Floresta encantada heleonora
Tudo era silêncio. Tudo era escuridão. Porém, lá do fundo da minha mente veio o sussurro urgente: “acorde Heleonora! Abra os olhos!”. Obedeci.
A primeira coisa que vi foi o céu. Ele não era claro, pontilhado de nuvens e não mostrava o sol que castigava todas as superfícies as quais tocava. Não, este céu mostrava a noite. Igualmente linda, com estrelas brilhando parecendo joias inalcançáveis.
Me perguntei porquanto tempo teria ficado desmaiada, já que era de noite. Rapidamente me levantei e olhei em volta percebendo só então que estava em um lugar absolutamente diferente. Nada de Lago, campos ou Melian.
Porém, as árvores ao meu redor eram frondosas e belas de uma forma que não pude descrever. O lugar inteiro emanava magia, isso eu conseguia sentir sem dúvidas.
Percebi, ao caminhar pela clareira, que minhas vestes eram também outras. Não mais o tecido grosso e prático feito para o trabalho no campo. Mas sim umas roupas finas que eu só vira em pessoas abastadas. Daquelas que passavam por vezes no bar e estalagem na beira da estrada de Upsala.
Então ouvi a voz de Idun mais uma vez, aquela voz tão minha conhecida. Ela me explicou os motivos de eu estar ali. Algo sobre aprender a distinguir as magias do bem e do mau. Sobre crescer e ter controle do poder que ela me emprestava.
Eu aprenderia com outros que já sabiam usar corretamente tais poderes grandiosos. Eu quis perguntar sobre Melian, já que ele fora mencionado, porém imaginei que ela não ia ter muita paciência para as minhas questões amorosas com o elfo.
Uma coisa me deixou intrigada: o meu amado trazia um artefato que me tirou as energias com tanta facilidade. Por que justamente ele tinha esse objeto? Será que as promessas dele seriam mentiras?
Não era hora de me preocupar com isso.
Eu tinha muito pra absorver das criaturas daquela floresta maravilhosa e não podia ficar ali parada me fazendo milhões de perguntas que não teriam resposta.
Comecei a caminhar na direção do arvoredo, penetrei pela mata me sentindo empolgada e assustada ao mesmo tempo. O som de asas batendo bem acima da minha cabeça me chamou a atenção.
— Norinha, olha pra cima!
Olhei, não havia nada além da camada de folhas densas me impedindo de ver as estrelas.
Ouvi uma risada cheia de deboche. Não entendi que brincadeira era aquela.
Mais adiante cheguei em outra clareira. Dela fluía uma luz tão bonita e suave!
— Seja bem vinda, Heleonora, sou Magnólia — apresentou-se a luz falando no mesmo tom sussurrante e magnético da deusa. — Estou aqui para te ajudar a identificar a boa magia. Não é algo fácil.
Parei abruptamente, precisava me acostumar com aquele tipo de aparição. Encarei a luz e percebi nesse momento que ela tinha uma silhueta.
Não pude ver detalhes de sua aparência, mas com certeza tratava-se de uma jovem. Uma jovem feita puramente de luz!
— Veja querida, o primeiro passo é olhar, os olhos dizem muito sobre o que sentimos — ela começou, pisando de leve nas folhas secas no chão. Seus passos quase não faziam barulho.
Acenei concordando com suas palavras.
— Você pode usar um tom de voz amigável ao falar com alguém que não gosta, pode ter gestos convidativos, pode sorrir, porém seus olhos geralmente vão demonstrar seu interesse, ou a falta dele.
— Está me dizendo, senhora Magnólia, que basta eu olhar para a pessoa que já poderei determinar suas intenções?
Ela riu, um som angelical e contagiante.
— Não, criança, eu disse que este é apenas o primeiro passo. Analise o olhar, depois, seu coração poderá
Sentir quais as possíveis intenções.
Acenei concordando, me perguntando se isso funcionaria na vida real.
— Se duvida, teste comigo — ela propôs e a luz banhou a clareira com mais intensidade.
Procurei os olhos da fada, mas era difícil ver seus traços, a fisionomia dela me escapava.
— Concentre-se querida, vamos! Você consegue.
Tentei outra vez. De repente, lá estavam eles, os olhos azuis como o céu de Upsala quando deixei minha vila para trás.
