CAPÍTULO 1 - Um Anjo para os Santos

O dia começa cedo para Siegfried. Antes do Sol nascer, ele está de pé e pronto para acordar seus homens ao berros. Atualmente, ele está encarregado de treinar os novos recrutas dos Cabeça de Ferro, que serão parte da sua unidade um dia. É o teste que seu tio Klaus lhe incumbiu para que ele provasse estar pronto para o comando.

- Todos no chão! - grita, enquanto os recrutas cambaleiam para o campo de treinamento. - Cinquenta flexões! Agora!

As cinquenta primeiras flexões servem para tirar os recrutas do sono. Aqueles que não respondem tão rápido são presenteados com baldes de água gelada na cabeça e mais alguns impropério. Quando eles terminam, são levados para uma corrida ainda debaixo do sereno e da brisa fresca da manhã. Eles cantam, na tentativa de animar uns aos outros, sem deixar ninguém para trás. Para cada companheiro esquecido, dez flexões são adicionadas para quando a corrida terminar.

Quando o Sol nasce, os recrutas já estão suados e sujos. A respiração ofegante, depois de quase duas horas de corrida e mais cinquenta flexões em momentos de parada. Siegfried está num estado de animação doentia, sentindo-se capaz de subir mais uma montanha se necessário. No entanto, ele está ciente de que não deve pegar muito pesado, pelo menos por enquanto. Então, dispensa-os para o desjejum e os acompanha até o refeitório, de onde vem um cheiro apetitoso de mingau.

Os Cabeça de Ferro estão alojados num prédio grande e simples desde que fecharam um contrato com os nobres de Wittenberg para servirem como milícia. Apesar de serem mercenários, a confiabilidade e a reputação de bons cristãos fez com que a companhia ficasse bem conhecida e fosse respeitada. Ainda mais na Alemanha, onde a política é instável e os mercenários prosperam. Os novos recrutas ainda estão verdes, mas Siegifried pretende torná-los soldados para que estejam prontos para o combate em breve.

Quando Klaus adentra o refeitório, todos se levantam. É sinal de respeito para com o comandante. O velho passa pelo recinto, cumprimentando a todos os recrutas até chegar ao seu lugar. Ali, dá um tapa no ombro do sobrinho e deseja bom dia. Assim que o velho toma seu lugar, os recrutas se sentam e voltam a comer. O silêncio reina.

- Bom dia, tio. - responde Siegfried, num tom discreto. - Os recrutas correram bem hoje. Estão se saindo melhor do que esperávamos. Acredito que o treino com armas vai ser melhor do que semana passada.

Quando o desjejum termina, ele ordena que os recrutas peguem suas espadas e escudos de treino. Com um sorriso sádico no rosto, ele espera os rapazes no pátio para a sua hora preferida do dia.

Então eles tinham visita. Siegfried olhou para o homem diante dele, curioso. Já tinha conhecido alguns amigos do tio de sua época de aventuras, mas era a primeira vez que via aquele. Estendeu a mão em cumprimento.

Tobbias escreveu:- É uma honra conhecer-te, garoto. Teu tio fala muito bem de ti.

Ele deu um sorriso animado e pegou a mão do homem, num aperto vigoroso.

- Todo amigo de meu tio é bem vindo entre os Cabeça de Ferro. A honra é toda minha. - respondeu. - Veio se juntar às nossas fileiras? A experiência e a ajuda de um veterano é sempre muito bem vinda. Os recrutas se animam com isso.

Deu um gole na cerveja e mastigou uma coxa de frango. Então se virou para o tio.

- Temos trabalho pela frente, tio? - perguntou.

Siegfried deu uma risada travessa diante da bronca do tio. Era um costume idiota que tinha desde criança, que já lhe custara algumas palmadas mas era difícil de resistir à tentação sempre que a oportunidade surgia.

Tobbias escreveu:- Teu tio te estima muito rapaz, em nossos tempos áureos ele não teria dado um alerta.

Ele riu e concordou.

- Tomo para mim a árdua tarefa de verificar se os reflexos de meu tio ainda estão bons. - falou, depois olhou para o balcão, de onde vinha o cheiro de comida.

