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    Mensagem por Pallando Sáb 2 Mar - 15:34

    INTRODUÇÃO:
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    22 de Fevereiro de 2107
    Värmland, Suécia. Fronteira Noruega–Suécia

    O barulho do primeiro disparo rasgou os sutis sons da vida animal e das folhagens como um estrondoso trovão surgindo de surpresa em um céu limpo. Depois houve um curtíssimo instante de silêncio, tempo que poderia ser usado para que todos assimilassem minimamente o perigo, e terminou interrompido por um segundo disparo, um terceiro e um quarto. Em poucos segundos parecia haver uma guerra acontecendo poucos quilômetros abaixo na direção da represa hidrelétrica, e logo ouvia-se com mais clareza os sons dos animais correndo na direção oposta a dos tiros e os pássaros levantando voo das árvores rumo aos céus, mesmo que não fossem os alvos dos tiros.

    No topo da colina floresta adentro, consideravelmente distante do conflito que se desenrolava na represa, Flora testemunhava o inicio de um acontecimento que poderia ter diversas consequências preocupantes para um número massivo de pessoas.


    A represa hidrelétrica em questão era a fronteiriça Grand Källa, ponto central daquela que atualmente era a condição de maior tensão no país e região, envolvendo também cidadãos de outras nacionalidades. Com inicio há apenas algumas semanas atrás, toda a situação foi desencadeada pela ocupação da represa por forças terroristas/rebeldes e a tomada de sessenta e oito reféns em um primeiro momento. A ação interrompeu a geração de energia para cidades e vilarejos da área em forma de protesto contra a presença da Kroton Group em alguns locais da região. A exigência era uma ação por parte do governo Sueco para cessar as atividades da organização estrangeira por ali, alegando abusos por partes destes. A situação logo se tornou um pesadelo politico para o governo que sofria com pressão da Kroton Group e associados para que a situação fosse resolvida rapidamente, e do outro lado havia a pressão da população que certamente reagiria caso as vidas dos reféns não fossem priorizadas.

    Alguns dias atrás, a primeira escalada dessa tensão ocorreu por conta de uma tentativa fracassada de retomar a represa realizada por forças mercenárias da Kroton Group, que agiram militarmente e sem autorização naquele ponto que era fronteira entre Suécia e Noruega. A ação, principalmente por ter fracassado, piorou em muito a situação e dividiu fortemente a opinião popular. Em resposta a isso, apenas três dias atrás o grupo terrorista agiu tomando mais reféns nas proximidades da floresta do lado Sueco da fronteira. O problema é que entre esses novos reféns, muitos eram jornalistas cidadãos de outros países do mundo, o que deu ao conflito contornos internacionais.


    Agora, na manhã daquele dia frio e com ventos fortes, o conflito parecia finalmente ter estourado e sido levado ao seu ápice. Os detalhes sobre o que havia causado isso ainda eram incertos uma vez que as narrativas só seriam divulgadas após o fim de tudo, mas era sabido que, de acordo com notificações oficiais do governo na última noite, os terroristas planejavam começar a execução de reféns. E essa era a justificativa mais plausível para a ação militar que estava acontecendo naquele momento por parte das forças suecas em conjunto com a Kroton Group, contra os terroristas que tinham reféns na represa.

    Em jogo estavam várias vidas humanas, a geração de energia para milhares de pessoas, a opinião pública e internacional, mas também a própria existência da represa, que caso fosse comprometida poderia causar um desastre ambiental sem precedentes.


    ______________
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    Mensagem por ayana Seg 4 Mar - 11:35

    Flora
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    Acordei melancólica, pensando em comida. Mais um dia se inicia e novamente estou sozinha na floresta. Sozinha quer dizer sem a companhia de alguém da minha espécie… se bem que, tecnicamente, não me restando nem sequer os ossos, não deveria mais me considerar humana. Se fosse, estaria agora sentada à longa mesa do refeitório da Eternal Spring, compartilhando o café da manhã com meus irmãos e irmãs. Lembro-me do aroma do café e das rosquinhas de canela e, estranhamente, começo a salivar. Sem perceber, estou absorvendo água que se acumula em minha boca. Em meus pensamentos, ouço a oração que antecede cada refeição. O ritual sagrado de partilhar os alimentos na seita agora me parece bem estranho, pois minha subsistência vem da terra, da água, do ar, da luz do sol e dos deuses da natureza.

    Sendo eu mesma uma deusa, pelo que dizem, não deveria me sentir assim. Essa tristeza me abater só porque nunca mais vou comer um kanelbulle com café? Que grande bobagem! Já deveria estar habituada à perda de tantos prazeres desde que perdi meu corpo. A todo o momento, sinto ao meu redor o que deveria me abater de verdade: a miséria de todos os seres vivos da Terra, principalmente das crianças que não tem o que comer.

    Nesse mundo, eu tenho lutado tanto… e perdido tanto… é por isso que deveria me lamentar. E não por muito tempo, porque há muito trabalho a fazer.

    Eu me sento no chão, com as pernas contraídas, os joelhos na altura do peito e as palmas das mãos em contato com o solo. De olhos fechados, quando não consigo mais determinar os limites do meu corpo, abaixo a cabeça e começo a rezar.

    “Ó minha grande Mãe, de quem todas as vidas emanam,
    Conceda-me a força das montanhas inabaláveis,
    A resiliência das correntes que esculpem a terra,
    E a ternura da brisa que acaricia a folhagem.
    Que eu seja o escudo dos fracos, a voz dos mudos,
    E a protetora de todos os seres sob o vasto céu.
    Em cada passo, que eu semeie esperança,
    E que meu coração seja o solo fértil para a compaixão renascer.”


    A natureza me fornece mais energia, mas ainda assim, continuo me sentindo meio desolada. Talvez fosse um presságio do conflito no qual eu me envolveria. Bastou o primeiro disparo de uma arma de fogo para todos os meus elementos sensoriais se deslocarem até a região onde homens optavam por se aniquilar. De novo e de novo. Isso nunca terá fim, enquanto estiverem aqui. Sim, mas algo me perturba. Minhas raízes se contraem, a seiva fluindo mais devagar como se ficasse mais espessa. Quando me dou conta…

    “Minha Mãe, não me deixe desamparada”, penso com o olhar fixo no sol que se levanta.

    Eles estão na região de uma enorme hidrelétrica e os desfechos mais devastadores possíveis se manifestam em cenas curtas em meus pensamentos. Eu me concentro no mapeamento geográfico e uso meus poderes telepáticos para orientar os animais a buscarem refúgio do lado superior da barragem, ao redor do reservatório. Para aqueles que se encontram mais afastados, tento direcioná-los para regiões suficientemente altas que não seriam atingidas pela água caso a barragem se rompesse.

    Em seguida, preciso lidar com os seres humanos.

    “Realmente, não quero ser como eles”, penso, enquanto meus olhos passeiam das minhas mãos para o céu gélido, para as copas das árvores e encontram-se com uma aranha me encarando com seus quatro olhos azuis.

