Kalliope

Deja Vu: Novamente era puxada do mar por mãos que eram percebidas como em sonho
durante a sua febre você sonhava com uma velha chinesa que te alimentava com um chá amargo e uma massa gordurosa

você alucinava com ilhas mágicas e criaturas sobrenaturais, criaturas que novamente te impediram de se afogar e te entregaram a um outro navio pirata, um navio que estava prestes a pegar fogo novamente, a ser destruído pelos próprios canhões e cujos tesouros infinitos de seu bojo afundarão rápido pelo mar, dormir no meio de carcaças de baleias no fundo do oceano onde uma criatura te observa. A mesma criatura que não te deixou morrer ambas as vezes.

Conforme você melhorava da febre seus sonhos vão ficando menos nítidos e quando você já está forte o suficiente para falar você descobre que está em um vaso holandês sob o jugo de um capitão Belga chamado Herman
Eva a senhora que cuidava de você tinha os cabelos ralos e brancos e o corpo deformado pela idade, usava roupas vistosas de seda que serviriam mais em um prostíbulo que em um navio cheio de homens

Eva entra no pequeno quarto onde as redes baixas, tua e dela estão apertadas quase que uma do lado da outra e comenta

-Teus olhos estão brilhando novamente, você se sente melhor?

O mar era algo que fascinava Kalliope. Fascinava e a fazia temer, também. Desde pequena sua relação com ele era cheia de mistérios e tropeços... Mas algo ali, em sua profundidade desconhecida, gostava da pirata. O que era? Ela não sabia. O motivo? Ela não fazia ideia... Mas no mar ela não morria. Não em noites de guerra.

E lá estavam os sonhos de novo. Tão lúcidos. Todos os mistérios revelados, contados em seu ouvido em uma língua que ela jurava não conhecer. Era bom saber... Bom não temer... Bom sentir a consciência tão funda que poderia se afogar...

Só que, aos poucos, ela voltava. Cada palavra se tornando desconhecida de novo... Todos os mistérios fugindo de sua mente a medida que sua febre baixava e o espírito emergia do mar.

Não conhecia a mulher chinesa, mas tinha lembranças de ser cuidada por ela. Por que?

Assim que sentiu alguma força, tentou se levantar de uma vez, procurando a espada ou a arma em seu cinto. Estava de cinto? Onde estavam suas roupas?

“Merda”, se lembrou, estava em um navio que não era o de Jack.

- Eu to bem – falou, olhando em volta – Mais alguém foi salvo do mar? – sim... por favor sim...

você está sem teus pertences, usando apenas uma túnica curta de tecido grosseiro

- Ningúem mais foi resgatado do mar Kalliope, você estava boiando sozinha, com um corte que deveria ter te matado ou atraído tubarões mas nenhum sinal de ninguém, nem do madeirame do navio que deveria estar te carregando, os homens dizem que um fantasma te trouxe a bordo, que você é uma bruxa

ela diz enquanto segue até um baú e retira de lá tuas roupas, inclusive a blusa colorida que você estava vestindo e que apresenta-se com um grande rasgo nas costas e outro menor logo abaixo de teu seio esquerdo

- Você poderia ter morrido e não morreu, muito estranho, muita sorte ter você no navio hoje.... (ela faz uma pausa pensando).... hoje não vai ser um bom dia

A pirata se sentia praticamente nua diante a chinesa. Sem suas roupas, suas armas, suas lembranças. Quem sabe o que aquele navio queria com ela?

Quando ouviu sobre o corte, pousou a mão sobre o local onde ele devia estar. Se lembrava da dor, de ser rasgada. Ergueu a túnica, não acreditando que estava mesmo viva depois daquilo.

- Um fantasma e uma bruxa? – deu um sorriso um pouco cínico –  E ainda me mantiveram aqui? – estalou os lábios – Provavelmente tive apenas sorte.  O mar não mata bons navegantes atoa – queria acreditar mesmo naquilo. Apesar de boa parte da tripulação de Sem Dentes ser nojenta, Jack e Sarah eram bons demais no que faziam pra morrer.

- Onde nós estamos? Eu gostaria de falar com o capitão, se possível – e se levanta, feliz em ver as roupas, analisando a blusa cortadas  - Minhas armas? – a parte mais importante.

Começou a enfiar as calças, enquanto ouvia a mulher.

- Por que hoje não vai ser um bom dia? – perguntou, curiosa. Dias ruins não eram raros, mas ruins o suficiente pra considerarem sorte ter ela a bordo era, no mínimo, curioso.

Kalliope tinha uma certa razão em se sentir desconfortável diante da chinesa, ela levou os olhos mais de uma vez ao corpo da pirata embora aparentemente não tenha feito nada nem falado nada de agressivo a maneira que a chinesa à olhava era realmente desconfortável.

Olhando sua cicatriz ela nota que o corte horizontal próximo ao seio esquerdo parece grande e grave, e ao tocar as costas você nota que a ferida por onde entrou a espada está inchada e dolorida também.

Sobre o teu comentário sobre o mar não matar bons navegantes ela responde:
-O mar devora quem ele deseja, os bons e os ruins, quem decide o o destino no mar são os Deuses, hoje não será um bom dia mesmo, eu não falaria agora com o capitão, mas ele está na cabine ao lado, não dê as costas à tripulação, aliás não vire as costas para ninguém

Apesar da chinesa ter ignorado 95% de suas falas, era o olhar dela que incomodava a pirata. Não entendia exatamente o que aqueles olhos queriam dizer e, na situação em que estava, isso não era bom. “Se a velha tiver querendo meu corpo, pelo menos, posso conseguir uma aliada fácil, no futuro”, pensou, enquanto botava as calças.

