Partida

Sinafae estava acostumada à Escuridão Subrrânea, mas a drow agora seguia só e isso fazia toda a diferença. As estalactites que se assemelhavam à dentes de dragões colossais, a água que se infiltrava pela rocha, morcegos que observavam tudo do alto, o completo silêncio que escondia abismos profundos o suficiente para que ninguém nunca tinha chegado ao fundo, ruídos próximos e ecos distantes... Tudo tinha se tornado uma ameaça. A ladina ainda era uma drow e a mera visão de alguém de sua raça faz a maioria dos habitantes do subterrâneo mudar de caminho, mas também desperta ódio e o desejo por morte; a de Sinafae, nesse cenário hipotético. Todos temem os drow na mesma proporção em que os odeiam.

O caminho até o Vale das Sombras é longo, quase cem quilômetros, e ele geralmente é percorrido em alguns dias, mas a drow prevê uma viagem mais longa. Os Ermos Profundos, região do subterrâneo que abrange desde o deserto Anauroch, à oeste, até a Vastidão, além das Montanhas Esporão da Terra, à leste, e a Terra dos Vales e o Mar da Lua entre os dois extremos, é uma região selvagem e pouco habitada, com povoados esparsos de drows, duergares, svirfneblins, kuo-toas e outras raças que vivem nos Reinos Abaixo, e grupos de mineiros, comerciantes e batedores dessas raças também viajam por essas rotas, portanto Sinafae deveria viajar com extrema cautela ou não chegaria à superfície; a Escuridão Subterrânea é extremamente perigosa para quem viaja sozinho, inclusive aos drows. E, claro, haviam os anões. "A Aranha e o Machado" foi o nome que alguns bardos deram para o interminável conflito entre anões e drow, tanto por território quanto pelas riquezas do subterrâneo. Os conflitos são menos frequentes nos Ermos Profundos, sendo mais intensos no norte, próximo de Menzoberranzam e do Salão de Mithral, e no sul, com anões dourados da Grande Fenda lutando incansavelmente com drows das grandes cidades da região. Enquanto muitas raças do subterrâneo desviam do caminho de um drow, um anão avança com fúria e arma em mãos.

Sem que pensasse a respeito, Drizz Do'Urden veio à mente de Sinafae; o exilado mais famoso de todos e talvez o único que tenha sobrevivido para se tornar conhecido. Contam que ele viveu dez anos sozinho nas cavernas e corredores das Terras Sem Luz, mas essa e outras histórias eram sempre contadas em tom de deboche em Maerimydra e Sinafae acostumou-se a pensar dessa forma, apesar de não saber se existe mesmo verdade por trás delas. Talvez os relatos que chegavam sobre Drizzt agora ganhem um novo significado para a ladina.

Sinafae não conhecia todos os caminhos por onde os corredores seguiam, já que a drow nunca tinha ido até os Vales, portanto devia seguir com atenção. O mapa que a ladina conseguiu indicava o caminho mais seguro e direto, que era usado pelos batedores e espiões de Maerimydra, mas ele precisava ser manuseado com cuidado; além de grande demais, o papel estava gasto, com um rasgo em um dos lados, e havia uma série de anotações feitas depois do mapa ter sido desenhado. Tudo isso tornou a leitura de certos pontos confusa ou difícil. Era simples encontrar Maerimydra e alguns refúgios pelo caminho no velho mapa, assim como o Lago das Sombras numa borda, mas todo o resto estava confuso e era preciso ler as informações mais de uma vez para não haver dúvida; aliás, o Lago das Sombras era a única forma de se orientar no mapa e saber onde era o norte, não que essa seja a única necessidade ao se viajar pelo subterrâneo. Em um mundo de fendas, abismos e desfiladeiros, saber o norte é apenas um detalhe.

O longo túnel que Sinafae percorreu por quase trinta minutos depois de deixar Maerimydra finalmente terminara, e seu fim não era nada agradável. Uma fenda cortava a terra, larga o suficiente para o outro lado não ser visível sem alguma fonte de luz mais forte do que uma tocha, e um paredão de pedra se erguia por muitos metros para ambos os lados. Uma olhada dentro da fenda revelou uma fina linha laranja-avermelhada cortando a escuridão e um calor latente que fez o rosto de Sinafae esquentar no frio do subterrâneo. Era difícil estimar a distância entre a drow e o rio de lava, mas não seria nada perto de um simples tombo. Um caminho estreito margeava o paredão e a fenda, separando-os por pouco mais que um metro, espaço suficiente para permitir que alguém ande por ali, e a ladina poderia seguir para qualquer um dos lados. Não havia nenhuma ponte que a drow conseguisse ver na escuridão, e uma brisa de ar quente soprava continuamente de dentro do abismo. Sinafae ouvia o som de água pingando e ecos de guinchos que se pareciam com morcegos, mas um som mais grave, parecido com um rosnado ou um ronco, se sobrepôs e fez um arrepio percorrer a espinha da drow.

Com o mapa guardado e a faca ao alcance da mão por debaixo do manto passava uma sensação de tranquilidade afinal se sangra pode ser morto era o ditado e proverbio conhecido o ruído podia significar qualquer coisa em sua pequena experiência com animais ela sabia que podia ser um predador então bem fez o que um ladino sabe fazer de melhor e saiu de vista escondendo-se nas sombras.

A espada curta estava fora da bainha, mas era esperado que o que quer que fosse passasse e fosse embora... caso contrário teria que ir aos poucos e devagar.

Sinafae se prepara para o caso de algo surgir da escuridão do subterrâneo e esconde-se, voltando para o corredor de onde veio. A drow estava com suas mãos nas duas armas que carregava e esperou. Cinco minutos, dez minutos... Nada surgira e nem parece que surgirá. Talvez o rosnado tenha sido apenas um eco ou o animal não tenha visto a drow, Sinafae não sabe dizer. Mas, aparentemente, o caminho está seguro para prosseguir.

Sinafae solta um suspiro de alivio pela preocupação que passou, mas não baixa a guarda, pois Underdark não é um lugar para incautos e em todo caso até estar fora de perigo seguiria precavida não anunciando sua presença com pesadas passadas ou barulhos desnecessários e seguiu cautelosamente até pegar uma certa distância deste lugar e do que quer que tenha feito o rosnado.

L'alurl velvel zhah l'velkyn uss. Ela sussurra para si mesma e parte.

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