C h r y s a l i s
Narração - Amanda (Nix)
Desde pequenina, Amanda sempre fora uma criança muito imaginativa: nas noites de domingo, meia hora antes de dormir, o pai tirava um tempinho para ler pra ela, tornando aquele momento o mais mágico da semana, para a jovem. Como estava sempre viajando para representar empresas multinacionais, Bruce compensava a ausência trazendo livros novos para a filha, o tipo de presente favorito dela. Todo domingo era algo diferente: princesas, fadas, vampiros, unicórnios, elfos, dragões... Todo tipo de fantasia, ingredientes incríveis para a imaginação fértil da menina. Ela não deixava o pai dormir até que terminassem o livro, para que assim pudesse ter toda história na cabeça durante o resto da semana.
A família era toda muito ocupada, inclusive ela. Enquanto os pais estavam trabalhando até tarde, a jovem estava sempre acompanhada de algum tutor: pela manhã, tinha aulas relacionadas à escola; de tarde, aprendia coisas relacionadas a sua carreira, como artes cênicas, cultura geral, etiqueta, moda, desfile etc.; no início da noite, corria e fazia exercícios acompanhados, para manter a forma; e, somente após o jantar, tinha um tempinho livre para sentar e ler seus mangás ou jogar videogames, além de escrever no blog de contos Balefire histórias baseadas no universo fantástico que conhecera no domingo anterior, com o pai.
[...]
Sua rotina se manteve assim até fazer 15 anos, quando sua carreira como modelo deslanchou de vez e ela conseguiu um emprego fixo em NY, indo morar sozinha lá. Por dois anos, trabalhou duro, tanto nas passarelas quanto na área de ficção, conseguindo até publicar dois livros infantis. Em alguns momentos de solidão, pensara estar ficando doida, vendo partes dos seus contos e livros tomando vida e a acompanhando pelas ruas... Além de enxergar seres fantásticos andando por aí. Nunca havia contado nada disso pra ninguém, achando que ia passar... Mas aquilo só piorava.
Por sorte, perto do seu aniversário de 17 anos, no início de dezembro, havia conseguido uma folga dos desfiles, marcando uma sessão fotográfica na sua cidade natal e aproveitando para passar o restinho do mês e o natal lá. Mesmo que os pais estivessem na correria de fim de ano, ao menos durante as noites tinha certeza que os encontraria e sentiria a paz de estar em casa novamente.
[...]
Chegou em casa no dia 15 de dezembro, numa noite fria e muito úmida. Os pais a estavam esperando para jantar, embora os dois não tivessem largado os smartphones um minuto sequer, durante a ocasião. Não importava o assunto que a menina tentasse puxar, eles apenas assentiam ou sorriam, voltando a comer e a olhar para a tela em suas mãos.
[...]
Após o jantar, a menina subiu para o antigo quarto, se sentindo pior que quando havia chegado. Tudo parecia igual, até mesmo as bonecas, na estante, pareciam estar no mesmo lugar. Ângela se sentou na cadeira da escrivaninha, abrindo o antigo notebook, pensando que provavelmente ele não estivesse funcionando mais, mas levou um susto ao ver que ele funcionava... E ainda estava com bateria, mesmo fora da tomada. Na tela, o último site acessado há anos atrás, um conto antigo, cheio de erros e passagens incongruentes...
*pi pi pi pi pi*
Uma mensagem chegou, fazendo a menina pular. Era um email do Balefire anunciado a reabertura e convidando os autores que eram populares para publicar de forma rentável, no site.
[...]
Pela manhã, nem se lembrava do momento que dormira, apagou na cadeira mesmo, de tanto cansaço. Atrasada para a sessão fotográfica, a jovem nem teve tempo de tomar café da manhã, agradecendo pela comodidade de ter um motorista a sua espera. [...] Ao chegar lá, a rotina corrida de sempre: depilação, maquiagem, roupas e mais roupas, cabelo... uma loucura. O ensaio seria sobre contos de fadas e ela era a branca de neve, ou seja, várias trocas de roupas e fotos até receber o beijo do príncipe, um modelo super gatinho chamado Josh, que estava de olho nela durante a maquiagem.
Foram realmente muitas fotos. O estômago vazio de Amanda não estava ajudando, fazendo aquelas visões voltarem, entre um flash e outro. A mais bizarra aconteceu momentos antes de ela deitar no caixão de vidro, enquanto ajeitavam as flores no cabelo dela. Ao olhar para Josh, sem camisa, enquanto ajeitavam a calça apertadinha dele, teve a impressão de ver, ao invés de pernas humanas, pernas de bode... E o pior, o achou super atraente daquela forma.
[...]
A jovem sacudiu a cabeça, deitando no caixão e sentindo o cheiro forte das flores a sua volta. Fechou os olhos, ouvindo a falação de todo mundo, sentindo a luz forte em seu rosto e tendo de respirar bem calmamente para não sentir uma leve claustrofobia devido ao caixão de vidro. Poucos segundos depois, tudo era silêncio. A luz forte em seu rosto sumira e as flores pareciam bem mais desconfortáveis. A parte mais estranha foi sentir uma brisa forte balançando seu vestido.
Ao abrir os olhos, não estava no estúdio e nem era de manhã. Estava completamente sozinha, em um campo de alfazemas. Em volta do campo, uma floresta muito vasta se estendia e, entre uma árvore e outra, a menina só conseguia ver escuridão.