Era uma tranquila noite quando um menino que dormia serenamente, foi despertado com o barulho de um vaso se partindo ao cair da mesa. Assustado, levantou-se e caminhou devagar com seus passos macios, seguindo pelo corredor e presenciando seus demônios se materializar a partir das sombras. ...medo... Logo ao final daquele corredor, o feixe da luz lunar escapava pela porta entreaberta do quarto de seus pais e, colado ao solo, deitava-se um pulso feminino desfalecido. Seu coração pesava em palpitar assim como sua respiração a ofegar. Pergunta, hesitante, com voz embargada em choro:
- Mãe?... Pai?... - Balbuciou. Cochichou.
Uma gaveta se abria bruscamente, enquanto um cadeira era derrubada. Olhou pela fresta da porta do quarto, confirmando o seu temor. A mãe estirada ao chão próximo à porta, o pai igualmente estatelado sobre a cama, ambos molhados de um abundante líquido rubro negro que parecia brilhar em contato com a luz lunar. Duas figuras de preto que reviravam o quarto não notaram a presença da criança até então, mas seu berro angustiante ecoou pelo cômodo inteiro e além.
De rostos descobertos, aqueles que eram tão amadores quanto impiedosos, tomados pela adrenalina e temerantes de consequências, calaram a testemunha. Apenas uma estocada e o pequeno peito, agora acolhia uma lâmina já manchada. Sem resistência alguma, o menino tombou.
De repente estava tudo escuro, silencioso. A imensa dor de segundos atrás havia sido exterminada, sua memória também. Apenas seu primeiro nome era o que restava: Akage.
A morte o encontrou e agora seria o Deus dela.
O pequenino ali sentado, em silêncio, observava aquele gigantesco muro. O sol do momento estava a pino e Pino já se apressava em dar o ar de sua graça.
- É bem alto, não é?
A, também, pequenina garota se acomoda ao lado do garoto que deixava de apreciar o muro para fita-la, a fim de descobrir quem estava cortando o silêncio do lugar. A bronca já estava na ponta da linguá, mas se esqueceu do que iria dizer, pois não esperava tamanha beleza sentada ao seu lado, com os braços jogados para trás sustentando o corpo, tinha seus cabelos dourados dançando ao vento e mirava o topo do muro com seus olhos azuis, azuis como o céu.
Nem mesmo a sujeira de seu rosto e o ralado da testa diminuía sua feição ímpar.Akage, conheceu Pino naquele qunete dia de sol e aquele lugar se tornou especial para eles. Era um ritual sentar em frente ao muro da Seireitei nas manhãs e entardeceres para ficar admirando sua altura e estrutura. Era uma bela e rustica criação.
"Como seria seu interior?"
Com uma vida simplória em Rukongai, Akage se junta ao grupo de Pino, uma galerinha que se virava para sobreviver e tiravam as dificuldades de letra, sempre com um bom astral e um forte sentimento de solidariedade.
Akage começou seu treinamento por conta própria. Queria ter um corpo forte, ágil. Queria ser habilidoso, técnico. Queria impressionar ela, queria a atenção de Pino.Sua espada feita de um galho, mantinha os encrenqueiros longe e quando não, estava grudada em sua cintura.
Akage era realmente esforçado. Mantinha uma rígida rotina de exercícios pela manhã, o que o deixava de bom humor, mas somente depois de concluí-la. Sempre lembrando de parar o tempo em seu lugar favorito, em frente ao muro gigante, onde se encontrava com Pino e jogavam conversa fora.
Anos se passaram, pareciam dias. Akage não era mais tão pequenino. Nem ele, nem Pino. Não era mais menino, mas homem.Estava pronto para abandonar sua espada de madeira e assumir uma lâmina real, estava pronto para um caminho mais árduo, trabalhoso, onde ganharia o título de um Deus da Morte. Mas não sabia que não estava pronto para abandonar Pino. A escola para shinigamis convocava sua alma, mas seu coração se agarrava em Pino.
Akage não conseguiu. Não pode ir além dos muros. Não pode assumir uma lâmina real.Porém não perdeu Pino, pelo menos era o que achava...
Algo estava errado, estranho, angustiante, como se sua existência não fizesse sentido algum. Não estava feliz, havia sido reprovado. Não estava conformado, sentia-se incapaz. Precisava provar sua capacidade, precisava acalmar seu ego ferido. Seu orgulho.
Numa manhã, após seus exercícios que não conseguiram amenizar seus sentimentos, não foi ao seu lugar preferido.Repetiu seu treinamentos aumentando as séries e aperfeiçoou suas técnicas. Tornou-se um ser obcecado a ir além dos altos muros. Sem perceber ou, não querendo perceber, afastou-se de Pino. Adentrou em um bolha onde o foco era total, sem distrações alguma.
Pino, ignorada, chateou-se. Insistiu. Desistiu, Afastou-se.Que belo guerreiro surgia ali. Seu nível estava muito além daquele primeiro candidato que foi reprovado. Seu olhar, sua postura, sua aura, tudo melhor, era superior. Poderoso. Era alguém a se invejar, a ser exemplo. Que belo guerreiro surgia ali..
Uma nova tentativa. Uma nota máxima. O melhor em todos os quesitos. O primeiro daquela leva. Alguém raro emergia e prometia abalar as estruturas e hierarquias da Soul Society.
Aprovado!
Parado, se pegou olhando novamente aquele muro gigantesco em um sentimento de nostalgia. Seus pensamentos brotavam. Havia conseguido seu objetivo! Faltava apenas mais um passo burocrático para alcançar a vitória! Tornar-se um shinigami poderoso, habilidoso, e assim, enfim, iria impressio… ...ná-la.
- É bem alto, não é?
Assustou-se e olhou com olhos arregalados.
Era ela... linda e resplandecente como o sol. Pino. Exatamente como na primeira vez que se encontraram. Estava surpreso, alegre por vê-la e envergonhado também.
Ela sorriu e Continuou:
- É realmente incrível sua dedicação e determinação. Quero ouvir suas histórias, ficarei torcendo por você… boa sorte, rapaz.
Akage caiu em si, como se despertasse de um sonho com o barulho de um vaso se partindo ao cair da mesa. "Boa sorte" soou como um adeus que cortou seu peito.
Ela era seu objetivo. Ela era mais importante.
Deu de costas ao muro. Sorriu.
- Não… eu não irei a lugar algum.
Segurou suas mãos, deixando-a com as maçãs do rosto como da cor da fruta de mesmo nome, e apreciou aqueles profundos olhos azuis.
- Eu ficarei. Ficarei aqui. Não quero que ouça minhas histórias, quero que as escrevam, estando bem pertinho para não perder nenhum detalhe. Quero que esteja sempre ao meu lado, Pino. Eu quero ficar com você.
O shinigami não seria mais um ser cumpridor de ordens. Era alguém poderoso, de fato, mas alguém que não se destacaria entre o quadro de oficiais ou de um grande ceifador. Seria alguém com a Zanpakutou adormecida na bainha, alguém que não seria lembrado nem reconhecido. Seria apenas… aquele que observa os grandes muros. Seriam apenas...
… Akage e Pino.