7 de Marpenoth de 1372
- É silencioso aqui.
Lavyia estava enfurnada nas roupas de Kórdan, apenas com a cabeça e as longas antenas - longas para uma grig, é claro - de fora. O grupo havia chegado nas Árvores Noturnas na noite anterior, mas escolheu acampar na margem sul da floresta e só adentrá-la hoje pela manhã por dois motivos: o cansaço era grande em todos e ninguém desejava explorar um lugar desconhecido e que era guardado por um druida insano em uma noite em que Selûne minguava no céu. Agora, com o sol iluminando o caminho, o grupo pensou que se sentiria mais confortável, mas não foi o que aconteceu. A viagem tinha sido longa e cansativa; seis dias caminhando entre a Floresta da Lua e as Montanhas Inferiores e mais quatro em terreno aberto até as Árvores Noturnas. Além disso, o grupo precisou se esconder por dois dias em uma caverna fria e úmida enquanto um destacamento de orcs se movia. O pequeno exército - haviam pelo menos duzentos orcs, Fred tinha certeza disso - estava deixando a Floresta da Lua e marchando de volta para as Montanhas Inferiores, cruzando assim o caminho do grupo. Kórdan e Gerifalte encontraram a caverna, e Synne esperou todos estarem em segurança dentro dela antes de seguí-los.
A entrada não passava de uma fenda na pedra de pouco mais de um metro e a caverna era um círculo irregular aonde todos tiveram que dormir duas noites amontoados, mas dali, além de estarem escondidos e fora do alcance dos orcs, o grupo tinha uma boa visão da movimentação deles e de como se comportavam. Gerifalte e Nuada, os dois no grupo com algum treinamento militar, notaram que aqueles orcs eram bem organizados, separando-se em grupos menores para atravessar da floresta até as montanhas, e se reagrupando em um lugar pré-determinado. O grupo foi pego de surpresa pelos orcs, mas eles estavam a uma distância segura das criaturas. Na manhã do terceiro dia na caverna Synne e Fred foram verificar o movimento dos orcs, e voltaram com boas notícias. Enquanto desciam a montanha, Gerifalte foi a primeira a ver a metade um escudo de madeira jogado no chão, provavelmente dos orcs. A outra metade não estava muito longe e a curiosidade fez a cavaleira unir o escudo novamente e observar o símbolo pintado ali. Duas linhas vermelho-sangue, uma oposta à outra, estavam desenhadas horizontalmente e era possível ver que a pintura surgia no lado esquerdo do escudo. A linha de cima começava reta e então subia e descia, representando talvez uma montanha; a linha de baixo era semelhante à outra, mas a curva era para baixo. As pontas estavam alinhadas mas não unidas, pois o centro da pintura era cortado por uma terceira linha reta. O desenho era grosseiro e dava para ver as linhas dos dedos de quem o tinha pintado, mas o escudo era muito bem feito, com amarras de ferro firmes e bem acabadas. Aquilo, somado ao movimento bem organizado dos orcs, apontava para o exército de Obould, sem dúvida, o que aumentava ainda mais a urgência em deixa logo as Montanhas Inferiores.
Ian foi quem se ateve ao fato de que um mapa do lugar seria útil, afinal todos buscavam a mesma coisa, mas ninguém sabia aonde ficava o templo de Chauntea ou mesmo a localização das Shanta Ahnvae. Tudo o que sabiam era que elas ficavam "ao norte de Lua Argêntea". O mago notou que o mapa tinha algumas imprecisões geográficas, mas ele era completo. As Montanhas Rauvin, A Floresta Fria e a Floresta da Lua, os rios que passavam por ali... O mapa não era preciso, mas servia ao seu propósito. Não foi difícil encontrar as Árvores Noturnas já que, comparada com outras florestas do Norte, como a Floresta Alta ou as duas mais próximas, ela era minúscula. Alguns poucos quilômetros quadrados de carvalhos, abetos e pinheiros, divididos ao meio por um descampado extenso, com cerca de duzentos metros de largura e que surgia na borda sul da floresta e seguia, sem interrupções, até o norte, aonde a floresta quase beijava os pés da Espinha do Mundo. Segundo o mapa, existia uma cidade incrustrada nesse descampado irregular chamada Poço de Beoruna, o que poderia significar a compra de um recurso escasso já há dois dias: comida. Apenas Nuada, como diplomata élfico, tinha ouvido falar da cidade. O guerreiro sabia que ela era um assentamento de bárbaros do Norte, mas não se lembrava qual das muitas tribos habitava o local. O mapa também indicava a localização da Torre Solitária, mas o que ela era e quem vivia ali, se é que alguém vivia nela, era um mistério para todos. Uma curiosidade é que a Cidadela Adbar, retomada dos orcs pelo esforço conjunto de anões e humanos, estava marcada no mapa com seu nome do tempo da ocupação orc, Cidadela das Muitas Flechas. Havia uma nota ao lado da cidade, dizendo para ela ser evitada a todo custo.
