Lyanna - Aythusa

Lady Lyanna Dambrath estava lendo tranquilamente um romance, recostada num aconchegante sofá de sua pequena casa no Condado de Mirador, quando repentinamente lembranças de seu passado surgiram em sua mente. Sua busca avida por informações, as negociatas, as extorsões. A morte de sua mãe. A expulsão do castelo do pai. Deserdada. A chegada no condado e a reconstrução de sua vida. Certamente daria um bom romance. Só não sabia se teria final feliz ou trágico.

Com um suspiro ela volta a ler, quando alguém bate a sua porta. Pela fresta na janela ela ve que se trata de Reder Hale, um homem de cabelos cinzas e olhos azuis claros, e uma barba curta, cortada rente. Trabalhava na guarda, e vestia armadura e portava espada.

Quando Lyanna abre a porta, não espera permissão e já vai entrando. Ele diz:
- Hoje vi que Lady Brime Mirador, minha amada, saiu novamente com aquele almofadinha da casa dos Bangleswade. Fico com raiva só de pensar nos dois de mãos dadas, trocando juras de amor! Cada dia que passa sinto que minhas chances com a filha do conde vão diminuindo! Descobriu alguma coisa que possa me ajudar, Lyanna?

Reder Hale olha inquisidoramente para Lyanna.

As lembranças de sua vida ocasionalmente vinham a tona quando Lyanna lia, porém as afastava com um suspiro. Era durona demais e, talvez, fria demais para se importar com o que seria de sua vida. O importante ela conquistara: sua liberdade. Além dela só o mundo importava.

Com esse pensamento em meio à sua leitura, Lady Dambrath foi interrompida com alguém lhe chamando em sua porta.
Sua casa não era muito grande e sequer havia a beleza do palácio de sua família, mesmo assim ninguém poderia dizer que não era confortável e elegante. Ela era conhecida por seu bom gosto e isso se refletia em suas coisas.

Incrível o que algumas informações picantes não podem comprar, não é?

Os olhos azuis de Reder eram inconfundíveis, bem como seu olhar tempestuoso. Ela sabia que ele viera a ela por informações. Era um bom cliente.

Ouviu-o silenciosamente, quase como quem não se importasse com os sentimentos que lhe afligiam. Esse era o jeito de Lyanna: soturno e silencioso. Se ela não estivesse à sua frente, talvez, ele sequer saberia que ela estaria ali o encarando.

- Muito bom dia, Sir Hale - Disse, fazendo uma reverência costumeira visto que ela era apenas "uma aldeã" e ele um um guarda superior à ela. A educação sempre lhe era importante.

- Esta noite teremos o baile da primavera, e o Conde estará presente. Graças aos meus... contatos da época da corte de meu pai, estarei lá para convencer algumas pessoas a se desinibirem com o vinho...

Ela o olhou de baixo para cima, sentando-se em uma poltrona próxima a lareira apagada de sua casa. Indicou que o homem se sentasse na poltrona à sua frente e lhe perguntou:

- Diga-me, Sir... é apenas por amor que me pede que destrua a união de um conde com Lady Mirador?

Ela não tinha pressa em seu trabalho, e o homem sabia suficientemente bem disso.
Por mais que estivesse sem tempo, Lyanna sempre pareceria estar com o tempo sob seus pés, e sua fala calma e mansa transpassava isso aos seus clientes.

A pergunta de Lyanna parece pegar Reder Hale desprevenido. Ele tosse um pouco e a observa, tentando adivinhar o possível motivo para tal.



- Ora, mas é claro! Eu sempre servi ao conde e a casa dos Mirador, nunca deixei que nada acontecesse de ruim para a família e para nossa Lady Brime. Como capitão da guarda, tenho que zelar pela segurança de todos! E todos estes anos que passei admirando-a de longe... com certeza entenderá meu amor quando me declarar a ela! E é por isto que o conde Bangleswade não pode se casar com ela! Não quando vejo que é um casamento arranjado, feito para unir os dois condados! Todos veem que ela será infeliz com ele!

