Aphega Kss, Uma busca com prazo de validade

"Preciso trabalhar", era um eufemismo, pois o pai o deu um grande deposito e, se não o usufruísse mais do que as despesas da Academia, duraria ainda todo o semestre, com sobra para retornar para casa, quando enfrentaria novos sermões e pedidos, com muita cobertura de chantagem emocional, para que aceitasse a sua deficiência e ficasse em casa, sendo cuidado como o invalido que é.

"Ninguém vai me dizer como devo morrer", ele pensava alto. Olhava para o pequeno retrato da família com desprezo, um feito alquímico brilhante, os menos instruídos vendo como obra de magia. Ele os amava, fato. O que causava o seu asco é a forma como o tratavam. Amor demais, Cuidado demais. Resignação demais. Aceitação total.

Ele gritaria aos infernos, se crê-se haver algum. Não. O universo é uma coisa mais coesa. O caso é apenas uma ordem não compreendida. Assim como a sua condição. Kss não é um invalido. Ele está invalido. Todavia, não viveria, ou morreria como um.

Olhou-se no espelho. A barba rala havia sido raspada apenas com água quente aquecida com uma lupa. A água descartada nas plantas com os fios servindo como adubo. Nenhum desperdício. É a forma como os lavradores do interior levam suas vidas. A forma como ele foi criado. Tudo é uma troca. Tudo se transforma. Não existem resíduos. Há apenas pessoas ignorantes do dinheiro e recursos que jogam fora.

A refeição foi comida quase da mesma maneira. Legumes raspados, não descascados, cozidos no vapor com um filete de carne defumada; ele preferiria peixe na verdade, mas estava bom. Não como as refeições que a mãe dele faz, calóricas. Ela cozinha com amor. Ele preferia refeições práticas, mas não podia se recusar a comer quando ela tinha tanto trabalho. Também seria um tipo de desperdício.

Ele esta vestido, mas não totalmente armado. Começou a vestir a brunea. Todo o processo levava cinco minutos. Agora podia fazer o feito de olhos vendados. Assim, as orbitas vagaram pelo quarto, procurando qualquer detalhe de forma analítica para distrair a mente. A visão caiu sobre o par de sapatos recém engraxados de forma amorasa e dedicada. Kss sentiu o peito apertar, como se uma piton o sufocasse. Ele lutou contra o sentimento.

A proprietária da pensão, sra. Eva, sempre diz para ele não mover um dedo e apenas se preocupar em estudar, mas ele não podia evitar fazer as coisas por si mesmo: fazer a cama, preparar o banho, fazer suas refeições, organizar o próprio quarto. Aquilo é uma liberdade que ele não possuía em casa. Quando mais alguém mexia em seu quarto na pousada, mesmo que fosse apenas para limpar, ele era acometido de uma sufocação que só o lembrava da asma quando era mais meninote. Então, ele precisava sair. Sair e fazer algo imprudente. Imprudente como procurar os colegas bêbados, com dinheiro demais para levar a Acadêmia a sério, e acostumados com a protesão dos pais demais para medir o perigo real. Ou algum serviço mercenário, para obter dinheiro que ele não precisava.

Mas mais moedas não significa que seriam desperdiçadas.

Ele fitou as armas, nada convencionais: frascos vazios, uma adaga, uma picareta de trabalho manual. Nada que fosse barrado na entrada ou saída da Academia. Nada que chamasse atenção de algum trapaceiro mais ganancioso. Instrumentos de guerra nada convencionais, para aqueles sem imaginação. Começou a conta-las enquanto as organizava em cada bolso, na bandoleira, e na mochila. A mente vagou de novo.

Várias noites o jovem alquimista usufruía de seu tempo solitário estudando. Estudando e experimentado. Não exatamente o lecionado pelos mestres forenses, e sim aquilo que a sua vontade o lançava: os fragmentados que o levariam a uma cura não-mágica para o seu mal.

Agora as veias estavam roxas e não azuis, as artérias enegrecidas e não rosa. As unhas exibiam um tom roxo claro tão leve quanto uma violeta do campo. Logo os sintomas se tornariam ainda mais gritantes se continuasse a ter contato com magia. Por enquanto estava tudo controlado, mas nem tudo podia ser evitado.

O acadêmico terminou os seus preparativos. Deu mais uma olhada para o quarto. Sentiu sede. Encheria o cantil com vinho e não com água.

Desceu. Encontrou-se com sra. Eva na entrada. Ela insistia que a chamasse de tia. Ele beijo-lhe a face e deu um abraço de despedida, sem dizer para onde ia, ou se ia para algum lugar, mas ela já tinha uma resignação calada sobre o seu comportamento. Ele havia deixado o prato para que ela lavasse, uma consideração por sua vontade, embora agora se remoesse para voltar correndo e lavar a placa de comer por si mesmo.

Pisou na rua de tijolos. Traçou rumo pela ladeira em direção da saída do campus. Sem carruagem, a caminhada com o peso extra o ajudaria a engrossar as pernas fracas. Havia uma estalagem barata onde serviços e trabalhos costumavam ser anunciados num quadro de avisos. Lá ele acharia algo para liberta-lo daquele sentimento.

