Apesar já serem umas boas 8h da manhã, o clube Blue Sky ainda funcionava ativamente, afinal de contas haviam aqueles que só podiam usufruir dos serviços ali prestados de dia, outros somente a noite, e assim funciona este estabelecimento, sempre a disposição de quem podia pagar por isso, sendo em dinheiro, ou talvez de outras formas. Os seguranças, do tipo brutamontes misturados com homens de preto, se esforçavam para conter a enorme fila, e também dar passagem para que o excelentíssimo proprietário conseguisse adentrar, após estacionar bem em frente, em uma vaga exclusiva, seu Rolls Royce Phantom II, fabricado em 1930, e obviamente na cor preta com detalhes cromados.
Se fosse para descrever o Sr. Dante Morelli em uma única palavra, com certeza seria estiloso. Vestindo um terno negro e brilhoso, caminhou por uma improvisada passagem entre as pessoas feita com muito esforço por seus seguranças, e antes de entrar deu um leve tapa no ombro de um deles e disse, os elogiando:
- Muito bem rapazes, continuem assim.Logo na entrada havia um corredor que levava a uma recepção eletrônica, onde era digitado um número de 1 a 5, que quando feito, fazia um dos vários elevadores que levavam até um dos 5 andares do edifício serem liberados por sua preferência, cada andar era de um gosto e estilo diferente. Dante não iria a nenhum destes, tinha de trabalhar é claro, e para isso detinha de seu próprio andar privado. Colocou sua digital no leitor biométrico e no visor acima da porta do elevador surgiu o número zero, onde Dante entrou. O andar Zero ficava abaixo da terra, quase como se fosse um bunker. Quando a porta se abriu, sua nova secretária, a Senhorita Elizabeth Layton vinha o cumprimentar:
- Bom dia Senhor Morelli, aqui está o seu café.Dante pegou o copo plástico marrom com uma tampa branca que continha a descrição “Capuccino extra-forte”, e a agradeceu acenando com a cabeça antes de seguir reto, em direção ao seu escritório.
- Obrigado querida, ligações?
Ela o acompanhava pelo claro corredor, e o respondia com seu sotaque inglês, tímida com a cabeça baixa.
- Sim, meu senhor, várias aliás, uma era de uma menininha que se dizia sua amiga, achei estranho, mas...
- Ah! Não se preocupe, já sei de quem se refere, mais alguma coisa?
- Não senhor, por enquanto apenas isso.
Chegavam ao final do corredor, onde ficava uma mesa, e logo atrás uma porta de aço.
- Muito bem, caso venha a acontecer algo, o que sempre acontece, pode me chamar pelo telefone.
- Sim senhor, pode deixar.
Dante lançou um sorriso simpático para sua funcionária, recebendo outro, ele sempre recebia, antes de ativar novamente o leitor biométrico e adentrar seu escritório. Não era menos opulento do que o resto do lugar, apesar de ser um pouco diferente, mais, digamos, aconchegante. Seu chão, em vez do mármore imponente, era de uma madeira escura muito bem-acabada, assim como suas paredes, estas com detalhes parecidas com molduras que davam um ar de uma mansão antiga, cheia de estantes com vários livros e vários quadros pintados à mão retratando as várias vidas que seu dono já havia usufruído, sem falar da bela e grande lareira, a qual iluminava todo o cômodo com suas altas e vividas chamas. No teto, vários pontinhos brancos brilhavam, o fazendo parecer o espaço sideral, Dante adorava olhar para ele enquanto utilizava seu telefone, e foi logo o que fez, após se sentar em sua cadeira de couro avermelhado. O tal telefone, assim como o resto do escritório, com exceção de seu microcomputador, também parecia sair das primeiras décadas de século passado, era todo vermelho com uma circunferência prata cromado no meio, onde possuía os números e símbolos a serem discados, girando-os em uma volta completa.
Uma voz feminina, aparentemente de uma criança atendeu:
- Molloch? Hihihih... você precisa ver isso hihihih...
- Pazuzu, meu querido, á quanto tempo, parece que conseguiu mais uma vítima, não é?-
Hihihi... e ainda é mais perto do que você imagina, venha me visitar, conhecer minha nova família hihihi... pelo menos enquanto estão vivos hihih.As risadinhas sádicas de Pazuzu o deixavam enojado, mas não podia ser rude com um suposto aliado, ainda mais nos dias de hoje, “Mantenha seus amigos próximos, e seus inimigos mais ainda” era algo que tentava seguir cautelosamente.
- Infelizmente ando muito ocupado, você sabe, mas vamos manter contato, quando eu arrumar um tempo livre, prometo que irei visita-lo.
De repente a doce e aguda voz de menina deu lugar a um tom grave e masculino, revelando a verdadeira voz do infame demônio, ainda que mantendo a suavidade das palavras, quase que sussurrando:
- Ah Molloch, você costumava ser mais interessante quando ainda utilizava aquela cabeça de touro..., mas lhe desejo boa sorte, pelo que andei ouvindo você irá precisar.
