a diferença de, você sabe...

Fez um 'claque' com a língua e apontou para a própria orelha.

O oficiado acenou com a cabeça, permitido que Shizukana pudesse deixar o local. A kunoichi no canto da sala a observou em cada passo, sentiu os olhos lhe observando durante todo o caminho e em todo o tempo em que estava dentro do palácio. Uma sensação estranha, era difícil de entender ou localizar qualquer ameaça, já que o local era repleto de pessoas - muito diferente dos ambientes em que os Mago ficavam. Quando saiu de dentro do palácio e alguns passos mais distante dali, ouviu um estalo de dedos a sua esquerda. Uma figura enorme, de capuz, mas que Shizukana reconheceria em qualquer ocasião. Odo. Quando teve sua atenção, ele se aproximou vagarosamente - puxava seu Serow por uma corda, mas o animal o acompanhava sem problemas.

- Tive que antecipar nosso encontro em alguns dias. O que achou da conversa com o oficiado?

Foi direto ao ponto. Não era muito do seu feitio, então alguma coisa devia estar acontecendo - ou sabia de informações importantes para passar à Shizukana. De qualquer forma, era um ponto fora da curva. Ele não costumava quebrar os planos previamente acordados - se tinha dito que iriam se encontrar em um mês, é o que faria - mas esse encontro aconteceu muito antes do que o previsto. Não havia nada faltando na última interação.

- Vamos caminhando para fora. Onde está Yukan?



Aguardou as respostas de Shizukana para continuar com suas próprias respostas e mais informações. O local, como sempre e apesar de próximo do final do dia, continuava bastante movimentado - com o início da noite, era possível ver as velas se iluminado, trocando a luz azulada por uma luz laranja em todo o local.

Pararam brevemente e o cavalariço lhe entregou seu Serow, Yukan. Estava escovado e tinha a crina desembaraçada. Não foi muito tempo, mas parece ter sido bem tratado - o animal veio trotando rapidamente na direção de Shizukana e passou a caminhar ao lado da mesma, seguindo-a. Odo continuou o caminho e quando estavam um pouco mais distantes do palácio, começou a falar. As palavras saiam bem baixas - quase que inaudíveis para quem estiver um pouco mais longe dali, mas devido a apurada audição dos Magi, Shizukana conseguia ouvir sem muita dificuldade.

- Depois falaremos sobre os detalhes do que conversou dentro do palácio.

Mais alguns passos e retomou a fala, ainda em baixo volume.

- Em minha própria missão acabei descobrindo algo, é uma suspeita. Mas acho que toda Kitsune está em perigo. Não sei como explicar ainda... Mas a missão não parecia certa. Fui pedido para matar um Hakutaku, no topo de uma montanha, não muito longe de nossa escola.

A informação de imediato, pareceu estranha para Shizukana. Os Kautakus eram criaturas inteligentes, herbívoros e não faziam mal algum para os humanos. Mas eram extremamente poderosos e muitos foram caçados por seus 9 olhos - que continham propriedades mágicas. De qualquer forma, não havia pedidos de caça para essas criaturas - eles saíam de perto dos humanos e evitavam interações ao máximo. Mas quando havia interação, saíam como criaturas de imenso intelecto - conversam como humanos e tem inteligência.

- Encontrei a criatura e ela me atacou na primeira vista - Odo esticou o braço, com um ferimento longo, ainda aberto mas em processo de recuperação - demorei bastante. Mas consegui acalmá-lo e entender o que estava acontecendo. Ele disse que soldados tem o atacado há meses e acabou matando alguns, enquanto se defendia. Não sabe o motivo, já que cada vez que recebe um ataque tenta ir mais alto na montanha para escapar dos próximos. E, achei isso no local.

Tirou um medalhão de Kitsune do bolso e o ergueu no ar, pela corrente.

Odo ouviu com atenção ao que Shizukana dizia. Coçou a ponta do queixo, baixando um pouco o traje que cobria seu rosto. Claramente eram novas informações, pois ele parecia ponderar longamente a respeito de tudo o que tinha aprendido naquela instante. Ele guardou o medalhão de Kitsune que tinha mostrado para Shizukana de volta em seus trajes.

- Então é isso. Kitsune realmente está em perigo. Tem alguém poderoso atacando a escola. Mas essa história de ter sido assassinado pelo império é estranha... O Imperador e Asazuma são muito próximos, não há nenhum sinal de inimizade. E se houvesse, com certeza Asazuma teria avisado os Magi para que tomassem cuidado ou... Não enviaria ninguém até o castelo.

Ele fez mais uma pause e completou.

- Você fez bem.

Completou, quandoa ela disse que tinha enviado o Serow e os pertences do Magi de volta à Kitsune.

- Precisamos ter cuidado, mas acho que precisamos seguir a trilha. Vou tomar um outro caminho e investigar, mas o ponto final deve ser para onde te apontaram. O que nos leva aos detalhes do que conversou. Desculpe a intromissão, mas gostaria de saber sobre o que conversaram, talvez a informação me ajuda a completar as partes que faltam no meu próprio quebra-cabeça.

Odo assentiu com a cautela de Shizukana. Fazia sentido e ele confiava nela, então decidiu respeitar sua decisão de não abrir mais detalhes - o que não era uma grande dificuldade para Odo. Havia tranquilidade em como lidar com determinadas questões, respeitava limites e entendia que que aberturas precisavam ser ganhas. Sua curiosidade não seria saciada naquele momento, mas a troca de informações, pelo menos por hora, haveria de ser suficiente para que pudessem seguir seus caminhos.