    Não sei o que fazer.

    Nunca consegui entendê-los direito. Enquanto minha vontade era me conectar com plantas e animais, eles me enchiam de trabalho. Eu precisava “apenas” recuperar tudo que eles destruíam, em geral, orientados por decisões políticas e econômicas. Eu realmente não consigo entender por que sempre escolhem o caminho da própria extinção. Por isso, deixo essas questões relacionadas ao poder para os líderes da seita. Estou sim disposta a ajudar a humanidade, apenas me diga o que fazer.

    Ok, só que agora estou aqui sozinha e preciso tomar uma decisão.

    Se eu não estiver muito desatualizada, um grupo rebelde ocupou a hidrelétrica Grand Källa, interrompeu o fornecimento de energia e mantém dezenas de pessoas como reféns. Eles exigem que um grupo privado apoiado pelo governo deixe de atuar na região. Tenho bons motivos para não confiar em nenhum lado e, sabendo tão pouco, prefiro me manter neutra. É a minha primeira decisão. A segunda eu sempre soube, mas acabei me distraindo: preciso preservar a vida em todas as suas formas.

    “Minha Mãe, guie meus pensamentos para que eu aja com justiça e amor.”

    Meu corpo se desfaz, deixando no ar uma fina coluna de poeira. Uma vez engolida pela terra, eu mentalizo exatamente o local onde quero me reconstruir, neste caso perto o suficiente do conflito, mas sem correr o risco de ser vista pelos envolvidos, ou atingida por balas perdidas. Em seguida, estabeleço uma conexão mais profunda com o ambiente e vou me expandindo até identificar com precisão onde cada homem se encontra. Tento diferenciar combatentes e reféns, colocando no primeiro grupo aqueles que me deixam em dúvida.

    Para a próxima etapa, fico de joelhos e levo minhas duas mãos no peito, onde antes podia sentir meu coração.

    “Espíritos ancestrais, que regem os céus e a terra,
    Ouçam meu clamor por serenidade no coração dos homens.
    Que a compaixão triunfe sobre o ódio,
    Que o diálogo prevaleça sobre o disparo,
    Que o amor à vida guie nossos caminhos em união”


    Ao abrir os olhos, também abro um sorriso. Margaridas cresceram ao meu redor nos breves segundos de minha oração. Sinceramente, não sei o que significam, mas quero acreditar que sejam um sinal de aprovação dos deuses do céu e da terra. Quem sabe até o reconhecimento de minha mãe.

    Estou no caminho certo, sei que estou. Inclino meu corpo para frente, encosto minhas mãos no chão, puxo o ar ao meu redor com todo meu corpo. Dentro de mim, cultivo uma fome insaciável. Ao cravar os dedos na terra, ativo meu poder de absorção. Meu objetivo é drenar a energia vital dos combatentes que identifiquei, apenas o suficiente para incapacitá-los de portar uma arma.
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    Mensagem por Pallando Qua 13 Mar - 22:06

    Flora ressurgiu por entre algumas árvores no começo de um declive na floresta, longe o suficiente do conflito que se desenrolava vários metros a frente para não ser percebida pelos combatentes, mas também perto o suficiente para que pudesse testemunhar com seus próprios olhos a violência descontrolada. Agora conseguia ouvir as vozes dos soldados que estavam tentando entrar na represa, escondidos atrás de carros militares e barricadas improvisadas enquanto trocavam tiros com os terroristas que se escondiam por trás paredes e maquinarias ao fundo na entrada. Eles ameaçavam, xingavam e resmungavam contra seus inimigos, com seus aliados e consigo mesmos. O conflito mal havia começado mas já haviam dois mortos no chão, e aquilo era apenas um dos confrontos acontecendo, visto que também havia outro grupo militar do outro lado da fronteira e algumas unidades que haviam conseguido pousar na parte de cima da represa.

    Ao se conectar diretamente com o ambiente que os cercava, a heroína foi capaz de sentir a presença de cada um dos envolvidos como se fosse o próprio solo embaixo deles. Eles eram muitos daquele lado da represa, sendo que provavelmente a grande maioria eram soldados da Kroton Group ou agentes de unidades especiais do próprio governo, enquanto as forças terroristas deviam estar em menor número e contavam com a vantagem de precisarem apenas defender sua posição.

    E então, ao se inclinar ao chão e levar suas mãos para a terra como se fosse enraizá-las, a filha de Gaia finalmente interveio no conflito com um de seus vários dons. A absorção alcançou cada um dos presentes naquela área — todos os que haviam sido sentidos anteriormente — e levou de seus corpos uma boa parte da própria energia vital que possuíam. De um momento para o outro, o barulho frenético dos tiros começou a parar quase como se os dois lados tivessem acordado um cessar fogo, e em alguns segundos os únicos sons de conflito ouvidos eram os que vinham de bem longe, do outro lado da fronteira. Os terroristas sumiram de vista caindo onde estavam e os soldados da Kroton fraquejaram e despencaram logo atrás de seus automóveis e barricadas.


    - O q-que.. diabos... o que diabos está acontecendo aqui?!! - Tentou berrar um dos soldados da Kroton Group. Era um homem grande de rosto barbado que parecia exercer uma função de liderança entre os seus, mas sua voz saiu fraca e sem fôlego, exatamente como sairia se tivesse acabado de correr uma longa maratona até o corpo falhar.

    No fim da ação de Flora, haviam poucos soldados que ainda tentavam se manter de pé e alguns que até tentavam manter-se apontando as armas na direção dos inimigos, mas sem sucesso nenhum. Todos aqueles que a heroína havia detectado naquela área estavam no chão, capazes apenas de falar. E mais uma vez, tirando apenas alguns resmungos confusos, o silêncio reinou por ali.


    FLORA JWjWTX9
    Grand Källa - Entrada Principal, lado Sueco da fronteira

    O caminho para dentro da represa se encontrava livre, mas pouco era possível saber sobre como era a situação do outro lado da represa ou no topo da estrutura. Muito menos sabia-se sobre o estado dos reféns. O que era possível saber devido ao pequeno número de vigias na entrada e o fato de a mesma não bloqueada, era que os terroristas pareciam não estar preparados contra a ação militar daquela manhã.
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    Mensagem por ayana Qua 20 Mar - 16:58

    Flora
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    Sem qualquer dificuldade, absorvo a energia vital dos homens em guerra. Embora significativa, não é nada comparado à energia do sol dessa manhã de inverno, da água represada pela barragem fechada, dos milhares de pinheiros e abetos com trinta, quarenta metros de altura. Como as pequenas criaturas que são, sua energia não me deixa mais poderosa, mas ao fluir por todo meu corpo, me sinto envolvida por uma sensação quente e agradável como um abraço. A intensidade é bem maior, não apenas porque extraio de várias fontes, como também não dou nada em troca. A energia é toda minha. É o meu prazer. E por um instante, sinto um desejo enorme de absorver mais desse calor humano. Nunca quis me sentir como uma deusa e mais do que nunca quero me sentir humana mais uma vez.