Logo fez uma careta ao tocar a cicatriz. Estava bem menos pior do que deveria, mas ainda sim estava dolorida. “Pelo menos quem nos atacou não usava veneno na espada. Pode ter sido minha sorte”, pensou. Jack tinha ensinado um truque ou dois pra batalhas difíceis... Veneno era sujo, mas às vezes necessário.

- Bom, então devo ter algo importante ainda em meu destino, pros deuses me pouparem – Kallie acreditava em muita coisa, aquilo não era deboche. Talvez só tivesse uma visão um pouco diferente. Assentiu sobre não dar as costas à tripulação.

Pegou sua blusa também, tirando a túnica sem pudores, observando a reação da chinesa. Sem virar as costas pra ela.  Logo começou a abotoar a blusa e procurou suas armas novamente. Caso não encontrasse, insistiria – Minhas armas? – não gostava de se sentir desprotegida. Queria acreditar que estava entre amigos, mas era desconfiada demais pra isso. Nem toda prisão era bondosa como a de Jack. Caso encontrasse, iria apenas colocá-las em seu lugar no cinto.

- De toda forma, obrigada por cuidar de mim. - Quando saísse daquele quarto decidiria o que fazer.

A chinesa dá de ombros para boa parte do que você fala, e ao entregar seu cinto com a pistola, a grande adaga e a espada ela te diz:
-Sua pólvora está úmida, talvez ela demore a pegar fogo, e mesmo assim uma única bala não te protegerá de todo um navio amotinado. Meus cômodos estarão sempre abertos para você, sempre haverá um espaço quente, mesmo que seja apertado perto do fogareiro.

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Você sai do quarto em um corredor muito apertado e baixo, 4 outras portas se encontram fechadas (duas na mesma parede que está o quarto da chinesa, uma ao final do corredor e uma mais larga na parede oposta bem de frente ao seu quarto. e à sua direita você vê o convés do navio iluminado pelo sol. Algumas pessoas se encontram paradas próximas ao castelo* em silêncio

*castelo é a estrutura interna superior à água de um navio de guerra, onde fica a cabine do comandante e os alojamentos das pessoas mais influentes

após a fala da chinesa você nota que ela desvia muito rapidamente os olhos para o próprio fogareiro aceso

Kalliope olha a arma e as lâminas, abrindo um sorriso como se fossem suas amigas. Amarrou o cinto, estreitando os olhos com as primeiras palavras da mulher – Um navio amotinado? É essa a situação dessa embarcação? – bom, talvez fosse até uma vantagem. Precisava analisar melhor a situação... Mas isso explicava a questão do humor do capitão. Logo deu um sorriso de canto, olhando a chinesa de cima a baixo. – Não é só fogo que pode deixar corpos quentes, no fim. De toda forma, agradeço – colocou o chapéu, fazendo um cumprimento. Era bom saber que tinha onde descansar de forma “segura”.

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Ao sair, observa o corredor. Passa a mão na madeira das paredes, sente o cheiro do ar. Então anda devagar, passando pelas portas e parando diante da que a Chinesa havia dito ser do capitão. Não bate, no entanto. Se ia falar com um capitão mal-humorado era melhor ver a situação que o navio dele se encontrava primeiro.

Com a mão apoiada no cabo da espada, seguiu o rumo pelo corredor, calma, os olhos atentos ao que vinha à frente e os ouvidos ao que pudesse vir atrás. Iria seguir até a fonte de conversas mais próximas... Possivelmente em direção ao convés.  

 Você sai para o convés onde o sol queima teus olhos que demoram a se acostumar
Um grupo mal encarado parecia estar caminhando na direção da cabine do capitão e como você está saindo de lá a impressão que te passa é que você estava com ele

Eles te encaram feio porém um chinês bem vestido que está ao lado do timoneiro que sorri olhando na tua direção grita para você:

- Ei moça! Aqui de cima o vento é mais refrescante! Sem contar que balança menos!

Ele fala em um inglês muito bom

A pirata coloca uma das mãos acima dos olhos, quando o sol machuca os olhos. Há quanto tempo estava sem ver a luz? Nem imaginava. Deixou as pupilas se adaptarem antes de terminar de subir as escadas.

Era bom sentir o cheiro do mar, puro, sem a fedentina lá de baixo. Pensou que, se olhasse em volta, poderia ver Jack e sua tripulação... E que a velha estava só mentindo... Mas, bem, a vida não era um conto de fadas. Nunca foi.

Despertou do pequeno devaneio ao ver o grupo que caminhava para a direção que ela estava saindo. Todos olhando pra ela como se fosse algo exótico (pra não dizer um adjetivo pior).

“Qual deles vai falar primeiro?”, pensou. Homens sempre gostavam de ter a primeira palavra. Pelo menos a fala não tinha sido sobre o papel de uma mulher num barco. Era um avanço.

Pousou a mão no cabo da espada, sem tentar ser discreta no ato, andando calmamente em direção a eles.

- Tem medo do balanço do mar? Devia estar em terra então – ela deu um meio sorriso, observando a reação do rapaz. Cumprimentou o grupo com um aceno de cabeça pra cada – Sou Kalliope, aliás. Imagino que já ouviram falar. Mas as pessoas aumentam as histórias de quase morte. Você é? – perguntou ao chinês, que tinha falado com ela primeiro. Talvez fosse alguém que já tinha cruzado seu caminho, em algum momento... Ou não. Talvez fosse melhor não.