C h r y s a l i s
Narração - Jack (Edwin)
Ao acordar naquele quarto frio e mal iluminado, o jovem Jack suspirou. Não se lembrava exatamente de como sua vida havia se tornado tão bobona e chata, mas se lembrava do motivo: o assistente social, Sr. Frogoldians, que, por incrível que pareça, parecia mesmo sapo. Quando o jovem dizia isso aos outros meninos, eles riam, pensando que ele estava zoando, e repetiam aos quatro ventos como a personificação da rebeldia dos dez e poucos anos, mas mal sabiam que Jack chamava o assistente social de “Sr. Cara de sapo” pois, desde a primeira vez que o vira, somente enxergava uma cara grande, gorda e nojenta de sapo, no lugar da cabeça do homem.
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Tudo havia começado quando chegaram em Celtic Harp uma cidadezinha da Louisiana, quase distrito de New Orleans. Era uma cidade esquisita, pequena, quente e com uma população de turistas bem grande (devido ao grande cenário cultural presente ali). O local parecia sofrer tanto influência da cultura de New Orleans, quanto dos seus fundadores irlandeses, tendo um clima misto entre ocultismo e misticismo. O circo parou em uma fazenda que cedera espaço por um preço bem baratinho e armou suas tendas, não demorando a começar os espetáculos magicamente estranhos.
Jack tinha um papel de destaque nas apresentações: conseguia encantar a todos, em suas acrobacias na corda bamba, transformando o que seria um número de tensão em um número mágico, cheio de adrenalina e belos movimentos. Muitas vezes ouvira que “tinha a magia dentro dele” e nunca foi capaz de negar, afinal, para o menino, a beleza estava nas nuances e a magia estava no que se mostrava de forma bela... E o circo, no qual ele crescera e formara sua personalidade, era a alegoria perfeita para esse pensamento.
Muitas vezes Jack até se deparara com situações nas quais pensara que a magia era mesmo real, principalmente depois de completar 10 anos. Enquanto contava histórias para as crianças mais novas, filhas dos artistas circenses, por vezes parecia ver os personagens se formarem no fogo da fogueira e, o mais incrível era ver as crianças indo embora, após a brincadeira, conversando com seus amigos imaginários, que não pareciam nem um pouco irreais. Vez ou outra também enxergava pessoas “estranhas” por aí, em lugares que pareciam de outro mundo, mas não parecia ligar muito pra isso... Uma criança que cresceu no circo é uma criança acostumada com o Glamour, mesmo que não sua alma ainda não saiba o que isso signifique.
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Ao ser visto se apresentando, chamou atenção do Sr. Cara de sapo. Ele era um assistente social cheio de vigor e certezas inabaláveis, achando um absurdo uma criança em idade escolar viver daquela forma. Não demorou muito para que ele e alguns policiais aparecessem no circo, com papéis em mãos e muitas palavras feias. Jack se lembrava exatamente do momento mais horripilante de sua vida: ele estava treinando um novo número, utilizando um guarda chuvas em uma mão, para manter o equilíbrio enquanto fazia brincadeirinhas na corda bamba, quando viu a cara feia de James Frogoldians entrar no circo e ir falar diretamente com Albert. Sentiu um frio terrível tomar o seu corpo e congelar as suas pernas. Enquanto os adultos discutiam o futuro de Jack, o garoto entrava em queda livre... Mas, por um momento, sentiu um desejo de que a rede não o segurasse contra a gravidade.
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Desde aquele dia, tem vivido em um orfanato na cidade. Não era algo definitivo, Albert disse na última visita que fizera, mas ele tinha de ficar lá até que o homem conseguisse resolver a documentação do garoto e comprovar que ele estudava de forma regular, ainda que em uma escola diferente a cada temporada. Além daquela vida monótona do orfanato, Jack havia começado a frequentar uma das escolas da cidadezinha, vendo mais coisas “mágicas” lá, do que imaginara. Até o “tio” da biblioteca era esquisito, com orelhas de coelho tão grandes que, por vezes, tocava a mesa do computador onde ele trabalhava.
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Naquela noite, acordara de um pesadelo terrível, com o corpo cheio de suor e uma sensação de imensidão em sua barriga. Sonhou que o circo havia partido sem ele e que ele seria obrigado a viver ali até ser maior de idade. Aquilo era medonho, na mente do guri, o fazendo perder o sono. Enquanto tentava dormir novamente, ouviu o latido de Winter no jardim. Era um latido inconfundível, principalmente pela urgência que ele apresentava. Ao olhar pela janela, veria o cachorro correndo de um lado para o outro, em volta de uma árvore que brilhava feito ouro. Assim que percebeu o olhar do menino, o cachorro passou por uma fenda na árvore, que era muito pequena, para qualquer animal maior que um rato passar.
Era tarde e o toque de recolher não permitia que ninguém saísse pela entrada principal do orfanato.