Antes que Dante pudesse questiona-lo sobre o estranho aviso, o telefone fez aquele belo e poético som de “Tu-Tu-Tu”. Colocou-o de volta no gancho, girou a poltrona a 180° e ficou um bom tempo encarando uma enorme pintura fixada acima da lareira. A pintura era dividida em duas partes, a de cima era de um tom de cores avermelhadas, onde havia um ser com uma cabeça de touro e com um corpo humano, observando seu reflexo na parte de baixo, essa predominante de cores azuladas e suaves, com imagem invertida de um ser celestial, de asas brancas reluzentes, segurando em ambas as mãos, um grande livro dourado.
Por volta das 11h, enquanto estava novamente dando ordens pelo telefone, foi surpreendido por um pequeno, mas barulhento, estouro das chamas de sua lareira, fazendo uma carta voar em suas mãos. Interrompeu sua ligação prometendo retorna-la mais tarde e a abriu, lendo sua breve, porém direta, descrição.
“The Palm – 1100 S Flower St, 12h.
N”
- E lá vamos nós...Levantou, vestiu de volta seu paletó, efetuou dois tapas leves, que consequentemente apagaram todas as luzes do local, até mesmo as chamas da lareira e saiu surpreendendo a Senhorita Layton:
- Elizabeth, ligue para Gabriele e a avise para não me esperar no almoço de hoje, se mais alguém ligar questionando minha ausência responda que estou em um almoço de negócios.
- Si-Sim senhor, como desejar...
The Palm – 1100 S Flower St, – Los Angeles, CA (1.42 pm)
Já fazia umas 2h que o Sr. Morelli aguardava pacientemente a chegada da Senhora Nahama, a Rainha das Succubus. Paciência era uma bela virtude, sabia disso, mas depois de um famoso “chá de banco”, parecia mais bela somente em palavras, e não em prática, o fazendo lamentar pela morte da antiga líder da casta, a saudosa Lillith,
“Ela costumava ser mais pontual” era o que pensava enquanto tomava uma taça de vinho. Sua paciência acabava de ser atendida, pois, logo depois de terminar seu vinho, uma moça extremamente bela, de cabelos loiros adentrava o The Palm, sorria em direção a Dante, e logo se sentava de frente ao mesmo. Dante prontamente chamou o garçom, que logo que a viu, pareceu ficar um pouco nervoso por sua presença, mesmo assim, os atendeu, deixando, mais duas outras taças de vinho, antes de os deixar a sós, com suas tremulas pernas.
“Vá lá, tente a sorte mortal, talvez seja a ultima coisa que fará em sua vida, porém, a mais prazerosa” Pensou enquanto Nahama lhe explicava o porquê de ele ter sido convocado. Após uma breve conversa, ela parecia encerrar o encontro:
- Espero ter sido clara sobre a importância de sua missão, senhor Dante.
- Clara como seus belos olhos, minha senhora.– Á respondeu, realizando um leve sorriso e tomando mais um gole de vinho.
Nahama então aproxima a mão esquerda do braço de Dante. Cruza suas pernas, e devolve também um sorriso. –
Com seu charme e eficiência, temos a garantia de que não haverá falhas.Logo depois, ela se recompõe, e com um olhar inexpressivo o adverte:
- Permita-me reformular: não permitirei falhas.
Antes que ele pudesse expressar alguma resposta, Nahama levanta e sai, caminhando calmamente, para fora do The Palm, deixando para trás o rastro de seu forte perfume. Dante novamente observa o pobre garçom, claramente enfeitiçado pela beleza de Nahama e pensa, tomando o ultimo gole da taça:
“Vale um enorme momento de prazer, para passar uma tenebrosa eternidade em chamas infernais?”
Ainda no restaurante, Dante pega seu telefone celular e pesquisa o endereço e horário de funcionamento do escritório da advogada Megan Lewis, o Lewis's Law. Chama o garçom e o pede para trazer-lhe a conta, paga-a deixando-o uma generosa gorjeta, se despede e parte para seu próximo destino.
Lewis's Law – Los Angeles, CA (16.20 pm)
Dante se dirigiu até o balcão da recepcionista, e a cumprimentou:
- Boa tarde, senhorita, me chamo Dante Morelli, gostaria de ter um momento com sua ilustríssima chefe, a senhorita Megan Lewis. – Deu uma pausa para ele poder lhe responder, e continuou:
- Como se chama? Ah... um belo nome para uma bela mulher, devo admitir que se soubesse de tal, teria vindo até antes. – Lançava a ela um belo sorriso mostrando seus brancos e brilhosos dentes, na tentativa de seduzi-la e convença-la a deixar entrar sem hora marcada.