Ao terminar a fala Reder Hale esta bem emocionado, levantando-se da poltrona, a mao em forma de punho. Ele vê que Lyanna esta a sua frente, calma, observando-o. O homem se recompõe e volta a se sentar.
- Sim, o baile da primavera... Um baile bem famoso, todos os anos os Mirador promovem esta festa, toda a nobreza da região estará presente. Estara la? Perfeito! Como sou o chefe da guarda, estarei também, coordenando a segurança da festa. Precisa que eu faça alguma coisa? Não sei bem o que planeja, mas darei todo o suporte...

Lyanna assiste o homem à sua frente com o mesmo ar calmo e frio de sempre. O amor não era motivo suficiente para que um homem que existe para servir às grandes famílias, exija que um noivado se desfaça... Mas isso ela mesma pode descobrir mais tarde.


- Sim, não posso fazer todo o trabalho sozinha. Precisa garantir que Lady Mirador corresponda ao senhor, caso contrário o noivado poderá ser reivindicado pelas famílias novamente. Creia quando digo que casamentos são mais importantes que a fome do povo, para eles.

Ela faz uma pausa, olhando o homem de cima a baixo, sem se preocupar em ser cortês com o gesto.

- Talvez consigamos que fique atraente, Sir. Deverá seduzir Lady Mirador e, se o vinho permitir, desonrá-la... de uma forma que o Conde a tome como imprópria.

Obviamente esse não era todo o plano de Lyanna... jamais deixaria que seu serviço dependesse do papel de um homem. Mas isso Sir Hale não saberia, não até o serviço ser completo.

Reder ouve as palavras de Lyanna enquanto vasculha sua casa por algo para beber. Ele então se vira e diz:
- Com certeza Lady Mirador se apaixonara por mim! Não é a toa que sou chamado nas tavernas de Garanhão de Mirador, as garotas não resistem ao meu charme. Mas – diz, coçando a barba – como chegarei até Lady Mirador para seduzi-la? Apesar de chefe da guarda, não faço parte de nenhuma família nobre, e com certeza o Conde se incomodará comigo conversando com Lady Brime. Além disto, Conde Bangleswade estará a seu lado durante toda a festa!

Lyanna vẽ o homem andar pela casa, e suspeitou que estava inquieto ou sedento. Portanto decidiu oferecer-lhe:

- Sir, tenho vinho, licor de pêssego e alguma cerveja se gostar de alguma coisa mais forte a essa hora da manhã... Se preferir tenho suco de maçã e leite adoçado com favo de mel gelado... Devo ter alguns biscoitos também, se deseja comer algo.

Ela falava calmamente enquanto se levantava e olhava para ele pacientemente, ouvindo-o falar sobre seus receios com Lady Mirador. Lyanna vivia sozinha em sua casa, não possuindo nenhum tipo de empregados. Simplesmente não confiava em criados indo, vindo e ouvindo sobre seus encontros com clientes.
Suspirando, perante a incapacidade dele compreender, ele explicou como quem explicava à uma criança:


- Na corte, Sir, tudo o que precisa para ter um momento de conversa com uma pessoa é de uma apresentação vinda da pessoa certa. Deixe que eu cuido disso para você...

Obviamente, Lyanna não pretendia ela mesma apresentar Reder Hale à Lady Mirador. Na verdade ela queria ficar o mais afastada do que estivesse acontecendo aos dois.

- Sobre o Conde... só posso dizer que basta que eu me preocupe com ele.

Reder aceita não somente um, mas três canecos de cerveja, arrotando sem cerimônia. Ele ouve as palavras de Lyanna, a face tornando-se mais rubra conforme suas goladas de bebida alcoólica.
- Muito bem, não tenho muita experiência na corte, se você diz que é tão simples assim, eu acredito – diz, se enrolando com algumas palavras. Ele vai em direção da porta, sem se preocupar em devolver o caneco – Nos vemos no baile então... Se tudo der certo, saberei retribuir, pode apostar sua vida nisto!

