O ano é 1426 jP (Jar-Piro), as malditas Guerras de Reconquista já duram 98 anos, quase um século.
Quando Andrias se levanta, Helius Flava já estava mandando seus raios com força, quase violência, sobre a cidade. Mesmo assim a noite de sono parecia pouca. O ar parecia carregado de eletricidade, algumas nuvens escuras, ainda espalhadas, podiam ser vistas. Prenúncio de chuva? Meio improvável, já que caíra uma chuva na cidade há dois dias, e nunca chove muito naquela área (estaria Jara feliz ou irritada?). Apesar de que, vez ou outra, quando o local ficava saturado de energia (de qualquer elemento que fosse), nuvens assim também se formavam (e aí não seria bom sinal).
- Spoiler:
Perto de sua casa, do templo, e de onde os Izete estavam ficando Andrias não tinha muitos problemas. As pessoas tinham se acostumado com ele e algumas vezes até o tratavam relativamente com simpatia (esta às vezes conquistada por seus trabalhos como enfermeiro ou medicina, mas tá valendo). Mas apesar de ter cidadania por ter nascido em Fajr-Regno*, Heséd é uma cidade basicamente de humanos. Poucos demônios, centauros ou mesmo híbridos vivem aqui, portanto Andrias se destaca no ambiente. O bairro sul da cidade é conhecido por ser o "bairro dos ajrenses" por ter vários imigrantes (e alguns exilados) de Ajros, e portanto, mesmo antes da gajanos invadirem a cidade, já era um local onde Andrias sentia uma rejeição maior.
- algumas questões sobre cidadãos e ápatres:
- Entre as raças superiores, ou seja: humanos, sirenos, centauros e anjos (fadas, saats, ŝets e outras minorias exóticas podem ser incluídas), todos têm basicamente os mesmos direitos e deveres em Fajr-Regno e na quase maioria dos continentes (pelo menos no papel). Já os demônios (e muitas vezes nem os híbridos) não eram reconhecidos como detentores de direitos nos outros três continentes.
Para ser considerado uma raça superior é preciso ser racional e ser capaz de viver em uma sociedade complexa (algumas raças são racionais, como homens-lagarto, goblinóides, etc. mas o sociedade deles não é considerada "complexa" para serem chamados de superiores, portanto são chamados de "raças selvagens") tecnicamente os súcubos, íncubos e a maioria dos diabos são raças superiores, embora o preconceitos de outras raças façam muitos considera-los selvagens ou até abaixo das raças selvagens.
Se bem que nem tudo que é demônio de fato seja raça superior, pois é considerado demônio qualquer coisa que tenha saído dos Círculos Infernais, incluindo bestas demoníacas, que não são racionais. Tem também quem considere mortos-vivos como demônios, pois passariam a ser seres espirituais, e não mais materiais, mas aí o debate é longo e cheio de pontos de vistas.
Sendo assim, Piro foi o primeiro a reconhecer as maioria dos demônios como raça superior, e portanto digna dos mesmos direitos desde que obedecessem as mesmas leis. Esta cidadania é dada a todo demônio que tem ENCARNADO ou REENCARNADO em Fajr-Regno, bem como demônios ENCARNADOS ou REENCARNADOS em outros continentes mas que jurem respeitar as leis do continente.
PORÉM, nem todos os demônios ganham este título de "cidadão", e os que não recebem são chamados de ápatres, basicamente não tem direitos alguns e podem até ser caçados sem que isto cause problemas para quem os caça.
Entre os ápatres estão:
* raças demoníacas consideradas inferiores, como as bestas demoníacas, os mequetrefes, as harpias, os mortos-vivos (se forem considerados demônios, pois sendo ou não, não possuem direitos algum) os akil, entre outros.
* demônios TRANSPLANADOS ou TRANSMUTADOS (ou seja, não vieram ao plano material por encarnação ou reencarnação) podem fazer testes para ganhar cidadania, mas até passarem nestes testes são ápatres.
* demônios que voltem ao plano por ressurreição. Existem muitos dogmas quanto a ressurreição, e Piro é um dos que não a aprova muito.
