Ato 1 - Mar Revolto

O dia estava mais frio do que o normal quando os Mancers deixaram o velho mundo, partindo em direção a Ikor. Uma névoa densa cobria o porto, tornando difícil enxergar além de poucos metros. Talvez nunca mais vissem Eire, a terra natal que deixavam para trás. Pouco sabiam sobre Ikor, e as poucas informações que tinham não eram animadoras. A jornada seria longa, cheia de incertezas, e a possibilidade de retorno parecia distante. As notícias de Ikor eram sombrias, e como Mancers, estavam cientes de que teriam muito trabalho a fazer naquele novo mundo.

A tripulação do navio era pequena e simples, composta apenas por aqueles corajosos o suficiente para atravessar os mares e enfrentar os perigos de Ikor. Muitos temiam a companhia dos Mancers, acreditando que eles atraíam desgraças. Afinal, se existiam Mancers, era porque havia males que precisavam ser enfrentados.

O capitão falava apenas o necessário, insatisfeito com a viagem, mas os dias curtos e a necessidade imperiosa no velho mundo impulsionavam a aventura. Era arriscar-se ou sucumbir à falta de recursos.

Os Mancers vinham de diferentes regiões, e exceto por seus companheiros de treinamento, não conheciam bem uns aos outros. Mas era fácil identificá-los: todos usavam anéis de ferro, carregavam suas armas e grimórios pendurados em tiras de couro sobre os ombros.

Entre eles, uma dupla se destacava. Ambos possuíam anéis de ferro e prata, sinal de maior experiência e de terem passado por mais provações. O homem, alto, com cabelos ruivos amarrados em um coque, vestia um saiote típico do norte do velho mundo. A mulher, com uma cicatriz que cruzava o rosto e pele negra, vestia roupas coloridas – algo incomum entre os Mancers, que geralmente preferiam discrição. A igreja ainda nutria preconceitos contra pessoas de pele negra, apesar das habilidades dos Mancers serem o foco principal.

O frio penetrante e a névoa densa criavam uma atmosfera de incerteza e mistério. Essa dupla, com sua experiência e coragem, era um farol de esperança para os mais jovens. Juntos, todos se preparavam para enfrentar a ameaça desconhecida que aguardava em Ikor. A jornada estava apenas começando, e o destino de todos estava entrelaçado com o mistério e o perigo daquele novo mundo.

O capitão passou rapidamente pelo convés, passou os olhos pela tripulação, assim como os mancers. Observou distante no mar. Já tinham dias de viagem e pela contagem dos dias, previsão e tudo o que sabiam até então, estavam mais próximos do que nunca. A viagem foi extremamente cansativa, isso refletia nos rostos da maioria, o isolamento e ver apenas o azul escuro e profundo do oceano não ajudava muito na diferenciação da paisagem e de como podiam medir a passagem do tempo. Uma garoa fina começou a cair, borrifando com o vento forte da região. Com o passar dos dias, foi possivel perceber que o frio não incomodava mais, não era fácil sentir calor, mas a temperatura era mais amena se comparado com o que enfrentaram na saída do velho mundo.

O barulho do oceano, do vento e de toda a conversa ali poderia ter atrapalhado a audição das irmãs, mas não foi o caso. No primeiro dia, talvez. Mas ouviram o capitão sussurar para seu imediato: "tem um tempestade vindo, prepare tudo". E a partir a movimentação e a dinâmica das coisas mudou no navio, tripulantes indo de um lado para o outro amarrando cordas com tudo o que poderia se mover no navio.

Aquela mancer com a cicatriz no rosto passou pelas irmãs e segurou-se na beirada do navio.

- Segurem-se.

A garoa tornou-se uma chuva espaçada, com gotas grande e pesadas. Essa chuva foi diminuindo seu espaçamento, até que começou a despencar com força, fazendo o oceano se agitar e o navio balançar cada vez mais rápido e com mais força. Com exceção de alguns dos tripulantes que ainda corriam de um lado para o outro forçando amarras, a maioria tinha ido para baixo do convés ou então se segurava onde podiam.

O navio era levado para cima e para baixo dada a violência das ondas que aumentaram em pouquíssimo tempo, as irmãs sentiam quase que seus pés descolarem do convés cada vez que o navio era jogado para cima. O imediato girava o leme com força, tentando ganhar algum controle, mas parecida inútil. Ao mesmo tempo, a tripulação parecia cantar com o infortúnio que os abatia.

"Tempo ventoso, rapazes! Tempo tempestuoso!
Quando o vento sopra, estamos todos juntos!"

Raios, trovões, uniram-se ao coro. E mais a violência com a qual o navio era jogado de um lado pro outro, os braços não pareciam ter força o suficiente para segurar, Sahra sentiu primeiro, os dedos escaparam, um a um, impotente com o solavanco e assim, em mais uma ida de baixo para cima do navio, a jovem irmão de olhos verdes foi lançada ao mar.

A mancer de cicatriz do rosto soltou uma das mãos enquanto puxava uma corda para tentar ajudar.