O capitão da guarda deixa a casa, batendo a porta atrás de si.

Não muito tempo depois, novas batidas na porta. Pensando ser Reder novamente, Lyanna abre, e vê um rosto conhecido... de um passado não muito distante.

Era Arlett Gylley, o filho da criada da cozinha do pequeno castelo em que morou em sua juventude. Tanto a criada como Arlett traziam as informações tão preciosas de Lyanna, que naquela época permanecia presa em seu quarto. Arlett parecia o mesmo, porém com grandes cicatrizes que lhe marcavam o rosto.



- Olá Lady Lyanna, há quanto tempo! Não nos vemos desde que... deixeu ver... seu pai te baniu... Não vai me convidar para entrar? – pergunta, com um sorriso matreiro.

''Idiota… Se beber desta forma, não apenas correrá o risco de arruinar meus planos, ou os seus planos, como também me acrescentará trabalho além do necessário para algo tão simples”, pensava Lyanna, enquanto observava o homem bebendo e saindo por sua porta.

Com um suspiro, fechou a porta. Se preparou para levar de volta a jarra com a cerveja, quando ouviu novamente o barulho no portão.

Com outro suspiro, dessa vez controlando sua paciência, ela abriu a porta um pouco rudemente, com um sorriso ensaiado nos lábios, imaginando que fosse Hale novamente.
Para sua sorte o rosto era amigo.

Arlett Gylley, o filho da criada da cozinha, certamente um homem que merecia mais do que possuía, muito mais do que Reder Hale tinha, isso era óbvio. Lembrava das vezes que se escondiam para comer os pães doces, com canela, açúcar, amoras e framboesas que Sra Gylley fazia aos domingos. Lembrava-se de certo dia que comeram toda a forma de assados que ela fizera para um almoço que seu pai proporcionaria… Passaram mal por uma semana, sem falar nas surras que levaram.


- Ora, meu bom amigo Arlett. Diga-me, quem foi a mulher que lhe deixou tamanha marca no rosto? - Disse, brincando sobre sua cicatriz. Ela voltara a sua postura verdadeiramente alegre, não a forçada que manteve para Hale.

Antes falava com um cliente. Agora, era com um amigo.

- Claro que deve entrar, por favor sente-se. Acomode suas coisas em qualquer lugar enquanto lhe trago algo para beber e comer.

Foi até a cozinha, trouxe um uma bandeja de prata com pão, um pouco de presunto fatiado, um pedaço de queijo e um punhado de frutas frescas. Junto também trouxe o leite adoçado e gelado, o licor de pêssego e o vinho. A cerveja já estava na sala.

Acomodou tudo na mesa de centro que havia, enquanto esperava que seu amigo iniciasse a conversa.
Estava mais animada com a visita do que com as possíveis informações que lhe trouxera, embora também fossem de seu extremo interesse.

Arlett da uma risada jovial diante da brincadeira de Lyanna.
- Para voce ver que existem diferentes tipos de reação a supostas traições. Lembra-se de Lady Olga Graham? Pois bem, devo dizer que ela deixou toda a finesse de lado e resolveu brindar sua taça na minha cara. Doeu bastante, pode ter certeza... – diz, enquanto entra na casa de Lyanna pela primeira vez. Ele da uma olhada rápida pelo local – Pelo visto conseguiu se manter bem, parabéns. A vida não deve ter sido fácil, longe do castelo de seu pai.

O jovem não tinha muita bagagem, apenas uma mochila as costas. Ele a deixa em um sofá, e se senta a mesa, onde se serve do pão e do vinho. Da um suspiro prazeiroso ao morder uma fatia de queijo.
- Não sabe as porcarias que comi nestes dias que estive a sua procura. Conseguiu esconder bem onde estava... Tive que comprar muita informação, mas digamos que aprendi com uma mestra – diz, fazendo uma reverencia.