Eu vi bondade, alegria, sabedoria, vi uma imensa vontade de ajudar e uma conexão profunda com a própria floresta. Não, com certeza Magnólia nunca me machucaria.
— Perfeito! — ela comemorou e a luz se precipitou em minha direção.
Ser abraçada por uma fada é como estar dentro do abraço de quem você mais ama. Fechei os olhos e ela disse baixinho.
— Siga em sua jornada, este foi o começo, criança.
Abri os olhos e por um instante pude vê-la por completo. Magnólia tinha longos cabelos escuros como a noite, caindo pelas costas como um manto magnífico. Era alta, talvez um metro e oitenta, usava vestes florais que mudavam as imagens a cada segundo. Registrei uma paisagem de primavera, com as flores favoritas da minha mãe.
Precisei seguir em frente, agora havia uma trilha e achei por bem seguir por ela.
Fui dar em um rio de águas tranquilas e saí debaixo da proteção das árvores.
— Olá senhorita Heleonora, estou muito satisfeito por finalmente conhecê-la.
A voz que me saudou era profunda, potente e masculina. Olhei em volta tentando identificar o dono, mas não o percebi em parte alguma.
— Vim lhe ensinar sobre controle. Eu sou uma criatura antiquíssima que vive sob o poder dos oceanos.
— Parece difícil.
— De fato, mas eu vivo e sobrevivo a três séculos. Conte-me, o que lhe aconteceria se o poder da deusa fosse demais para você?
— Imagino — comecei, refletindo sobre a pergunta. — Que eu iria sucumbir?
Esse era o meu maior medo. Eu era uma humana normal, meio maluca por um elfo mágico, não tinha nada de especial dentro de mim.
— Você está errada. A capacidade de controlar o poder de Idum está aí no seu interior, você só tem que encontrá-la.
— E se eu não conseguir? — perguntei encarando as águas calmas à minha frente.
— Te darei uma demonstração.
Foi como estar debaixo de pedras, dessas usadas para construir os templos, pedras maciças, imponentes, impossíveis de mover sozinha.
— Este é o peso do poder, se você não o controlar, senhorita Heleonora, ele a esmagará. Não desejo assustá-la, mas você precisa compreender o quanto seus atos são importantes.
Fechei os olhos e pensei em Idum. Era conectada com a natureza e todas as coisas vivas. Pedras faziam parte da natureza, então, sem pressa comecei a erguer um dos braços devagar.
As pedras deslizaram com certa resistência para longe. Repeti o processo sempre pensando que eu queria apenas sair do meio delas, nada mais que isso.
Meus dedos sentiram o ar frio da noite e devagar, muito devagarinho, fui emergindo do tal aglomerado de pedras.
Notei então que o ar era mais denso e pesado, espere. Não era o ar, era água!
Tratei de prender a respiração e bati braços e pernas ritmadamente tentando nadar.
Em minha mente, o meu “professor” me incentivava a continuar lutando.
Minha cabeça surgiu na superfície e me vi próxima da margem do rio, onde pouco tempo antes eu estivera em pé.
Nadei para lá e me icei para a borda do rio. Me deitei no chão descansando e agradecendo a Idum pelo ar fresco e revigorante.
— Muito bem, senhorita Heleonora, você está aprendendo depressa. Agora foque em controlar o poder e não deixe jamais que ele a consuma.
Fiquei olhando o rio esperando ver o dono da voz ao despedir-se de mim. Mas ele não apareceu.
De repente algo atingiu minha testa com força.
— Ai!
Levei a mão ao local e massageei um instante.
— Doeu foi? Ah, você aguenta! Ou não.
A voz debochada outra vez! Me sentei e olhei ao redor irritada.
— Ei Mag, ei Coral, será que ela vai desmaiar de novo quando eu aparecer pra ela?
— Quem é você!
— Foi tão patético você toda apaixonada caindo de costas na grama ao tentar beijar seu namorado elfo! Ai como eu ri! Devo ter perdido umas cinco ou seis penas no processo.
— Me deixe em paz!
Me levantei e voltei para dentro da mata fechada. O som das asas me acompanhou.
— Eu vou te ensinar, garotinha, sobre a magia maléfica, porque ela existe e vai tentar acabar com você.
Eu queria muito dar uma resposta mau criada. Mas não podia. Idum esperava muito de mim, eu só poderia provar a ela que eu era alguém diferente, se agisse de forma diferente do que eu realmente desejava.
