CAPÍTULO 1 - Tempos de Trevas

O cantar do galo era, talvez, a parte mais bonita que tinha no seu dia, em fato, Sophie era a coisa mais bonita que tinha em seus dias, mas fora isso... A vida de um plebeu uma vida ingrata e cheia de restrições. Kadu era um pouco melhor que um miserável, é verdade, a ferroaria do seu pai fora o que dera muita graça e conforto para a familia enquanto ele fazia lindos e eficientes trabalhos para a nobreza, porém, papai não estava mais lá para ajudá-los e a vida ficara cada vez mais difícil. Veio a perda, o luto, a dor... Ela era grande e persistiu nos corações por algum tempo, não tanto Elise, sua mãe, pois seu pai já havia espancado Elise vezes pois ela tinha aquelas práticas estranhas que o assustavam. Kadu nunca soube se o que Elise tinha por seu pai era amor, ou se era apenas a obediencia e valorização da família, mas apesar de já ter espancado vezes e vezes Elise, seu pai ainda era um homem muito amênuo para a época, outro marido talvez teria expulsado a esposa para as ruas, quem sabe dizendo que ela falecera, fora raptada ou coisa desse tipo, para poupar-lhe da vergonha e do medo da repressão da santa Igreja. Mas não seu pai, seu pai era um homem amênuo, pois havia permitido que ela ficasse e ainda, talvez por amor, dizia às pessoas da Igreja que Elise era doente e por isso ela não tinha forças para ir à Igreja, seu pai era muito bom em conversas, pois conseguia fazer com que as pessoas acreditassem que tratar da terra era o modo que Elise tinha de orar a Deus, mas varias vezes ele já dissera para o filho:

"Kadu, no dia que Deus levar minha alma, não sei o que poderá acontecer com tua mãe. Trate de cuidar dela e de Sophie, antes que o comportamento delas leve a familia ao fim"

Aquele era de fato um conselho prudente, Kadu sabia que era a boa lábia de seu pai que salvava a familia de ser expulsa de Hamburgo e excomungada da Igreja, o que seria praticamente o fim de tudo. Kadu ia à Igreja, seja a força, ou seja por vontade própria, todos os domingos. Sophie e Elise ficavam em casa, e ele ouvia seu pai dizendo aos outros cidadãos que as mulheres tinham de ficar em casa porque eram fracas e doentes, eles dois, os homens da familia, tinham fé o suficiente para oras por elas e pelas almas delas, Deus era testemunha disso, dizia o pai de Kadu aos outros. Se após a morte de seu velho pai, Kadu continuou os passos dele, indo à igreja todos os domingos, Kadu sabia que agora, o badalar da igreja que ele ouvia suando do centro de Hamburgo, era o chamado para que ele fosse imediatamente cumprir suas obrigações como cristão, ou então haveriam e indagações de que sentiram a falta dele na igreja e teria de dar justificativas válidas do que aconteceu para sua ausência. Kadu não precisava pagar para ver que, se durante esse tempo após a morte de seu pai, ele não continuasse seguindo os passos do velho, ou arrumado uma forma melhor, a vida em Hamburgo seria praticamente insustentável, e logo teriam que procurar outro lugar para morar, antes que algo realmente ruim e perigoso acontecesse. Não obstante à isso, a vida de um cristão era tão restritiva e pobre que mesmo Kadu sabia que gastar dinheiro com putas signifcava tirar do pouco conforto que sua mãe e sua irmão mal tinham, quando tinha Sor Joseph para bancar tais sujeiras, era fácil se deitar com as prostitutas mais fartas e que tomavam banho pelo menos uma vez a cada 5 dias, agora, o maximo que conseguia era uma puta velha e espancada de 30 anos ou mais, que tomava banho de 2 em duas semanas, e ainda assim iria tirar do pouco bem estar de sua familia, o que quando ele fazia, cortava o coração, mais de Sophie, que de sua própria mãe.

Kadu ouvia os sinos da igreja, era a hora de decidir se iria primeiro para a missa, sustentar as mentiras para o bem da sua familia, ou se iria ignorar e dar um outro jeito depois.

Enquanto Kadu se perdia nos encantos de sua irmã adotiva, Sophie, ele pode logo sentir um a dor na mão, e um baque, não era uma dor grandiosa, mas o suficiente para fazer Kadu arregalar os olhos e dizer pelo menos um "ai" com o susto. Era possível ver Elise com uma colher de pau botando na mesa de madeira ao lado. Foi aquilo que tirou Kadu do transe. Sophie olhou para Kadu de relance, como se quisesse evitar de ficar o encarando também, o que causava uma certa tensão no ar. Elise olhava para o filho de forma severa, não era necessário ser nenhum gênio para saber que Elise, de alguma forma sabia, do que acontecia entre os dois irmãos e também não era necessário ser um erudito para compreender que ela não aprovava. Os olhares, os gestos, os suspiros longos, eram todos indicadores que para a mãe era uma situação desgostosa. A mão do rapaz estava vermelha e levemente machucada, nada que alguns minutos não fizesse passar a dor.

Elise se levantava da mesa, terminara de comer e quando Kadu comenta com sua mãe que iria para a missa, a mesma arrumava as coisas na cozinha, não havia água ali, ela teria de ir buscar no rio. Ela ficava em silêncio por alguns segundos e então diz:

- Teu pai era o tolo que se arrastava para estes lugares todos os domingos, porque faz isto também? Se não queres, não vai! Será mais útil aqui com tua familia. Tua irmã e eu não vamos e estamos perfeitamente bem!

Sophie olhava para aquilo em silêncio, era fácil ver na expressão dela que ela se acuava diante um possível conflito que surgiria, o dever e o querer.

Enquanto Elise mexia nos poucos e improvisados utensilios de cozinha, Kadu podia jurar que ouviu sua mãe murmurrar "Baboseira..." enquanto mexia. Mas não parecia que era uma resposta que ela queria dar, pareceu um pensamento alto que ela deixou escapar mas não se importou de ter deixado. Sophie olhava para Kadu séria e dizia:

- Não podemos ir embora? Largar tudo isso? Podemos dar um jeito pra você não precisar mais sustentar essa farça que nem o papai... Você diz que é um pecador, mas eu não acho que você realmente pense assim de si mesmo.

Sophie então olhava para Elise, ela estava de costas, e então ao ver que a mãe não olhava, Sophie colocava a mão em cima da mão de Kadu:

- Não é?

O calor da mão de Sophie era reconfortante, embora ele soubesse que nas palavras dela jaziam a ingenuidade, porque Kadu sabia que se largasse tudo e a casa, lá fora sozinhos não iriam conseguir sobreviver. Ladrões, animais selvagens e talvez até monstros, segundo alguns diziam. Não tinham nada para se manter para uma viagem longa, e se chegassem em alguma civilização chegariam cansados, com fome, sede e nenhuma garantia que seriam amparados por alguma alma boa. Após responder, Kadu dizia que ia pegar água, Elise nada disse, mas o rapaz saiu da porta de madeira de casa, o clima era bem limpido, um pouco afastado da cidade que ao contrário daquela casa era suja nas ruas, o lamaçal era quase todo o chão que se podia pisar pois a chuva era frequente naquela região. Muitas pessoas ficando doentes, animais morrem, pessoas também, plantações destruidas com frequência por causa da chuva, a cidade estava numa espécie de crise, e comparada com o lugar onde Kadu morava, era um paraíso para ele. Ele pegava a água no riacho e logo voltava para dar o balde à mãe, Sophie já estava ao lado de Elise se preparando para ajudá-la e esperando Kadu com a água.