    À beira do excesso, pela graça de minha Mãe, encontro forças para me conter.

    Existe uma linha tênue entre o necessário e o esgotamento, entre o golpe que os mantém no chão e o golpe que os deixaria enterrados. Se eu me excedesse, não haveria perdão pela segunda vez. Ainda assim, peço perdão. Peço perdão por meus anseios mais sombrios, por desejar mais do que deveria. E isso é tudo. Não me deixo levar por culpa ou arrependimentos porque preciso me concentrar no trabalho.

    Por um breve momento, contemplo o silêncio resultante da minha imposição por um cessar-fogo. Infelizmente, ainda muito precário e restrito, pois logo chegam até mim os sons de outro conflito se desenrolando do outro lado da fronteira. Eu respiro fundo para suportar mais responsabilidades nas minhas costas. Quer dizer que, dependendo da minha intervenção, eu também posso desencadear uma crise diplomática.

    “Talvez eu não seja a heroína que eles precisam, mas sou a que está disponível”, penso tentando me consolar com antecedência, ainda mais considerando que minha missão imediata - resgatar os reféns - não carrega todas as nuances éticas e morais de dois grupos armados disputando o poder.

    Como não consegui localizar os reféns por minhas ramificações com a natureza, só me resta procurá-los dentro da hidrelétrica. Se tenho de entrar lá, numa estrutura de metal e concreto, prefiro não ir sozinha. Inicio minha procura por companhia pelos ruídos espalhados pelo vento, silenciando em minha mente todos aqueles emitidos por humanos e seus equipamentos. Em questão de segundos, minha atenção é atraída para baixo, para algumas vespas coletando o néctar das margaridas cultivadas por minha oração. Uma aliança inesperada. Eu me aproximo ainda mais delas, encaixando meu corpo sentado no chão de pernas cruzadas sem dobrar o caule de nenhuma flor. Telepaticamente, eu as cumprimento:

    “Bom dia, minhas irmãzinhas de asas cintilantes! Hoje, mais do que nunca, vou precisar muito de sua ajuda”.

    Na verdade, preciso de muitas delas. Envio um chamado telepático que se propaga até os ninhos de vespas, encontrando algumas destinatárias pelo caminho. Eu as recebo de braços abertos enquanto faço crescer um jardim ao meu redor, com zínias, crisântemos, calêndulas e cosmos. Não é a primeira vez que faço toda uma cerimônia para colônias de insetos. Em pleno inverno, estou confiante de que essa atípica multiplicidade de cores causará uma ótima impressão.

    “Minhas queridas irmãs, obrigada por atender ao meu chamado. Com o coração cheio de esperança e humildade, estou aqui para lhes pedir um favor. Eu me vejo agora diante de um desafio que transcende os limites deste nosso jardim”.

    Levanto o dedo indicador e faço um movimento circular, acrescentando um anel de gailárdias vermelhas e amarelas ao redor das demais flores. Deixo os ombros caídos e suspiro.

    “É uma tarefa urgente: preciso resgatar dezenas de seres humanos mantidos presos dentro daquela enorme estrutura de concreto que barra o fluxo das águas. Não sei exatamente onde encontrá-los, por isso gostaria muito que fossem comigo. Através de sua dispersão e habilidade de se infiltrar nos espaços mais estreitos, em pouco tempo teríamos o interior da barragem todo mapeado. Tenho certeza que, com sua percepção aguçada, será muito fácil identificar as pessoas que necessitam de nossa ajuda e aquelas que representam algum perigo”

    Faço uma pausa, não tanto para ouvir o que elas têm a dizer, mas para apreciar a sinfonia de zumbidos ao meu redor. Consigo medir o estado de espírito geral apenas pelos tons, como se eu estivesse ouvindo música. Quero acompanhar as alterações depois de concluir minha proposta.

    “Ficarei muito agradecida por sua generosa ajuda e, em troca, prometo que não lhes faltará néctar, não importa quão frio sejam os próximos dias. Terminada nossa missão, quando voltarem para casa, lá encontrarão um jardim tão colorido e perfumado quanto este.”

    Chamo a vespa rainha com um gesto como se a convidasse para uma valsa, estendendo minha mão direita. Nela nasce uma flor da paixão, com pétalas em degradê branco e rosa suave e uma coroa côncava de filamentos roxos e azuis. É magnífica. Foi nela que meus irmãos se inspiraram para construir meu altar. Agora, ela está aqui para receber uma rainha. Um palco mais oportuno para formalizarmos uma aliança.

    “O que me diz, minha irmã? Vão me fazer companhia?”, perguntei assim que a vespa rainha pousou na flor.

    ***

    Eu me desloco pela terra e fico camuflada na floresta próxima à entrada da hidrelétrica. Se ninguém puder me identificar, tanto melhor. Certa de que não posso me omitir, então que minha intervenção seja divina - não em termos conceituais, somente no formato mesmo - de modo que ninguém consiga precisar a origem, o responsável, os meios e o significado. Depois a imaginação humana se encarrega de conectar o começo e o fim.  

    O caminho está mais acessível que o esperado, não fosse por alguns poucos vigias guardando a entrada aberta. Definitivamente, o alegado grupo terrorista não estava preparado para reagir a outra ação militar de maior magnitude. Penso em como são inconsequentes. A extensão da barragem a perder de vista. Inconsequentes demais. Volto a me preocupar com desfechos devastadores à espreita e acrescento aos meus objetivos a preservação da barragem. Sim, é meio óbvio e talvez eu mesma já tivesse essa consciência, mas vale a pena deixar registrado simplesmente por me auxiliar a organizar meus pensamentos.

    “Que a sutileza de minha influência seja como as raízes que fortalecem sem ser vistas, protegendo esta estrutura e todos que dela dependem.”

    Para passar pelos vigias, tentarei imobilizá-los. Existem várias formas de fazer isso, mas desta vez invocarei uma planta que eu mesma criei. Trata-se de uma trepadeira bem maleável com fibras de cânhamo, que historicamente são usadas para fazer cordas. Quanto mais a presa se debate, mais a planta cresce e se enrosca, intensificando a pressão, mas não a ponto de sufocá-la. Se ainda assim não conseguir deter por completo os movimentos, ela pode desenvolver pequenas estruturas de plantas parasitas conhecidas como haustórios, que são pequenas raízes capazes de penetrar o tecido do hospedeiro. Longe de mim querer lhes causar qualquer dano, mas fato é que a ciência não se sustenta sem experimentações.