— Ok, me ensine então.
Parei de andar, fui até a árvore mais próxima, me recostei nela e cruzei os braços.
— Assim que eu gosto, aluno meu tem que andar na linha!
As asas bateram por um longo tempo, até que no galho da árvore em frente havia o pássaro mais belo que eu já vira na vida.
As penas eram douradas e vermelhas, me pareciam só de olhar que teriam uma textura macia e fina, oh, seriam as penas mais delicadas e graciosas! Os olhos do pássaro eram escuros e o bico razoavelmente longo era do mesmo tom dourado.
— Você é lindo! — falei com surpresa.
— A magia obscura é bela, sua ingênua — ele observou com olhar de superioridade. — Ela vem dentro de invólucros interessantes, as vezes tem cabelos prateados, olhos que hipnotizam, pode até tocar uma flauta como ninguém.
— Pode deixar Melian fora do seu discursinho fajuto?
A risada cortante do pássaro foi como um chicote em meu peito.
— Você confia tanto em um ser que viu duas vezes? Seja mais esperta, menina — ele se sacudiu como se fosse ajeitar as próprias penas. — Confiança não é um presente imediato. Ela deve ser conquistada.
Eu sabia que ele estava certo. Mas não ia admitir isso de jeito nenhum!
— Outro ponto negativo, você se deixa levar muito pelo que dizem, eu te chamei uma vez dos céus e você olhou na primeira oportunidade! Minha tolinha, devia ter me ignorado. Você não sabia se todas as criaturas aqui seriam bondosas.
— Certo, tem mais?
— Tenho uma lista enorme! Mas, vamos ficar com a semente da dúvida, tome cuidado com seu querido Melian.
Ele saltou com graça para o vazio entre nós, bateu as asas furiosamente subindo no ar e vindo em minha direção. Eu não tive tempo de reagir, fiquei lá parada como uma estátua estúpida enquanto ele voou por cima da minha cabeça e roçava suas garras em meus cabelos.
Como ele deve ter saboreado o olhar de pavor em meu rosto! Tenho certeza que se deleitou, porque ouvi sua risada debochada se perder no ar frio da noite.
As noites seguintes foram tão excepcionais quanto a primeira.
Eu vi as folhas das árvores mudarem de cor, caírem e outras nascerem nos galhos frondosos ao meu redor. Descobri que Magnólia sabia o nome de todas as estrelas do céu e ela tentou me contar quais eram. Como se eu fosse capaz de me lembrar de todas.
Tive muitas outras seções de preparação com o sr. Coral, ele morava no fundo do rio e dizia que não pertencia àquele lugar. Segundo ele, corais nasciam apenas no mar e não nos rios. Não sabia se ele estava certo, mas resolvi confiar que era verdade.
Quanto ao pássaro dourado, ele continuou me atormentando o quanto podia, me provocava, me recordava das minhas falhas, listava meus defeitos e ria de mim o tempo todo. Porém, com o tempo, até entendi sua utilidade. Embora me irritasse profundamente.
Porém, tudo que é agradável uma hora precisa terminar. E numa dessas noites calmas e agradáveis, ouvi a voz de Idum me chamando para voltar para casa. Corri para a clareira de Magnólia e a gradeci pela paciência e ensinamentos.
Fui até o rio do sr. Coral e me despedi dele, ouvindo sua familiar voz cheia de palavras formais. Como eu ia sentir falta dele!
Porém, não encontrei o pássaro em parte alguma, portanto voltei para o ponto inicial sem dar um adeus para a criatura antipática.
Eu sabia que muitas surpresas, armadilhas, sonhos e grandes responsabilidades me esperavam lá fora. Eu já sentia saudade de casa também, então me apressei no caminho de volta.
Tanta pressa que não vi um tronco de árvore à frente e tropecei, rolando para dentro da clareira onde cheguei na floresta.
A risada alta e debochada me acompanhou enquanto eu me posicionava e Idum me banhava com uma luz arroxeada e tudo desaparecia.
Me vi em instantes em um dos meus conhecidos campos perto de casa. Suspirei e olhei em volta tentando me localizar melhor. Era hora de ser mais forte, mais esperta e mais madura.
“Agora você entendeu, criança”, a voz satisfeita da deusa falou em minha mente. “Estamos juntas nisso”.
Caminhei para casa feliz por estar de volta.