- Elfos, hm?

Ele fixou o olhar a frente, pensativo - foram alguns segundos seguindo a caminhada em silêncio, até que voltou a falar.

- Bem, não temos muitas informações sobre eles. Sei que há muitos anos atrás eles foram derrotados pelo império, seus líderes recuaram e foram viver longe da civilização. Ainda vemos um outro aqui na capital e os meio-elfos são mais comuns. Mas se tiver que lidar com um deles fora da capital, não há muito o que fazer - eles terão desconfiança e muito provavelmente saberão que você está se aproximando bem antes de você chegar. Sinto muito não ter muito mais para oferecer, mas como eles não nos deram problemas por tanto tempo, não foram objeto de estudo em Kitsune.

Quando já estavam próximos do portão de saída, deu um pequeno salto e montou em seu Serow.

- Vou investigar o que conseguir. Nos encontramos aqui em algumas semanas?

Deu um breve sorriso.

- Boa sorte no caminho, Magi.

O caminho para o leste era pouco frequentado, quase nunca haviam patrulhas do império - mas nas piores condições possíveis, homens já cansados e nunca tão bem armados como deveriam para estarem naquela situação. Cruzou com alguns que deram pouca atenção, não tinham a motivação necessária para o trabalho e não iriam intimar ou importunar Shizukana por sua passagem. As vestes declaram que era uma Magi e isso já dava sentido ao caminho que estava trilhando em direção aos pântanos, nenhum cidadão comum iria para aquele local, somente um caçador de monstros e quebrador de maldições se arriscaria. A vida de um Magi contava com muita viagem e esse ponto de todo o trabalho parecia monótono depois de um tempo, mas aquele caminho era relativamente novo para Shizukana - conseguia perceber aquela mesma praga avermelhada que viu no caminho para o palácio, quando saiu da Toca da Raposa.

Diferente do caminho de antes, havia agora muito menos árvores, mas a praga não parecia diminuir sua intensidade. A falta de árvores e a próximidade dos pântanos com o litoral de Hagakure dava uma visão privilegiada da vestidão dos mares, também. O caminho mais ao leste a afastaria da costa, mas naquele momento, por onde a estrada passava ela conseguiu ver um grande navio de velas pretas, não havia nenhum outro tipo de identificação, mas com certeza não era um navio do império.

...

Em dado momento, depois de horas de viagem, a estrada chegou ao fim. Não haviam mais patrulhas e as passadas de Yukon afundavam no solo molhado do pântano. Era claro que as coisas ficariam mais difíceis e mais lentas a partir desse momento e não restava muito a fazer, se não seguir viagem. Não haviam vilarejos ou qualquer sinal de vida, a não ser os pequenos olhos curiosos dos carangueijos que pulavam para fora do barro quando viam Shizukana na distância ou quando essa se afastava.

Sua visão e audição apuradas lhe indicou barulho e movimento em um arbusto alguns metros à frente. As vibrações indicavam uma pequena criatura, sem o visual, Shizu não tinha conseguido identificar ainda qual - para dificultar um pouco mais, não havia também muitos informações sobre aquela região nas escolas e era difícil até mesmo supor que tipo de criatura poderia ser, mas a princípio, parecia estar alheia a aproximação da Magi.

Ao usar a luneta para ver do que se tratava o navio, não conseguiu decifrar o que via - mas claramente não era uma embarcação do império - assim como não pareciam ser bandidos. Homens de armadura da mesma cor da embarcação, um preto que chegava a brilhar com o pouco de luz que chegava entre a névoa da costa, no peitoral das placas da armadura, um sol amarelo. O navio tinha como direção o porta imperial, então poderia tratar-se de uma comitiva para o próprio império. Nada mais podia ser absorvido daquela imagem, em condições atuais, nem mesmo poderia chegar até a embarcação. Mas a informação poderia ser útil em algum momento.

Passado seu caminho e chegando no ponto em que percebeu a criatura nos arbustos. Ao atirar a, a mesma atingiu o arbusto, e este estremeceu - não pelas folhas e galhos, mas pela provável criatura que ali se encontrava. Não somente isso, mas dali saiu um ser de baixa estatura pêlos cobrindo o corpo e andar desajeitado. Shizukana reconheceu rapidamente, eram raros e mais raros ainda naquele local - um Shukaku. Facilmente confundidos com os Tanukis, que traziam sorte, os Shukakus eram criaturas que gostavam de pregas peças e enganar os humanos, por conta de sua má fama, havia pouca tolerância e por isso a maioria viva bem escondida. Os pântanos não eram seu habitat, mas pela falta de civilização, poderia viver ali sem ser incomodado, mas também contra sua natureza, sem ninguém que pudesse importunar ou pregar peças.

De onde saiu, com uma mão na cabeça, esfregando avidamente:

- Que educação! Que educação! Atirando pedras nos outros...

A pequena criatura vestia trapos, tinha os olhos fundos e pretos de um guaxinim, mas estava sobre apenas duas patas, com um comportamento hominídeo. Completando seus trajes, uma corda pendurada em seu ombro que segurava um saco de pano. Ergueu os olhos para ver que o tinha atingido e pausou a visão no Serow.

- Ah! Magi! Os mais mal educados! Eu devia ter suspeitado! A sua laia não frequenta essa região, eu achei que ia estar livre!