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    O Véu Rasgado

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    Mensagem por Soviet Ter Jun 03, 2014 10:44 pm

    Nasri não tinha a menor idéia de quantos dias já tinham se passado. No começo a humana pensou ser fácil contar a passagem dos dias, mas depois de horas de escuridão absoluta e sons abafados, os dias perdem facilmente o contorno. A própria árvore alimentava Nasri com sua seiva viscosa e adocicada. Junto dela vinham uma série de insetos mortos, lascas de madeira e outras impurezas, mas Nasri aprendeu a se livrar de alguns deles.

    Nasri não ouvia nada além das vozes do Desertor das Árvores e de seus asseclas, e mesmo assim elas chegavam até a humana através de dedos de madeira maciça, sons distantes e falhos. O interior da árvore no início era abafado e desesperador, havia o medo iminente da morte que poderia acontecer a qualquer instante, o medo de não saber quem você é e de estar presa em um lugar desconhecido. Mas, apesar de que, com o tempo, o calor do carvalho se tornou um bem-vindo conforto para o corpo desprotegido da humana, a sensação de claustrofobia era sempre presente. Nasri não conseguia ficar em pé ou esticar as pernas, que permaneciam dobradas desde o dia em que a humana foi presa na árvore. A mulher não sentia mais os joelhos e os pés já tinham tido tantos formigamentos que agora estavam completamente insensíveis. Os únicos membros que desfrutavam de certa liberdade eram os braços, e Nasri se sentia grata por isso.

    Um dia - ou seria uma noite? - depois de muito tempo, mais do que Nasri poderia sequer tentar contar, a humana ouviu cânticos vindos da clareira em frente ao carvalho. Era a voz do Desertor, disso Nasri tinha certeza, mas ela não soube distinguir as palavras. Logo outras vozes surgiram, uma de cada vez. Aparentemente, havia uma celebração acontecendo além da madeira. Nasri conseguiu então distinguir algumas palavras, mas ela não as compreendeu. Nasri já não dava mais atenção às palavras, imersa em sua escuridão e pensamentos, quando viu algo. A humana não sabia dizer quanto tempo havia se passado desde a última vez que tinha visto algo.

    Era fraco, vacilante. Um brilho pálido e distante, mas que logo começou a ganhar força. Nasri logo teve que cobrir os olhos desacostumados que começaram a doer. Depois de minutos, a mulher encarou a luz com olhos semi-cerrados e ainda doloridos. O brilho era prateado como a lua e bruxuleante e seu interior era alaranjado e, apesar de Nasri saber que ele não podia ser real, que devia ser o fruto de alguma alucinação, ele aquecia o corpo da humana. Não era como o calor abafado do buraco aonde estava, mas um calor terno, que confortava Nasri. Um pensamento inevitável surgiu na mente de Nasri, "Será essa a hora da minha morte?"
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    Mensagem por Edu Qua Jun 04, 2014 1:38 am

    Nasri já tinha pedido a noção de quanto tempo estava ali dentro daquela arvore. Não conseguia sentia mais a suas pernas. Muito menos enxergar alguma coisa, não vi nada e só ouvia o barulho lá fora. Com as mãos tentou bater na madeira do tronco a sua frente, mas tava fraca demais. Só não tava morta ainda porque a seiva da arvore que caia constantemente sobre ela a alimentava.

    O pior de tudo era que nesse momento de fim pra ela, não possuia nada dentro si na qual pudesse levar os seus pensamentos. Era uma concha vazia, uma casca, como aquela que revestia o tronco da maldita arvore.

    Foi nessa momento que viu o brilho. Seus olhos doeram e ela os encobriu, mas a sua curiosidade a impediu que ficasse assim por muito tempo. Era aquilo uma alucinação, era o sinal do seu fim? Não! Não e Não ! Não haveria de morrer daquele jeito, sem identidade, sem o que se lembrar, sem o que lhe dar esperança... Foi nesse momento que um verso surgiram na sua mente, como que vindos do além.

    You are not bound to loss and silence.

    For you are not bound to the circles of this world.

    All things must pass away,

    All life is doomed to fade…

    Sorrowing you must go, [and yet you are not without hope]
    (verso da musica breath of life)



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    Mensagem por Soviet Sex Jun 06, 2014 10:00 pm

    Nasri tinha uma melodia na cabeça quando a luz da chama se intensificou e minguou de repente. Ela se tornou apenas um ponto distante na escuridão, mas algo mais estava lá. Sem forma definida à princípio, Nasri logo notou que a mancha azulada e translúcida se transformou em uma mulher. Ela tinha os cabelos compridos e pareciam empapados na altura do peito, colados ao vestido simples que ela vestia. Outra mancha surgiu, e depois outra e mais outra. Todas se transformaram em mulheres jovens.