* demônios que tenham sido exilados de Fajr-Regno. O exílio é ruim até pra humanos, mas para demônios é pior, pois passam a ser ápatres em qualquer lugar do mundo, e se um cidadão de Fajr-Regno matar um demônio exilado em qualquer lugar do mundo, não será considerado criminoso.
* demônios que adorem Ades. Piro não exige devoção forçada, assim qualquer raça superior, incluindo os demônios, é livre para adorar qualquer deus ou para não ser devoto de deus nenhum. Tanto que a maioria dos humanos e demônios em Fajr-Regno é ateu (no cenário ateu não necessariamente não acredita que os deuses existam, mas mesmo que acredite que existam, não são devotos de nenhum deles) e ser ateu não tira a cidadania de um demônio, mas adorar a Ades tira. Alguns demônios adoram (ou "devotam" caso alguns façam diferenciação) outros demônios ao invés de algum deus verdadeiro, e isto também pode fazê-los ser considerados ápatres, embora às vezes ocorram "vistas grossas".
* demônios que cometam heresias graves. Piro não exige devoção, mas também não tolera heresias graves. Porém definir o que é uma "heresia grave" não é algo tão simples, e quase nenhum demônio se torna ápatre por causa disto. Até porque, se alguém for julgado por heresia, mesmo não sendo demônio, normalmente é exilado ou morto. (Um exemplo de heresia grave é ser mercador de escravos, em muitas cidades de Fajr-Regno, matar ou torturar uma pessoa não é tão ruim quanto escraviza-la, embora durante a guerra estes conceitos possam ficar nebulosos).
Com os gajanos invadindo tanto a parte norte como partes do sul da cidade, demônio e híbridos perderam ainda mais liberdade, pois gajanos não se importam se demônios são ápatres ou cidadãos. Além disto, surgem boatos que alguns anjos estivessem "frequentando" a cidade e outros boatos que alguns estariam até ajudando os invasores. Como dito, Heséd é uma cidade de maioria absoluta de humanos, anjos que realmente morem ali são raríssimos, e se existirem mesmo (Andrias ainda nunca viu um anjo ao vivo) eles ficam no bairro sul.
Então, quando vai ao bairro sul, ele prefere usar roupas pesadas (sobretudo ou manto) e também um turbante para tentar disfarçar os chifres. Resolvido suas pendencias com os herbanários e boticários, Andrias volta até a base improvisada dos Izete.
Sua base verdadeira ficava perto do porto, e vocês tiveram que abandoná-la quando os gajanos tomaram o porto. Eles acabaram invadindo a base da Escola Izete também, difícil saber se destruíram tudo ou não. Agora o grupo usa algumas casas no norte da cidade, antes da barricada que foi feita, como base improvisada.
Como Andrias tinha despertado os dons da água e fogo, trabalhar na Escola Izete era vantajoso para ele, embora no começo tenha sido chamado pela Corrente mais por suas habilidades como enfermeiro mesmo. Estudando com ela e Caolain ele desenvolveu também dons para medicina e magia curativa.
A Corrente era uma mulher séria (o que contrastava com o resto dos membros), em dois anos Andrias ainda não sabia qual era a cor dos cabelos dela; Tinha um tom quase sempre "didático", mas não chegava ser antipática; Praticamente não bebia e também comia pouco; Vez ou outra participava de alguma comemoração do grupo, mas não costumava ficar muito tempo. Andrias também nunca ficara sabendo de qualquer "rolo" que ela tivesse, embora quando estivesse conversando com outras mulheres da Izete, não era incomum alguma soltar um comentário mais malicioso sobre algo, e Corrente rebater no mesmo tom, o que mostrava que não era uma religiosa assexuada, apenas muito discreta, e era a única mulher do grupo que nunca recebia comentários maldosos ou cantadas dos demais membros. De NENHUM deles.
Caoilain era a segunda melhor curacista, e tinha uma personalidade simpática, o que tornava fácil conviver com ela.