    Vários caules não muito grossos vão se projetar da terra com a ânsia de se agarrar às pessoas como se delas dependesse sua sobrevivência - e não da terra, da água, do ar, da luz do sol ou mesmo da minha vontade. Outros vão mirar as armas, porque quero puxá-las para três palmos abaixo da terra. Se necessário, cobrirei os olhos de meus alvos com folhas para que não me vejam invadir esta fortaleza tão mal guarnecida.
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    Mensagem por Pallando Sáb 23 Mar - 16:15

    Ciente do quão problemática poderia ser a busca pelos reféns na represa (que pouco a pouco tornava-se um campo de batalha), Flora toma suas primeiras ações na busca por aliados que respondessem apenas ao seu chamado. Ela se senta ao chão com cuidado e contacta telepaticamente os pequenos seres, seus possíveis novos aliados, e em algum tempo estes começam a responder vindo até ela, quase como se aquele fosse um convite da própria natureza. As vespas a procuram, a encontram e rondam pelo harmonioso jardim que a heroína havia feito para recepciona-las.

    Durante um curto período de tempo o cenário caótico ao redor delas pareceu sumir, dando espaço apenas ao som das pequeninas voando em reconhecimento, bem receptivas para com a proposta que recebiam. Em um dado momento, surgiu entre estas a rainha atendendo ao novo convite de Flora, que estendia sua mão para ela com um belo presente, uma última oferenda para que selassem a união sugerida. E a resposta desta que falava por todas aquelas criaturinhas foi imediata, pousando na flor e respondendo não com palavras, mas com sua simples permanência. Naquele instante a heroína soube que não estaria sozinha a partir dali, mesmo que fosse para seguir em direção ao interior daquele enorme construção humana.


    Enquanto se debatiam alguns combatentes no chão pelas proximidades e os sons de combate do outro lado da fronteira se tornavam mais intensos, Flora desloca-se pela terra para mais perto da entrada da Grand Källa. Camuflada como estava, nenhum dos derrotados foi capaz de detecta-la e entre eles também não parecia haver alguém capaz disso no momento. E agora com uma visão mais clara do interior da represa pela entrada, via relances de rostos lá dentro aparecendo e sumindo rapidamente por atrás das paredes, visivelmente aterrorizados e confusos a respeito do que poderia ter derrubado todos aqueles soldados. Eram apenas três vigias ainda ativos por lá e como se isso não bastasse também parecia não lhes ter sobrado muita coragem.

    Diante daquele último obstáculo ao interior da hidrelétrica, a heroína invoca suas trepadeiras com fibras de cânhamo contra os poucos vigias restantes que são alcançados de imediato pelas plantas. De um segundo para o outro, os corpos dos três foram ao chão se debatendo contra a força da trepadeira e os berros assustados começaram. Eles rolaram durante algum tempo, tentaram empurrar, se desvencilhar das plantas o máximo que podiam, e um deles tentou corta-las com uma velha faca militar antes de ter seus braços imobilizados junto ao corpo. O mais rápido e esguio entre os vigias demorou um pouco mais para ser contido, pois parecia ter bons reflexos e movimento veloz, chegando até a conseguir fazer alguns disparos com a arma, antes de ela ser arrancada de suas mãos e enterrada de baixo da terra. No fim todos os três foram pegos e completamente contidos pelos poderes da heroína, com seus olhos cobertos por várias folhas que impediam a visão.

    Agora finalmente, o caminho estava livre.


    Deixando vários soldados/terroristas incapacitados para trás e acompanhada pelas vespas com quem havia firmado uma aliança, Flora poderia seguir para dentro da hidrelétrica em busca dos reféns. E foi então que a filha de Gaia recebeu a visita de um antigo amigo, que chegou sem se apresentar e aproximou-se planando até sobrevoa-la, mas não chegou a pousar em um primeiro momento. Ele passou por Flora e seguiu na direção da represa em um voo veloz, mas também não entrou nela. Evitou a entrada fazendo uma curva abrupta e voltou para onde estava Flora.

    Só então, Verner gentilmente pousaria ao lado da heroína ou até em suas mãos, caso lhe fossem oferecidas. O pequeno anu-preto, agitado, com um comportamento que não lhe era comum, permaneceria a encara-la até que esta tomasse sua próxima ação. Ele estava determinado a acompanha-la, caso seguisse para a represa.

    Naquele mesmo instante, um novo barulho engoliu todos os demais sons e fez a terra sob os pés de Flora tremer, surgindo como um aviso de que o perigo naquela região continuava a crescer sem controle. Era o som inconfundível de uma explosão forte vindo do outro lado da fronteira.

    A represa continuava firme, mas o conflito seguia escalando.
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    Mensagem por ayana Dom 14 Abr - 16:44

    Flora
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    Sinto o terror dos meus alvos antes e depois de invocar as trepadeiras. É melhor que desconheçam minha natureza misericordiosa. Eles têm sorte, porque a própria natureza não tem se mostrado tão condescendente com a espécie humana. Ela tem suas próprias armas de destruição em massa, e eu me recuso a ser uma delas, pois acredito na reabilitação da sociedade em se desenvolver em harmonia com o meio ambiente. Na Eternal Spring, provamos que isso é possível; agora o mundo precisa se dar conta de que isso é urgente e necessário.

    É a missão da minha vida e eu tinha plena convicção de que uma única vida não seria tempo o bastante para concluí-la. Se considerarmos que minha vida humana já se encerrou, de fato, eu estava correta. Contudo, com o início desta nova forma de existir, hoje eu nem tenho mais certeza sobre a morte. Se eu for tão resiliente quanto a natureza, que ainda tem bilhões de anos pela frente neste planeta, talvez eu testemunhe a humanidade se reerguer, quem sabe até graças ao meu trabalho incessante, mas invariavelmente, a humanidade terá seu fim.

    Que os deuses me livrem de ficar neste planeta sem gente.

    Ao deixar as árvores para trás, fico de frente para a entrada da hidrelétrica, uma cavidade sombria sobre uma imensa parede de concreto, marcada pelo tempo e pela reconquista da natureza na forma de musgos e trepadeiras se espalhando por sua superfície. Preciso ser estratégica. A partir da terra, consigo mapear o formato da barragem e estimar suas dimensões. Quero distribuir de maneira uniforme meu exército alado, na medida em que permite meus conhecimentos táticos superficiais. Sou uma novata tentando comandar um maremoto de zumbidos e voos erráticos, o que me provoca uma sensação de vertigem e desorientação.

    Mas eis que da terra surge um zumbido, remetendo a palavras de uma língua extinta. Nunca as ouvi antes, mas acho que entendo seu significado. Eu as transmito telepaticamente para as vespas. Coloco-me em posição de estátuas religiosas, com os braços estendidos e as palmas das mãos viradas para cima. Faço um chamado para que venham até mim como se pudessem me segurar, me fixar, me proteger.

    Tenho o hábito de cobrir partes do meu corpo com musgo, raízes e folhas secas, mas isso daqui eu nunca tinha feito. As vespas pousam em mim e é como se me enrolassem numa coberta nas noites frias iluminadas por auroras boreais. É quente, porque é cheia de vida, e parece até que devolve a vida para o meu corpo, agora com nervos hipersensíveis capazes de captar ao toque das patas a vibração do abdômen das vespas. O movimento se propaga do meu peito às extremidades, emulando os batimentos do coração. Não sou eu a conduzir tal perfeita harmonia.