Rindo, ele se levantou e foi atrás de sua comida. Assim que voltou, com o prato cheio de frango e um caneco cheio de cerveja, ouviu o que Klaus tinha para dizer.

Klaus escreveu:- Tenho um pra você, por enquanto Lord Hoffman está nos deixando na moita, somos a arma secreta dele. Você vai pra estrada, tem um membro da Santa Igreja que devia ter chegado ontem, mas não chegou. O Clero pressionou o Hoffman e querem que ele dê um jeito, o membro da Igreja é importante. Assim que acabar de comer pega um dos seus moleques pra que aprenda alguma coisa e vai ver o que houve.

Finalmente, algum trabalho mais interessante do que simplesmente esmurrar recrutas. Não era grande coisa, mas pelo menos poderia respirar ar puro e esquecer aquele prédio fedendo a homem. Talvez pudesse vislumbrar uma ou duas donzelas bonitas no caminho, que certamente tornaria a tarefa um pouco mais agradável.

- Sabe me dizer por qual estrada ele chegaria? - perguntou. - Tem informações sobre seu nome, aparência e idade? Ele está sozinho ou possui escolta? Talvez viesse disfarçado para não chamar atenção.

Depois de respondida as perguntas do tio, ele comeu um tanto apressado e aproveitou para conversar um pouco com o amigo do tio.

- É uma pena que vai ficar pouco tempo, mestre Tobbias. - disse, dirigindo-se ao visitante. - Se não for incomodá-lo, gostaria compartilhasse comigo e os recrutas um pouco de sua experiência. Pretendo começar o treinamento de parede de escudos assim que voltar do trabalho.

Quando terminou, pediu licença e olhou para o salão em busca de um recruta para acompanhá-lo. Todos estavam mais ou menos no mesmo nível, capazes de ensaiar alguns golpes e se virar numa briga. Não eram soldados, pelo menos não ainda. Mas poderiam ser de grande ajuda num trabalho rotineiro como aquele. Na verdade, era o tipo de missão perfeita para soldados ainda verdes.

- Hans! - gritou.

Hans era um dos recrutas mais novos, apenas catorze anos. Filho mais novo de um sapateiro, foi entregue pelo pai para que aprendesse o ofício de soldado e trouxesse um pouco de riqueza para a família. A vida de mercenário podia ser perigosa, mas proporcionava aventuras e saques como nenhum outro trabalho. Além, é claro, de ser o caminho mais justo para homens pobres ou socialmente desajustados fazerem fortuna e ganharem respeito. Numa parede de escudos, todos os homens eram iguais.

Assim que o rapaz se apresentou, ele lhe deu um tapa no ombro.

- Vá se equipar. Depois, passe nos estábulos e traga dois cavalos. Eu e você sairemos para uma pequena missão. Não se atrase.

Caso o padre importante esteja a pé e sozinho, Siegfried vai levar um cavalo extra para ele. Vai equipado de sua cota de malha, espada e escudo. A missão deve ser rápida e é melhor que estejam leves. Caso seja necessário, vai levar ração e água para três dias, no máximo. Algumas moedas caso seja necessário, mas não muito para não chamar a atenção de bandidos. Assim que estiver pronto, despede-se do tio, de Tobbias e segue junto a Hans para fora do prédio.

Wittenburg parecia bastante viva naquela manhã. Siegfried respirou fundo, enchendo os pulmões de ar. Deu um tapa nas costas de Hans e tocou o cavalo para frente, em direção à estrada.

Hans escreveu:- Senhor, posso perguntar o trabalho?

- Vamos verificar o que aconteceu com um padre importante que devia ter chegado ontem e até agora não chegou. Não deve ser grande coisa, já que eles sempre estão escoltados, mas ainda assim é um atraso. - respondeu, sem tirar os olhos da estrada. - Só um trabalho de rotina, para sair um pouco da mesmice. Então, atenção total. Nunca se sabe dos imprevistos.

Quando a conversa caiu no silêncio, ele começou a assobiar uma música qualquer, mantendo o cavalo num trote mediano. Não queria cansar o animal, mas também tinha certa pressa. Estava ficando frio e ele pretendia voltar logo para poder treinar os homens.