El Compadre Bar – 7408 W Sunset Blvd – Los Angeles, CA (3.30 am)
– Só mais uma... – Diz, como se fossem acreditar dessa vez – Porra, queria saber o motivo dessa desconfiança toda!
O dono do bar, um mal encarado conhecido apenas como "Joe", prefere se calar. Continua enxugando um prato que já parecia estar bem seco. Jared nota um leve trincado na região inferior da louça, que não parecia ser das mais caras. Após dar um tempo para o brutamontes se pronunciar e ter certeza de que seria ignorado, retoma seu misto de discurso e súplica.
– Você vai me fazer apelar para o dealer da esquina, Joe? Sério mesmo? Essa espelunca deve estar faturando uma nota para desperdiçar um cliente bom como eu!
Não apenas Joe, mas todos que cercavam o local e viam aquele princípio de discussão caem numa gargalhada de piedade e de escárnio. Já conheciam Jared, sabiam de suas reais condições e ouviam toda semana aquela mesma ameaça. Joe até achava engraçado, mas aquele dia em específico não estava muito aberto para piadas. O bar, que acabara de ser autuado e tinha aproximadamente três dias para fechar, já estava com seus dias contados. Isso significava que não teria mais dinheiro sequer para sustentar seu vício secreto: maratonas de Gossip Girl no Netflix. Se ao menos tivesse o conhecimento suficiente para usar aqueles tais torrents, sua ira estivesse menor. E o tal do Jared ainda fez questão de chamar seu negócio, aquilo que garantia seu sustento e seus caprichos, de espelunca.
– Vou te mandar a real, estrupício. – Joe larga o prato sobre a bancada. Jared nota que o trincado na peça aumenta levemente. – Você só me traz prejuízo, e não quero mais te ver aqui. Aliás...
Joe fica de costas, mostrando a caveira enorme estampada nas costas de sua jaqueta de couro. A bandana preta tinha um nó na nuca do homem, e os fios de cabelo que escapavam por baixo dela deixavam evidentes seus quase cinquenta anos.
– ... Isso aqui é o que você acumulou em dívidas. – Joga um pedaço de papel rasgado e amassado nas pontas. Muitos números estavam anotados ali de maneira aleatória, mas um deles tinha destaque, evidenciado com um quadrado à volta seguido de três riscos embaixo, sublinhando-o: três mil e quinhentos. – Isso aqui tá em dólar, se não ficou claro.
– Joe, Joe... Vamo lá, cara. – Jared pega rapidamente o papel e joga-o para trás, demonstrando o quão insignificante aquilo era. – Então é tudo por causa de grana? Porra, você precisa mesmo do meu dinheiro para manter essa espelunca aberta?
- Moleque... – Joe respira fundo. As pessoas que estão próximas dão um passo para trás. – Se chamar meu bar de espelunca de novo, vai ficar preso pra sempre nessa joça. Aliás, não você... Seu ca-dá-ver.
Quase como um reflexo, Jared também dá um passo para trás. Sorri, sem graça, e olha para os lados. Engole seco e coloca as mãos no bolso, como se fosse pegar alguma coisa valiosa. Em sua mão direita, é possível ver uma nota de cinco, que provavelmente seria afunilada como um canudo e usada para cheirar, e dois anéis metálicos de latinhas, provavelmente de cervejas.
– Joe, big Joe, vamo esquecer isso tudo e me vê um goró, vai.
Nesse momento, a ira de Joe atinge níveis épicos. O décimo grau na escala Hichter. Os cem graus celsius de ebulição. A queda de mil quinhentos e sessenta pontos da bolsa de Nasdaq. Coloca a mão com força sobre o prato que acabara de repousar sobre a bancada, quebrando-o instantaneamente. Pula sobre a bancada na direção de Jared e segura-o pelo colarinho da camisa. Jared pode sentir a ponta da barba de Joe roçando contra seu nariz.
– Ei, Joe. Disseram que te chamam assim porque seu nome completo pode invocar o capeta. – Sorri com os olhos. – Mas eu não vi sua mãe por aqui ainda. Sabe onde ela tá?
Finaliza a provocação com um soco contra o rosto flácido de Joe. O barman não sente nada; as palavras de Jared pareciam ter causado mais efeito do que o soco que acabara de desferir. Quando se dá conta, tem o rosto coberto pela mão de Joe – a mesma mão que acabou de esmurrar o prato. Só assim, Jared pode perceber que ele machucara a mão no movimento. Com ajuda de dois outros clientes (ou amigos, ou admiradores, ou capangas, ou vadiazinhas paga-pau), Jared é jogado para fora do bar. As luzes neon na cor roxa são substituídas por um céu noturno e sem estrelas.
"Pegou pesado, Joe."
Estranhamente bem-humorado, Jared levanta e usa as mãos para limpar a poeira da calça jeans, sem perceber que metade de seu rosto estava coberto pelo sangue de Joe. Percebe um rasgo pequeno na camisa preta, além de um botão que saíra da casa. Caminha pela calçada, seguindo à direita do El Compadre – e finalmente percebe que poderia apelar ao nome do bar para despertar o sentimentalismo de Joe. Olha para os próprios sapatos enquanto caminha, buscando pelo maço de cigarros no bolso da calça. Será que havia caído? Ah, aquele definitivamente não era seu dia. Prestes a dar meia volta, Jared vê um brilho na escuridão do beco à frente. Cabelos louros e longos. A mulher estava acompanhada, e balbuciava algo inaudível para um homem muito bem vestido. Pareciam se despedir a medida em que as trevas da noite engoliam a misteriosa garota. Uma fagulha incendiária pode ser vista no chão. Jared corre até o lugar e pisa sobre o fogo até apagá-lo. Vários pedaços de papéis chamuscados podem ser vistos, e continham mensagens... Mensagens estranhas e sem qualquer contexto que gerasse algum significado a elas..
"Stravos. Cruzion. Dante. Megan. Valentine. Matusael. Tron. Nikah. Zaniel. Nix."
Aqueles nomes não faziam sentido algum... Se é que eram mesmo nomes. O que seriam? Alvos? Papel queimado proveniente de um encontro num beco não pode significar algo bom...
– Rikbiel...? – Jared arregalha os olhos ao ver o outro papel. E, ao ler o próximo nome, sente o coração bater intensamente. – Caleb?
Uma gota de suor escorre por suas têmporas. Respira ofegante, olhando com cuidado para o beco, a fim de se certificar de que não fora visto. Depois de se sentir suficientemente seguro, dispara pelo caminho contrário, correndo como nunca correra em toda sua vida. Não, aquilo não poderia estar acontecendo... Haviam descoberto o segredo. A verdade. O selo.
Tudo estava prestes a mudar. |