    “Sou muito grata, minha Mãe, por despertar sensações um tanto esquecidas”, um sorriso terroso aparece no meu rosto coberto por insetos. “Sob o teu olhar, encontro alianças nos menores seres, cada um portando a grandeza do teu amor”

    Se dependesse tão somente da minha vontade, passaria a manhã toda nesse casulo, ainda que seja difícil relaxar ao som de tiros e explosões do outro lado da fronteira. Tudo bem, retornando sã e salva para casa, não faltará oportunidades para me cobrir de insetos. E agora que estão agarradas a mim, consigo ter ideia de quantas são e como distribuí-las. Quem está à minha direita, segue pela direita; quem está à esquerda, segue pela esquerda. Por precaução, também deixarei algumas aqui para vigiar a entrada. Repasso o objetivo da missão e algumas instruções: como elas devem se organizar para vasculhar as áreas onde os reféns possam estar e como me reportar sempre que encontrarem alguém.

    Quando estou prestes a dar a ordem para iniciarmos as buscas, meu foco se desloca com precisão para um ponto preto em movimento no céu. Na verdade, nem preciso ver para reconhecê-lo e saber que está por perto. Não importa quantos pássaros estejam voando por aí, é muito fácil saber qual deles é Verner, meu amigo, meu irmão e meu guardião. Tudo nele é único: o canto, o bater das asas, o jeito de pousar, o olhar, a respiração. Parece que eu já o conhecia mesmo antes de fazer parte da minha vida. Sua origem ainda é um mistério, mas nada me tira da cabeça que seja um presente dos deuses para eu não me sentir tão sozinha.  

    Num primeiro momento, ele passa sobre mim, mas não pousa. Claro, há um véu de vespas me cobrindo por inteira. Deve ser aterrorizante para qualquer ser vivo. Quando eu era criança, uma dessas me picou no pescoço e eu entrei em pânico. Não tanto pela dor, mas por sentir falta de ar e, com efeito, medo de morrer. Não conheço o suficiente sobre esta espécie para saber se realmente seria capaz de matar um ser humano. Agora, um pássaro de cem gramas, é bem provável.

    As vespas se retiram em bando, um êxodo súbito como se uma parte do meu corpo explodisse em pequenos fragmentos. Ficam voando mais próximas da entrada, já bem instruídas, esperando meu comando. Vamos adiar um pouco devido à chegada de meu principal conselheiro. Ele pousa na minha mão levantada na altura do rosto e, de imediato, noto que ele está bem agitado. Somos dois, mas é possível que ele tenha uma percepção mais qualificada sobre este conflito do que eu.

    “Meu companheiro penoso, que bom que está aqui!”

    A fim de evitar interpretações equivocadas, vale esclarecer que “penoso” aqui não está no sentido de sofrido, doloroso, desagradável, trabalhoso, nada disso. Eu o chamo de “penoso” só porque ele tem penas.

    “Você parece inquieto. Há algo errado?”, soa uma pergunta muito estúpida em meio aos estrondos de armas de fogo. “Digo, alguma coisa que devemos temer além do óbvio?”

    Em seguida, apresento meu plano para encontrar os reféns e, mesmo usando poucas palavras, não consigo evitar de trazer luz a um turbilhão de receios e dúvidas sobre as verdadeiras intenções por trás deste conflito. Talvez ele consiga entender a carga que recai sobre os meus ombros. Sem que eu me desse conta, meus pensamentos se derramam em palavras:

    “Verner, a verdade é que não tenho ideia do que fazer. Eles chamam de terroristas este grupo que tomou a represa, mas nós também já fomos chamados de terroristas. E se fazem por um motivo justo? Não sei como me posicionar, não sei de nada, por que estão brigando, por que sempre estão brigando, e desta vez trouxeram essa briga estúpida pra bem perto de onde eu estava, pra uma barragem que pode ser explodida de uma hora para outra. Isso acontece, já aconteceu e vai acontecer outras vezes porque basta a decisão de uma criaturinha estúpida para desencadear uma tragédia!”

    Eu respiro fundo para não me jogar no abismo do desespero. Um surto bem agora seria uma falha incontestável. Cada segundo de hesitação pode custar a irreparável perda de vidas. Não tenho tempo, não agora. Resgato o foco em meus objetivos prioritários: salvar os reféns e proteger a barragem. Olho para a entrada e, com um aceno sutil com a cabeça, sinalizo para as vespas iniciarem as buscas pelos reféns.

    “Que meu propósito seja claro e minha missão seja justa. Mãe Terra, guia minhas mãos e meus passos para que minhas ações tragam esperança onde houver desespero”, penso antes de avançar para o interior da estrutura de concreto, com Verner vigilante em seu posto sobre meu ombro.
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    Mensagem por Pallando Qua 24 Abr - 22:21

    Utilizando-se de seus poderes, sua conexão com a terra, Flora fez esforços para mapear a represa com o intuito de compreende-la antes de dar seus próximos passos. Não foi uma tarefa difícil, e logo a heroína adquiriu conhecimento das proporções daquela que era uma das mais importantes represas hidrelétricas de sua nação. Situada no trecho entre Noruega e Suécia, a Grand Källa tinha uma altura de queda d'água de 45 metros e sua barragem se estendia naquele trecho por aproximadamente 3 quilômetros, começando em um país e terminando no outro. No entanto, apenas uma minúscula parcela desse espaço dentro da represa era acessível para humanos, apenas algumas passagens, salas de maquinário e demais setores de funcionamento. Do lado de fora e usando aquele método de mapeamento não era possível conhecer em detalhes o que a esperava lá dentro, mas pelo menos agora sabia que existiam poucos lugares ali dentro onde os terroristas poderiam estar escondendo os reféns.

    Poucos instantes depois, Flora já estava coberta pelas vespas que atenderam seu chamado telepático — como se as vestisse tal qual uma segunda pele, um aconchegante casulo de pequenos seres que de bom grado respondiam à sua vontade naquele momento — e usava dessa conexão para começar a planejar como atuariam em conjunto. Como poderia dividi-las de maneira eficaz para fazer o que precisava ser feito. Algumas seguiriam pela direita, outras pela esquerda e o restante cumpriria a função de guardar a entrada. Para cada uma dessas decisões tomadas e passadas para as vespas, Flora sempre obteve das pequeninas um satisfatório retorno positivo. Como se ela já fosse parte do grupo.

    E então a chegada de seu amigo alado deu a deixa para que a heroína liberasse as vespas de seu corpo, para que a aguardassem na entrada da enorme estrutura de concreto enquanto recebia seu estimado aliado apropriadamente. Ela o recebeu com alegria, indagou-lhe sobre o motivo para sua agitação e compartilhou o plano que havia elaborado para salvar os reféns daquilo tudo. Mas em primeiro momento, nada. Nenhuma resposta. Depois de ouvi-la, Verner já não parecia mais tão inquieto quanto há pouco e estava completamente focado em entende-la.

