C h r y s a l i s
Narração - Victorine (Krystallia)
Sweet dreams are made of this
Who am I to disagree?
Who am I to disagree?
Sabe aquele momento de um pesadelo, quando você tem certeza que aquilo é apenas uma noite ruim de sono, mas, ainda sim, continua temendo? Continua chorando e gritando, para tentar se livrar daquela angústia, até acabar acordando suada, com medo, com os lábios úmidos de sangue e as pernas bambas? Pois é, após todo sonho ruim, você percebe que o “mundo real” ainda está ali, assim que abre os olhos, e uma sensação de alívio lhe consome, não é mesmo? Mas o que você faria, se, como a jovem Victorine, não pudesse acordar?
[...]
I traveled the world and the seven seas
Everybody's looking for something
Everybody's looking for something
Antes do fatídico verão, Vic era uma adolescente comum, enfrentando os dramas comuns de uma jovem de 15 anos. Além disso, enfrentava toda pressão e maravilhas de ser uma patinadora artística. Era uma vida boa, com muitas alegrias e conquistas. Os pais dela também eram artistas, então a menina tinha todo o incentivo para seguir a carreira, além de não ter problemas quanto ao custeio de suas viagens, acessórios e professores. Enfim, tudo em sua vida estava indo muito bem, até que, em uma apresentação decisiva para a sua carreira, ela viu pernas de bode, no amigo que a segurava.
Após isso, somente o declínio da sanidade Banal da menina aumentou... E a tristeza e a decepção tomaram lugar da alegria e vitórias, na vida de Victorine.
Some of them want to use you
Some of them want to get used by you
Some of them want to get used by you
Os pesadelos começaram a ser frequentes e cada vez mais terríveis... Apesar disso, pareciam apenas pesadelos. A jovem Sidhe apenas descobriu o que eram, de verdade, quando um deles, o pior e mais terrível de todos, aconteceu: sua família foi morta em um atentado terrorista, sendo ela a única sobrevivente. “Eu sabia, vovó! Eu sabia que isso ia acontecer!” confessou baixinho, no enterro da família. A avó apenas soltou a mão da jovem, pensando que ela estava tentando aparecer de um jeito mórbido demais... Mas nunca mais pegou na mão da neta, depois disso.
[...]
Os meses que se passaram não foram mais fáceis. A menina havia ouvido diversas vezes a avó conversando com adultos, falando que a neta estava se tornando esquizofrênica. Mesmo que Vic tivesse parado de falar com a avó, sobre as suas visões e sobre o mundo esquisito que via cotidianamente, agora, a idosa conseguia ver a jovem chorando baixinho enquanto conversava com a parede... Ou lendo baixinho coisas estranhas que escrevia em seu diário. Certa noite, enquanto ela estava escondida no armário da cozinha, ouviu a avó no telefone, marcando uma “consulta”.
Some of them want to abuse you
Some of them want to be abused
Some of them want to be abused
As consultas se tornaram frequentes. O psicólogo que ela ia era bem bonzinho e parecia um Hobbit, de senhor dos Anéis. Apesar de nunca terem falado sobre o que eram, ele sempre conseguia tranquilizar a menina, com conversas calmas e histórias da juventude dele. Mas, como as coisas estranhas não pararam, a avó resolveu que era hora de algo mais incisivo.
“Não aguento mais, Vic! Não aguento!” foi a última coisa que ouviu da avó, enquanto ela arrumava as malas da menina. Um pouco antes, havia rasgado todos os cadernos da menina, além de jogar o Cello no jardim, pois ela dizia que as músicas que a jovem tocava lembrava muito os falecidos pais dela.
A ambulância chegou.
O mundo, tão cheio de beleza colorida aos olhos dela, adquirira, muito rápido, tons de cinza assustadores.
[...]
Sweet dreams are made of this
Who am I to disagree?
Who am I to disagree?
Já passava da meia noite e Victorine ainda estava acordada. As luzes de todo o hospital já haviam sido apagadas e o escuro reinava no quarto pequeno e monocromático da menina. Estava frio. Caso se mexesse um pouquinho, poderia sentir as barras de ferro com a ponta dos dedos do pés e a sensação gelada, provinda delas, invadir seu corpo, tornando aquele cobertor fininho ainda mais inútil. O ar era úmido e salgado, pois o hospital ficava sobre um morro ao lado do mar, piorando ainda mais a sensação de dormir lá, nos dias frios. E o escuro era escuro. Talvez o único momento em que Vic enxergasse as coisas da mesma forma que as pessoas “sem filtro”, como ela intitulava os humanos comuns.
[...]
Como toda noite, o silêncio, vez ou outra, era interrompido por gritos. Victorine estava aprendendo a identificar quando eles eram de medo ou de dor... e, naquela noite, teve a impressão de ouvir ambos, de uma só pessoa.
Apesar de gostar de aproveitar o escuro, a jovem acabou indo dormir, apertando o travesseiro contra os ouvidos, para abafar aquele som que parecia a machucar tanto quanto a dor e o medo machucavam a pessoa que gritava.
[...]
Sonhou com o dia do acidente. A família feliz no carro, todos cantando uma música bem antiga, que o pai adorava. Estavam a caminho do lugar que todos eles morreriam, exceto ela. Ao seu lado, o seu irmão sorriu de forma macabra e disse “você sabia”, a mãe a observava do espelho, com o corpo todo ensanguentado “Por que não nos ajudou?”, o pai ainda cantarolava, uma canção de culpa direcionada a filha. Um de seus olhos pulavam para fora da órbita, apenas com um “fio” vermelho o segurando, enquanto ele descansava na bochecha do pai.
As vozes não cessavam, culpando a menina por todo o acontecido.
Um culpa que ela, realmente, sempre pensara ter.
[...]
Apesar de os remédios para dormir serem bem pesados, Vic não os havia tomado. Guardara para trocar pela gelatina de Jenny, no almoço, que era batizada com antidepressivos. A jovem adorava o efeito dos antidepressivos no corpo, mas não recebia nenhum, pois os medicamentos de esquizofrenia eram muito fortes.
Sem o efeito dos remédios, conseguiu acordar daquele pesadelo, devido a angústia e o medo presente em seu corpo. Apesar de acordar, estava sem coragem de abrir os olhos. Sentia que algo estava errado.
As vozes assustadoras e culposas ainda sussurravam no ouvido da menina, só que, ao invés das vozes de sua família, ouvia algo assustador, rouco e profundo. O quarto estava ainda mais gelado, "congelando" os membros dela. Uma gota de algo viscoso pingou em seus lábios.