    Elas caminhavam no vazio e se aproximavam de Nasri como se flutuassem, como se andassem sem sair do lugar. Quando a primeira mulher se aproximou o suficiente para que a humana pudesse vê-la melhor, Nasri viu que a cabeça estava quase separada do corpo, presa apenas por uma tira de carne, pele e nervos. Sangue escorria fartamente do pescoço e o corte estava putrefato e coberto de vermes. A mesma coisa se repetia com todas as outras mulheres, variando apenas a profundidade do corte e a quantidade de vermes. Uma delas estava praticamente irreconhecível, com vermes saindo da boca e voltando a entrar pelo nariz e com os buracos onde estiveram os olhos vazios e cheios de terra, que começou a cair quando a mulher translúcida virou sua cabeça para baixo, para olhar para Nasri. A mulher com os cabelos empapados apontou um dedo transparente e abriu a boca em um lamento alto que fez Nasri se arrepiar.

    - Dois anos e dois dias!

    - Sete anos e oitenta e três dias! - Lamentou aquela com terra no lugar dos olhos

    - Cinco anos e cento e vinte e oito dias! - Sussurrou a terceira, e Nasri sentiu novamente um arrepio percorrer-lhe a espinha.

    - Dois meses e dezesseis dias! - Gritou a quarta e última. Aquela com o cabelo empapado voltou a gemer e as outras ficaram em silêncio.

    - Você é a próxima a ser entregue a terra. A próxima a satisfazer aquele que aqui foi aprisionado. Liberte-se de todo o medo, pois o seu destino está selado!
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    Mensagem por Edu Qui Jun 12, 2014 2:30 pm

    Os versos tinha vindo na sua cabeça tinham lhe dado uma pequena fagulha de esperança, mas a situação dela era muito ruim. Ela tinha certeza que existia algo de muito errado quando foi pra aquele acampamento.

    O brilho se tornou distante e algo mais apareceu, alguma coisa sinistra. Fantasmas! De mulheres jovens como ela propria. O terror subiu pela sua barriga e chegou a sua mente, ainda mais depois que os espiritos falaram o tempo que estavam ali e qual era o destino de Nasri. Desesperada e tentou se mexer, mas imediatamente veio uma dor atordoante. Seu estomago embrulhou e ela vomitou sobre as próprias pernas.

    Em meio a terror ela olhou pra cima em direção ao brilho. Sem saber o que era ou quem era, gritou pra ele:

    - Me ajuda! Por favor me ajude!
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    Mensagem por Soviet Ter Jul 01, 2014 11:06 pm

    Quando se aproximaram mais, Nasri notou que o rosto de umas das mulheres estava completamente desconfigurado, moldado pela morte em uma careta medonha.

    - Nós não podemos ajudá-la. Você irá morrer.

    O cheiro de bili logo dominou o interior da árvore e Nasri sentiu nauseada pelo próprio vômito. A humana soluçou, como se fosse vomitar novamente, mas nada saiu. As mulheres formaram um semi-círculo em frente de Nasri.

    - Você sacrificada, mas então estará em paz.

    - Se juntará a nós e nossa vigília. Aquele que pensa que o sangue acalmará a terra se engana.

    - O preço que ele pagará é desconhecido por nós, mas a fome da terra é maior do que sangue. Ele procura vingança.
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    Mensagem por Edu Qui Jul 03, 2014 10:14 pm

    O cheiro do seu vomito tornou aquele lugar ali mais insuportável. Era definitavamente o fim da sua vida. Tempo que tinha sido nada bom até ali. Não possuia qualquer lembrança ou remanescência da sua vida antes de acordar naquela floresta, a não ser o nome Nasri.

    - Não quero me juntar a vigilia de vocês, não quero morrer. Fiquem longe de mim seus espíritos agourentos! - Diz ela gritando.

    Então bate na casca da arvore com as suas mãos e grita:

    - Alguém! Me tirem daqui! Por Favor!
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    Mensagem por Soviet Dom Jul 06, 2014 1:13 am

    As mulheres pareciam não se abalar com as palavras de Nasri, elas apenas respondiam de forma objetiva.

    - Não trazemos mau agouro, trazemos apenas a verdade. Aquele que vive entre as raízes destas árvores deseja a liberdade e com o nosso sangue ele a conseguira.

    - Você será liberta do seu tormento e viverá em paz.

    Nasri viu novamente o brilho pálido através da madeira e ouviu mais uma vez a voz do Desertor das Árvores.

    - Pela proteção dos Deuses, o ritual está finalizado.

    A luz e as chamas então sumiram e as mulheres desvaneceram. Nasri estava sozinha mais uma vez.
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