    O pássaro conhecia bem a jovem heroína e estava esperando algo mais — o mais importante —, por isso não respondeu de imediato. Apenas deu alguns pulinhos na mão de Flora, aproximando-se ainda mais de seu rosto. E então, quando a confusão e os temores que Flora sentia escaparam pelas palavras, nesse momento sim, Verner respondeu. "Acalme-se, pequena".

    A voz em sua mente era uma voz que só ela conseguia escutar, e que provavelmente nenhum outro ser vivo viria a conhecer algum dia. Era a voz de Verner, sempre em um tom tranquilizador no qual as palavras demoravam para ser terminadas. "Muitas vezes é difícil entender os motivos por trás dos conflitos humanos, não se preocupe. Se você não sabe como se posicionar, podemos deixar isso para depois ou nunca... Por agora, podemos apenas ficar do lado daqueles que realmente entendemos, não é?". Verner então saltou e planou brevemente para o ombro de sua amiga, de onde a acompanharia independentemente do que viesse a acontecer. "Os reféns. Devem estar confusos, assustados e com saudades das coisas que valorizam. Arrastados contra sua vontade para problemas criados pelos outros.. vê?"


    Só quando tivesse conseguido passar sua visão para a jovem heroína, o pequeno pássaro responderia àquela que foi a primeira pergunta de Flora: "Sim, minha amiga. Há um perigo dentro dessa obra humana que nem sempre foi natural deste mundo. Posso sentir, como o mais básico dos instintos pedindo para irmos na outra direção... Devemos ser cautelosos lá dentro."

    Nos próximos segundos, com o aceno de permissão para que as vespas entrassem na represa e começassem as buscas, Flora também se colocou a caminho da entrada a sua frente rumo ao covil dos terroristas.

    Conforme andava passando pela entrada e era coberta pelas sombras do teto e paredes de concreto, Flora ouvia os sons dos tiros um pouco mais fracos, cada vez mais abafados pelo som do funcionamento reprimido da represa. Havia o ranger dos metais no interior que pareciam ecoar pelo corredor onde estava, o poderoso barulho da água lá fora em algum lugar e logo também o som de gotas d'água caindo no metal. Foi então que o chão do corredor por onde caminhava deixou de ser terra, e agora era metal. As paredes também haviam se estreitado um pouco conforme seguia. Após quase um minuto de caminhada, saiu em um trecho de passagem de funcionários que dava acesso a outros lugares, com o chão molhado e também escadarias que levavam a níveis superiores.


    FLORA Hydroe10

    Até ali, nenhum sinal de terroristas ou reféns até onde os olhos podiam ver. No seu ombro, Verner também observava tudo atentamente. Nesse ponto do trajeto, as primeiras vespas começaram a retornar vindas de vários cantos diferentes, todas trazendo informações. Flora conseguia ouvi-las repetindo apressadamente tudo que haviam descoberto até aquele momento, soando orgulhosas do trabalho produzido. O relatório parcial até então trazia localizações de pessoas encontradas e também o estado desses locais com base no que estava acontecendo:

    • Ponto A. Aquela parte da estrutura na qual se encontrava no momento estava desguarnecida, e para isso haviam algumas razões. Primeiramente, os terroristas não estavam preparados para lidar com ataques dos dois lados da fronteira, então os guardas que Flora já havia derrubado eram a primeira linha de defesa por aquele lado da represa. E segundo, em uma sala de máquinas um pouco abaixo do nível em que Flora estava agora, seguindo por uma das portas à esquerda que dava em um corredor e alguns lances de escada para baixo, jaziam vários terroristas desacordados e apenas um de pé. Porém, este que estava de pé apresentava um comportamento realmente incomum de extrema desorientação, quase como se não soubesse onde estava.

    • Ponto B-1. Se seguisse em frente, Flora encontraria uma parede e dois corredores laterais. Ambos no fim das contas levavam para (passando por entre algumas salas) o outro lado da represa. Em uma dessa salas seguindo pelo corredor à direita, quatro terroristas preparavam-se para se juntar aos que lutavam do outro lado da represa e outros dois permaneciam para guardar um único refém: uma mulher com um saco cobrindo o rosto e as mãos amarradas atrás da cadeira onde estava sentada. Não havia outros reféns na sala e nem ninguém com posto de liderança entre os terroristas. Aquela sala em particular parecia estar reservada ao único propósito de manter a refém de identidade desconhecida.

    • Ponto B-2. No mesmo corredor da sala com uma única refém, seguindo um pouco mais adiante e atravessando algumas plataformas de metal que passavam sobre parte do maquinário, um homem trajando placas de metal negro seguia sozinho com uma postura cautelosa. Sua movimentação parecia indicar que ele não deveria estar ali. Se continuasse  andando, daria de cara com os quatro terroristas que passariam por ali para se juntar ao combate no outro lado da represa.

    • Ponto C-1. Se pegasse a escada de metal que se encontrava à direita no trecho em que estava, Flora seria levada por alguns vários degraus até uma ponte de aço que ligava duas áreas cheias de repartimentos, salas de controle, de equipamentos e até salas equipadas para condução de estudos e análises. Essas salas eram interconectadas de cada lado por corredores que seguiam também até o outro lado da represa. Aquele era o nível em que deveria haver mais movimentação humana em dias comuns de trabalho. E nesse nível a primeira localização relevante era o ponto em que os reféns estavam sendo mantidos: duas salas grandes na área à direita da ponte de aço. Lá dentro se encontravam todos os reféns sentados um ao lado do outro, pernas encolhidas para ocupar pouco espaço, e vigiados por três terroristas armados em cada sala. Do lado de fora das salas, um terrorista permanecia parado em seu posto e outros dois vagavam de um lado para o outro vigiando os corredores da área.

    • Ponto C-2. No mesmo nível do ponto anterior, mas agora seguindo pela área de salas à esquerda da ponte de aço, um cenário perturbador havia sido flagrado pelas pequeninas aladas. Pelos corredores, dois terroristas ao chão desacordados. Dentro de uma sala de controle especifica, uma figura mascarada pressionava sua mão contra a boca de um terrorista como se tentasse impedi-lo de gritar. Ele estava sentado de costas para a parede e com as mãos rendidas ao chão, como se não conseguisse mexe-las. Havia terror em seus olhos enquanto a pessoa de máscara de porcelana fazia alguma coisa com ele. No outro lado dessa mesma sala, um outro terrorista se espremia contra o canto da parede e chorava agachado como uma criança, claramente confuso e desorientado.



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    Mensagem por ayana Qui 2 maio - 12:04

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    Verner mencionou um perigo dentro desta gigantesca estrutura. Suponho que não esteja se referindo aos terroristas. Por não conseguir senti-lo, uma sensação de alerta começa a me consumir. O que pode ser? Alguém com poderes, quem sabe? Existem tantos por aí, e eu conheço tão poucos. Melhor assim. Peço aos deuses que não seja um deles. Pelo menos não lá dentro, na única área deste conflito todo onde fico em desvantagem.