"MORRA!!", ele esfaqueou de forma cruel a face de um velho inimigo invisível, cujo rosto é um borrão. Seu nome é destino.

Emergindo do seu devaneio, não tão incomum, quando em particular, ou quando ignorava os demais, bem mais comum, ele sempre viajava, o jovem aventureiro percebe ter se aproximado do seu destino, onde um ser humanoide de aspecto draconico se exibi logo na entrada.

Kss analisa o sujeito por um instante, vasculhando entre os seus conhecimentos de sobre arcanismo e natureza para determinar a raça e os seus aspectos, e pelos trajes para tentar determinar a sua profissão ou nível social, através de Intuição: valor da peça, aspecto, detalhes.

Kss não é a pessoa mais sociável do mundo, mas se deseja obter serviços pagos provavelmente deveria abordar o draconato em vestes druídicas que se apresentava logo na entrada do prédio. Além do que o dracono druida estava entre ele o acadêmico e a porta. Aphega o aborda, dizendo:

- Com vossa licença, mestre druida, servo de Bahamuth, eu preciso entrar no prédio e ver o quadro de avisos.

O draconato é abordado pelo humano logo após ser perscrutado por ele em um olhar atento. O druida pensa consigo: - Este é um aventureiro atento e usa bem do seu intelecto aliado a percepção detalhada.
 
 
Na abordagem o aventureiro lhe pergunta pelo quadro de aviso da taverna, mas o draconato entende que não é uma pergunta e sim, um pedido que saia da frente, pois o seu interlocutor quer passar e fingindo-se de desentendido e em um gesto cortes Liadrys lhe fala, se pondo de lado: - Desculpe senhor, percebo que estou no seu caminho, o quadro de aviso fica ao lado daquela coluna ali, porém se está à procura de serviço ou aventura, leia este cartaz que acabei de pregar na parede e sei que encontrarás o que busca.

Kss gasta um momento para examinar o cartaz apontado pelo draconato.

O alquimista examina o cartaz que anunciava o requerimento de um serviço de natureza pública: coletar exemplares de uma flor conhecida por Nek'Mani, um ingrediente muito necessário para o tratamento das terras contaminadas pela magia de natureza vil, assim como ao tratamento daqueles que sofrem da mesma moléstia. Uma tarefa simples de coleta, no entanto, nem tudo são flores.

O cartaz não parava por ai, avisando que a flor poderia ser coletada na floresta da região, mas que a mesma área está a ser utilizada como esconderijo de um bando liderado por um goblinoíde gigante: um bugbear a serviço de uma das legiões de resistência de Volken.

O acadêmico raciocina um pouco sobre o problema, logo chegando a conclusão que o melhor seria evitar os soldados e colher unicamente a flor. Mesmo assim, este grupo deve estar acolhido na área por algum motivo, e provavelmente não podem estar compelidos a ignorar ações para auxiliar uma cidade que não os apoia. Se ao menos ignorassem o trabalho de recolher os insumos, isso já seria um grande ganho, mas se estiverem na floresta justamente para dificultar qualquer tentativa de recuperar as forças locais tudo se tornaria um problema mais séria. Assim sendo, ele ainda priorizaria a flor.

Se não fosse a ameaça de um grupo armado, Kss poderia apenas coletar o material, mas tudo se mostrava com chances de complicações maiores se fosse apenas sozinho. Ele precisa de ao menos uma pessoa que saiba se mover por aquele tipo de região e outra que possuísse recursos para encobrir a locomoção: um caçador e um druida seriam ótimos, ou um caçador e outro conjurador, ou um druida e um guerreiro pelo menos.

Kss fitou o cartaz, ali havia o nome de Luan. Então, percebeu que o draconato druida ao lado o fitava durante todo tempo que se passou. Seria ele o tal "Luan", ou talveZ esteja apenas aguardando uma oportunidade para discutir a respeito do anúncio de trabalho com outro interessado. Ele parece estar sozinho. Pelo menos ali agora.

O estudioso o aborda novamente de forma educada, embora este não fosse seu melhor atributo.

- Por licença, a minha graça é Aphega Kss, um alquimista da Acadêmia. Eu estou interessado neste trabalho aqui, e noto que o senhor vem me observando, e justamente eu notei que irei carecer de um druida para realizar o trabalho. O senhor se mostra interessado?, pergunta ao draconato após se explicar.

- Ah, então, Luan é quem é vosso mentor e aquele quem demandou o anuncio. Assim, pois bem, eu estou aceitando a tarefa, Liadrys, responde o rapaz.

- Eu suponho que não baste simplesmente que eu embrenhe a mim na mata local, visto o aviso sobre o grupo deste tal bugbear de Volken. Se já houverem mais interessados, eu gostaria de tratar com estes, Liadrys, por favor, ele prossegue.

Kss concorda com um aceno e, sem mais a dizer, segue com Liadryz.