Arlett termina de comer, e então se levanta, aproximando-se de Lyanna. Ele para a uma distancia respeitosa, e diz:
- Passamos muito coisa juntos, não passamos, Lyanna? Apesar da diferença social, voce nunca foi desrespeitosa comigo, pelo contrario, confiou em mim a ponto de fazer parte dos seus esquemas – disse, em tom serio, algo que não combinava muito com a disposição brincalhona do amigo – Senti muito sua falta quando partiu... E jurei para mim mesmo que a encontraria de novo, e que juntos formaríamos um novo time.

O meio-elfo de repente leva a mão na cabeça, e começa a coçar, ficando meio sem-jeito.
- Soou muito brega?

Lyanna sorriu sobre a história de Lady Olga e depois aquiesceu perante seu comentário de sua condição de vida.

- Enquanto houver a curiosidade e a ambição no mundo, meu caro amigo, posso dizer que ficarei muito bem sem meu pai. - Comentou sorrindo, a respeito de seu comentário sobre a casa e a condição de vida da jovem.

Lyanna sentou-se com ele e comeu as frutas e bebeu um pouco mais de leite gelado adoçado... ainda naquela noite ela iria beber muito no baile para agradar à todos e acompanhar as conversas dos nobres e preferiria não abusar da bebida tão cedo, afinal ainda não era hora do almoço e ainda tinha um longo tempo até o final da tarde.

Respondeu à reverência às suas qualidades com um sorriso, erguendo o copo com sua bebida como se brindasse àquilo. Não comentou nada a respeito... Gostaria de entender primeiro o que o trouxera até ela em uma jornada tão longa e aparentemente trabalhosa.
A suspeita lhe era uma companheira de alto preço em seu ramo, mas Arlett sabia disso e seguiu com a conversa.

Quando ele se levantou ela hesitou por um momento e depois levantou-se junto para encará-lo nos olhos, apenar de ser menor que o meio-elfo. Ouviu-o atentamente, apreciando silenciosamente o ar sério com que falava... Aquela postura realmente não combinava com ele, e ela segurou um risinho divertindo-se com aquela cena.

Ao final, quando ele rendeu sua postura e ar sério, ela permitiu-se rir e sentou-se novamente:

- Sente-se, não há necessidade de tanta formalidade. Claro que podemos trabalhar juntos novamente, mas antes terá de me dizer tudo que ouviu, viu e conseguiu durante esses tempos na estrada à minha procura.

Ela estava contente de ter um amigo, apesar de ainda ser cautelosa com tudo e todos. Estava ansiosa para saber as informações que cercavam o pequeno vilarejo em que ela vivia. Fazia tempo que não tinha notícias de fora.

Diante da receptividade de Lady Lyanna, Arlett permite-se soltar um suspiro de satisfação. Diante do pedido da anfitriã, o meio-elfo se senta, cruzando as pernas.
- Por onde começar? Posso dizer que além da curiosidade e ambição, existe uma gama de “qualidades” humanas e não-humanas que podem garantir o sustento de qualquer um – comenta, enquanto se deleita com um cacho de uvas. “Não-humanas soou estranho, kkk!”. Ele fala sobre toda a maneira de informações escusas, como quem estava traindo com quem, planos de alianças entre os nobres, quem estava se casando para aumentar sua influencia e poder, quais pessoas estavam sonegando impostos, fomentando a prostituição ou comerciando objetos roubados. Ambos riram muito, quando Arlett comentou sobre os fetiches de determinados nobres.”Você sabia que o nobre Bruhmann só consegue se animar quando usa veste de coelho? E adivinha para que serve a cenoura...”, comenta, gargalhando.

Porém Arlett subitamente para de rir. “Ouvi alguma coisa do lado de fora, nos fundos... Esta esperando alguém?”, pergunta. Rapidamente ele murmura palavras arcanas e gesticula, e um escudo semi-transparente surge a sua frente, reluzindo brilhos mágicos. “Isto ira nos proteger, fique atrás de mim”.