    Eu não quero entrar. Eu nunca quero entrar. Olho para o chão e para os meus pés, constituídos pela mesma matéria-prima. Estou prestes a desfazer minha conexão mais íntima com a Mãe Natureza. Perco boa parte dos sentidos. Não é como tapar os ouvidos e fechar os olhos. Parece mais com o mundo se contraindo ao meu redor. Se aqui fora, sou um rio, lá dentro, eu me torno um poço, cuja água parada representa o pouco da natureza que consigo levar comigo e que compõe minha estrutura física. Não estou completamente vulnerável. Mesmo assim, nunca quero entrar.

    Fico irritada comigo mesma. Até quando terei medo de entrar nessas construções frias de metal e concreto? Na primeira vez que entrei numa delas, fiquei presa por mais de um ano, arrastado por uma eternidade, e precisei empilhar muitos corpos para conseguir sair. Não gosto de pensar sobre isso. Tento acreditar que isso nunca aconteceu. A verdade é que não fui preparada para este mundo. Ao sermos poupados pelos deuses das calamidades ambientais e, modéstia à parte, por conta de meu trabalho de purificar e fertilizar nossas terras, pudemos viver uma utopia onde todos tinham acesso a recursos para viver com dignidade. Claro, nem tudo eram flores, e falo isso de um ponto de vista bem pessoal, da pessoa, aliás, da entidade que, ironicamente, mais recebia flores. Mas hoje, quando resgato as memórias, são todas tão boas, que pareciam mesmo tiradas de contos de fadas.

    Nossas construções eram predominantemente de madeira, mas também usávamos bambu, cânhamo, capim-de-cheiro, junco e palha. Nem um grama de concreto e metal apenas nos circuitos elétricos. Por mais ecológicas que fossem as estruturas, era sempre muito difícil me sentir à vontade entre quatro paredes. Com o passar do tempo, surgia a necessidade de ir para fora, como se eu precisasse fumar um cigarro, quando, na verdade, só queria ter de volta o contato da minha pele com o solo. Quando eu era bem pequena, sempre dava um jeito de fugir do quarto para dormir na grama junto com as ovelhas. Eu não me lembro de nada disso, meus cuidadores que me contaram, mas faz todo o sentido, porque eu era a única que dormia em uma cabana com chão de terra batida e, de vez em quando, na companhia de algumas ovelhas.

    Como o chão da entrada da hidrelétrica ainda é de terra, posso entrar de mãos dadas com minha Mãe, um último aconchego antes de adentrar o desconhecido. Pequenas raízes nascem na sola dos meus pés e, embora meu caminhar se torne mais arrastado, eu me sinto bem mais segura. Ao ampliar minha conexão, revejo meus propósitos e me dou conta de que preciso aproveitar a oportunidade — não sei se terei outra — para não ficar em dívida com minhas aliadas. Elas ainda não sabem, mas quando voltarem ao ninho, encontrarão mais flores do que haveria na primavera.  

    Avanço por um corredor engolido pelas sombras, que se estreita a cada passo. Lanço olhares em todas as direções, impressionada com as proporções da estrutura, que ampliam minha sensação de isolamento. Tudo ao redor é cinza, estéril e retangular; uma antítese completa do mundo orgânico do qual faço parte. Cada rangido de metal soa como um lamento e gotas de água caem num ritmo irregular como lágrimas em um velório de alguém muito prestigiado. Não esperava que o interior de uma hidrelétrica tivesse uma atmosfera tão fúnebre. Mas eu acabei me antecipando. Daqui em diante, desta linha marcando a mudança de material na superfície, vai piorar, bem no momento em que meus pés se levantarem da terra para pisar em metal frio e rígido.

    “Que tua proteção esteja sempre comigo, minha Mãe, mesmo sob este céu de concreto, mesmo sobre este caminho de metal”, com a respiração contida, peço em silêncio, levando as duas mãos sobre o peito.

    Se não bastasse a retirada do toque de minha Mãe sob meus pés, ainda preciso lidar com outros dois obstáculos.

    “Precisamos ser cautelosos”, repito baixinho as palavras que Verner me disse olhando em seus olhos.

    O primeiro é mais um ponto de atenção, se os indícios de que não há ninguém por perto estiverem corretos. O metal fará ressoar o som dos meus passos, já que a sutileza de meus movimentos foi bastante comprometida desde que meu corpo orgânico se desfez para dar lugar a esta minha forma de estátua de jardim. Estou mais desajeitada e também mais pesada: uma média de trinta quilos adicionais, a depender da densidade do solo e da concentração de água, pedras, plantas e outros seres vivos.  

    O segundo problema tem a ver com o fato de não usar sapatos. Se eu piso em poças d’água, estou sujeita a deixar rastros de barro. Já aconteceu algumas vezes e, movida pelo constrangimento, encontrei uma solução: cobrir a sola dos pés com esfagno, uma espécie de musgo que absorve grandes quantidades de água. Uma camada mais grossa me parece também suficiente para amortecer meus passos. E quando realizo o primeiro teste, o resultado me surpreende. Como um gato no tapete, eu avanço silenciosamente e sem deixar rastros.

    Ao chegar a uma passagem de funcionários que dá acesso a outros lugares, as primeiras vespas mensageiras vêm até mim. Os zumbidos apressados, por vezes, se sobrepõem, mas aos poucos vai tomando a forma de um relatório, que compartilho telepaticamente com Verner. Como não esperava por tanta informação, uma forma de não me perder foi improvisar um mapa, traçando contornos de corredores e salas com raízes capilares que se entrelaçam sobre a superfície da minha barriga. Uso líquens verde, cinza e amarelo para representar os reféns, os sequestradores e os não identificados.

    “Que estes poucos se revelem meus aliados”, olho para as duas manchas amarelas.

    Tal esperança se manifesta mais como um pensamento positivo e não como um pedido para os deuses, que é o mais habitual e talvez até o mais efetivo. Porém, devo admitir que o enfraquecimento de minha conexão com a natureza acaba enfraquecendo também a minha fé.

    Com um agradecimento pelos serviços prestados, envio as mensageiras de volta aos seus postos, com a solicitação de despachar outras vespas para me manter atualizada, quando necessário, sobre as movimentações dos meus adversários. Em seguida, convoco meu maior aliado, colocando minha mão na altura do rosto para que possamos conversar frente a frente. Diante da quantidade de terroristas derrotados, aparentemente por uma única pessoa, volto a pensar em sua apreensão antes de entrarmos aqui.  

    “Esta figura com a máscara de porcelana… não seria a origem deste sentimento de perigo? Sua presença aqui, poderia explicar sua inquietação?”

    Eu mesma posso sentir isso, mas não estou confiando tanto nos meus pressentimentos.

    “Tenho um trabalho para você, meu penoso espião. Gostaria que ficasse de olho nesse sujeito. Discretamente, claro, como de costume. Aqui nesse breu, suas habilidades de camuflagem vão lhe servir bem. Não acho que alguém faria mal a um pássaro tão lindo quanto você, mesmo assim não se exponha a riscos desnecessários, entendido?”