Não haviam caçadores ou mateiros no grupo, mas qualquer um deles conseguia notar que não haviam trilhas abertas entre as árvores e que as trilhas que um dia existiram, foram tomadas pela vegetação. Isso dificultaria a movimentação no interior da floresta e, caso houvesse a necessidade de se defender, o grupo estaria numa clara desvantagem. As copas das árvores se uniam em um emaranhado de galhos de espessuras distintas e folhas diversas, o que dificultava que a luz do sol chegasse até o grupo, que entendeu o motivo daquela floresta receber o nome de Árvores Noturnas. Apesar de não ter nevado mais desde que o grupo saiu de Lua Argêntea, o chão estava coberto de neve, e os pés afundavam nela até a canela ou o joelho, isso dependia de quem respondia. Fred era aquele que mais tinha dificuldade em caminhar pela floresta; ora a neve quase lhe alcançava a cintura, ora arbustos da sua altura surgiam no caminho, obrigando o halfling a contorná-los, e muitas vezes Pingacana acabava com a neve acima dos joelhos ou em um labirinto verde. Mesmo Kórdan, que viveu toda a sua vida em uma floresta, tinha dificuldade em se mover. O druida, inclusive, sentia uma atmosfera opressora por todo lado, como se uma mão invisível tivesse envolvido toda a floresta e cada ser vivo dentro dela e esmagasse a todos de forma lenta e cruel. Seres vivos, aliás, que se resumiam às árvores, arbustos, cipós e outras plantas. Nem um pássaro, nem um lobo solitário, nem um roedor, nem mesmo um inseto foi visto pelo grupo. Caninos não queria entrar na floresta de forma alguma e Lavyia, que tinha uma conexão maior com a natureza, ficou sentada na nuca do lobo, agarrando seus pelos com força e gritando para eles não entrarem nas Árvores Noturnas. "Este lugar é mal", Lavyia disse, desesperada, "você não sente isso Kórdan?". Caninos apenas entrou depois de muita insistência de Kórdan e, mesmo assim, quando o druida já tinha caminhado por muitos minutos floresta adentro. A fada seguiu o grupo apenas para não ficar sozinha em um lugar desconhecido, mas a forma como ela agarrava as roupas do druida denunciavam o pavor de Lavyia em permanecer ali e ir cada vez mais fundo na floresta.
Ainda faltavam algumas horas para o sol atingir seu pico, mas os estômagos de todos já clamavam por comida. O grupo caçou alguns animais depois que as rações de todos acabaram e todos acreditavam que nas Árvores Noturnas teriam caça à disposição, mas não é essa a realidade da floresta. O grupo estava na metade leste da floresta, que fica mais ao sul, e seguia para o norte em busca do templo de Chauntea. Synne fizera questão de liderar o caminho e o resto do grupo vinha logo atrás dele, e como Ian não encontrou nenhum mapa que indicasse aonde ficava o lugar, o grupo precisaria procurá-lo. O que Lavyia disse era uma verdade incontestável e brutal, o silêncio era absoluto, opressor, e mesmo as folhas e galhos se movendo sob o vento não serviam para aliviar a tensão que pairava sobre todos.