Solazar, Kito, Sibrah e Adrai formavam o grupo dos que tinham fogo como elemento principal. Não havia hostilidade (explicita pelo menos) entre os grupos de elementos diferentes, mas havia uma certa rivalidade (mal) velada. Kito era o mais confiante e meio estouradinho às vezes, se bem que Adrai também gostava de ganhar debates na base da porrada às vezes, já Solazar... bom, na verdade todos do grupo do fogo tinham a personalidade meio difícil (Caoilain os chamava de "cabeça de tocha"). Kito e Sibrah eventualmente chamavam Andrias para "tomar uma cachaça" e até se divertiam um pouco, mas não trocavam tantas ideias quando estavam sóbrios.
Bræno e Andrias eram os únicos machos que frequentavam aulas de cura, os demais até faziam uma ou outra aula de magia da água (Sibrah e Adrai tinham mais potencial), assim como as mulheres também frequentavam aulas de magia vermelha (Ag'Na e Daânavá eram as com maior potencial entre elas), mas em geral os machos tinham muito menos talento para serem curacistas. E Andrias era o único não-humano da Escola Izete na cidade.
Era uma escola nova, que foi fundada pouco antes das Guerras de Conquista e Reconquista começarem, e não era grande em Heséd, embora fosse bem grande em cidades como Mahijar e Jaraŝé. Nestas cidades, segundo A Corrente, haviam várias membros sereias na escola (tritões não tem nenhum conhecido, até porque eles se acham bons demais pra este tipo de escola) e até alguns híbridos, que eram minoria na escola, e demônios eram raríssimos, mas haviam histórias, quase lendas, de demônios que frequentaram a Escola Izete).
Chegando lá, A Corrente fala com Andrias que eles tinham recebido uma novata enquanto ele estava fora, que pediu ajuda para desbloquear suas energias.
- Pelo que ela diz, trata-se de uma Wanamko*. Ela conseguiu bloquear os próprios canais fazendo uma magia muito alta para seu nível, e além de tudo, inútil! Estes seguidores de Piro** tem uma impressionante vontade de fazer merda! Eu a testei no Elyn*** e até conseguimos ajudar seu fluxo. Estava cética, mas ela arece ter potencial.
* os wanamki são pessoas que desenvolvem magia de forma, ou tardia, ou sem controle, ou de forma súbita, e normalmente as três coisas, e que por isto podem causar muitos problemas quando despertam o dom, sendo que às vezes podem até se matar ou matar amigos sem querer usando magia.
** A Corrente, como professora e religiosa da Izete, se devotava aos dois deuses, e não deixava que heresias fossem faladas sobre nenhum deles. Maaas, ela era antes uma religiosa da Igreja Central, portanto mais devota de Jara que de Piro, e não era incomum entre os membros que adoravam mais à deusa ou mais ao deus darem pequenas alfinetadas uns nos outros, ou até pontuando algumas incoerências de dogmas ou tradições, algo inconcebível entre devotos de Anĝelina ou Tamuz.
*** Elyn é uma "pia" sagrada, usada por religiosos de Jara, mas às vezes usado também por curacistas (usamos o termo curacista para magos de cura, pra diferenciar de outros tipos de curandeiros ou outros tipos de magos) que não são religiosos, mas usam magia da água. O Elyn de verdade de vocês estava na base que foi tomada, tinha 2mX3m por 1,3m de profundidade e as bordas eram de mármore, um isolante mágico natural. O "Elyn" que vocês estavam usando atualmente não era mais do que uma banheira comum, mas era o que tinha.
- E onde está esta wanamko cabeça de água?
- Ela saiu com a Calin e o Breno. Como ela tem um semëk*, foram dar uma volta nele.
* Semëks são um tipo de lagarto gigante comum naquele local, às vezes usados até como montarias, mas Andrias deve conhecê-los mais no prato.
- Spoiler:
- Mm, seria interessante estudar esta Kate quando ela voltar.
- Sim, os outros gostaram. Não é sempre que temos um bloqueio energético desta proporção para estudar. (pausa longa) E você, o que pretende fazer, por agora?