    Mantenho com ele um canal telepático aberto. Quero saber onde meu alvo está, para onde vai, cada palavra que disser, como ataca suas vítimas, além de uma avaliação a respeito do grau de periculosidade e confiabilidade. Também irei coletar informações com o único sequestrador remanescente na sala de máquinas abaixo. Mas antes de descer as escadas, decido enviar uma mensagem telepática para o sujeito trajando placas de metal.

    “É melhor você não seguir adiante”, mesmo sendo bastante direta, o tom da minha voz é gentil, como se estivesse me dirigindo aos meus irmãos da seita. “Não estou perto o bastante a ponto de você conseguir me ver, mas eu sim posso vê-lo claramente”

    Não é verdade. Infelizmente, tenho poucas características divinas e a onipresença não é uma delas. Mas dependendo da situação, quando é necessário impressionar, acho bem válido superestimar minhas capacidades. Geralmente todos acreditam, afinal é impossível determinar o que os deuses são capazes de fazer. E olha que nem me considero parte desta categoria…

    “Se seguir adiante, depois de atravessar a plataforma de metal, você chegará a um corredor e, muito provavelmente, vai dar de cara com quatro homens muito bem armados. Este é o motivo do meu contato. Se a ideia é manter a discrição, você deveria se esconder e esperar eles irem embora. Não deve demorar muito, eles vão se juntar ao conflito no lado norueguês da fronteira. Eu também não devo demorar a entrar em contato com você outra vez. Enquanto isso, que a deusa te proteja.”

    Com tantas perguntas sem respostas e vidas em risco, não quero gastar mais tempo do que o indispensável nessas comunicações. Desço correndo as escadas para o subsolo e entro na sala de máquinas sem qualquer cerimônia, por saber de antemão em que condições a encontraria, mas nem por isso, deixo de demonstrar surpresa.

    — Pelos deuses, vocês estão bem? — exclamo em tom de enganosa preocupação, vendo os corpos espalhados pelo chão. Rapidamente, direciono minha atenção para o único indivíduo de pé, olhando em seus olhos e com as mãos levantadas em gesto de paz. — Eu estou aqui para ajudá-los. Sou uma espécie de entidade que protege esta floresta.

    Eu me agacho ao lado de um dos homens deitados e encosto a mão em seu rosto.

    — Graças aos deuses, ele está respirando! — Meus lábios formam um sorriso miúdo e aliviado. — Parece que todos só estão desacordados.

    Em seguida, dou alguns passos em direção ao homem consciente e digo num tom de voz menos suavizado:

    — Vou precisar que me conte em detalhes o que aconteceu aqui.
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    Mensagem por Pallando Seg 6 maio - 22:56

    Depois de organizar em um mapa improvisado todas as informações que recebera das vespas e libera-las para que continuassem a investigar o interior da represa, Flora volta a conversar com Verner após o pequeno pássaro atender seu chamado e saltar para a palma de sua mão. "Possivelmente, sim... receio que essa criatura não seja nossa amiga", respondeu em tom preocupado — mas ainda assim, controlado — aos questionamentos.

    "Entendido, pequena Flora. Serei seus olhos lá em cima e a voz na sua cabeça... e também a sombra daquele intruso. Não se preocupe comigo, mas peço que também se cuide", comunicou enquanto levantava voo na palma da mão de Flora. Aproximou-se do rosto dela, passou voando ao lado e deu uma voltinha ao redor dela antes de se distanciar, seguindo para vigiar o individuo com a máscara de porcelana. "Vamos sair daqui juntos, daqui a pouquinho!"


    Agora sozinha ali naquele trecho da represa e ligada aos seus aliados voadores apenas pelo canal telepático que tinha com Verner, Flora reservou algum tempo para entrar em contato com o outro individuo misterioso que havia sido identificado pelas vespas. Suas mensagens bem intencionadas chegam ao alvo, disso ela soube com certeza. Seja lá quem for, agora estava ciente de sua posição e munido de informações valiosas. Já sobre o que ele faria com isso tudo, apenas o tempo diria.

    Alguns segundos depois, a heroína descia rapidamente pelas escadas que levavam até o nível inferior e adentra a sala de máquinas, encontrando lá dentro a exata mesma cena que lhe havia sido descrita pelas vespas. Flora então atua sua entrada preocupada e surpresa, apresentando-se e verificando os terroristas derrotados no chão. E durante todo aquele primeiro ato da heroína dentro da sala, o único homem de pé continua a encara-la com uma expressão aflita no rosto. Seu olhar perdido e a boca entreaberta davam-lhe um aspecto de confusão, mas a demora no tempo de suas reações também denunciavam a estranheza de seu atual estado mental. Apesar disso, a chegada de Flora pareceu ter feito bem a ele por pelo menos lhe dar algo para focar sua atenção.

    Depois de ouvir a heroína comentar sobre o estado dos outros no chão, o homem olha surpreso para cada um dos outros como se só os tivesse percebido naquele momento. E então seus olhos se estreitam e suas mãos começam a se massagear em um tentativa de controlar a ansiedade. Ele aponta na direção daquele que Flora havia verificado e abre a boca para falar algo, mas desiste. Talvez tivesse esquecido o que iria falar? Era o que sua expressão parecia dizer, pois novamente seu foco se perdeu em algum lugar de sua mente. Foi quando a pergunta sobre o que havia acontecido ali chegou até ele, e essa pergunta em especifico pareceu assusta-lo.

    Ele então encarou Flora com incredulidade e irritação, quase como se tivesse sido ofendido pelo questionamento.  


    - Você... não é humana. Eles também... não, eles sim são humanos. Mas... mas esse lugar... - De um instante para o outro, no tempo de um estalar de dedos, sua expressão confusa se transformou em pânico. - Esse lugar.. você veio ajudar?.. Quem?! - Sua respiração tornava-se mais e mais acelerada conforme o tom de sua voz se elevava.

    Um pouco antes, cada passo dado por Flora na direção do homem foi respondido por um passo para trás dele. E só depois de dizer todas aquelas palavras talvez desconexas, o olhar do terrorista acordado mudou de novo, como se lembrasse de algo.

    - O que aconteceu aqui, você diz... o que aconteceu aqui? Eu não sei... talvez eles saibam.. eu.. eu não sei onde é aqui.. - A voz começou a enroscar como em um choro, enquanto lágrimas começaram a escorrer de seus olhos.- Ela... ela me pegou. Só me lembro do toque... - Ele levou a mão ao pescoço, como se mostrasse como foi enforcado.

    - Doeu... o que eu fazia antes?... E você... como está aqui?!.. C-com quem.. você?...QUEM TE DEIXOU ENTRAR AQUI?!!

    Explosivo e imprevisível como qualquer um à beira da loucura, o homem parecia não responder a razão naquele momento. E foi assim que ele se lançou na direção de Flora, tentando acerta-la com um soco desajeitado, lento, mas muito violento.


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