A voz parece lixa e cacos de vidro. Alguém com a voz assim é sempre perigo e mesmo no meio do seu sono confortável ela te assusta. Não mais do que a carnificina. A pista de skate estava vazia quando você chegou arrastado. Claro que passou do ponto com eles, mas esse mês tem sido o mais intenso da sua vida. Pelo menos até aqueles caras te juntarem. Quatro caras eram uma luta difícil pra caralho, mas nove era impossível. Mesmo que um deles talvez tivesse uma buceta. Não deu pra saber.
Quando você chegou a pista só tinha pichações mesmo sendo uma das grandes feitas com um casco de navio. Tem algumas dessas por aqui no velho estaleiro. Daí pra frente foi só dor. Não, também tiveram insultos, já que era tudo que você podia jogar neles. Cuspe também. Cuspe claro. Mesmo quando usaram um alicate para tirar o seu polegar direito. Um dos pontos altos da noite. Se não tivesse chovendo talvez alguém fosse pensar que tava chorando. Não daria para ver na cara todo inchada e cortada.
O dedo teria sido o ponto alto da noite. Ou talvez a hora em que eles esfregaram cocaína na sua cara para te acordar. Mas a chuva já tinha parado nessa parte. Alguns pedaços estão faltando, mas quem pode contar uma história diferente? Com os patinhas pisando na água vermelha um cachorro lindo daqueles red nozes ou algo assim. Deram um pedaço seu pra ele. Mas qual? Não dava para saber já que tudo tava doendo pra caralho. “Ele gosta de olho” uma vozinha chata disse de algum lugar que não dava para ver. “Dá um olho pra ele.” Quem dá olho pra cachorro comer? Deu até pra rir. Rir até sentir a faca cortando o seu olho fora.
A dor foi tudo. O mundo inteiro era dor. Mas ela parou e então começou algo pior. Enquanto o cão mastigava eles tiraram o outro olho. A escuridão absoluta então. Ela era vermelha. Dà para imaginar isso? Sem luz nenhuma era tudo vermelho. É tudo vermelho.
“Que merda, malandro, conhece o cara?” Aquela voz de novo. “Porque eu nunca vi mais gordo” Ele ri depois, como se você não estivesse ali sentado no meio da bagunça. Avaliando os corpos como se fosse uma obra de arte moderna que não faz sentido não importa em que ângulo você olhe.
Ele tá no fundo da pista na poça de água e sangue com tripas boiando. Você pega uma parte de um braço, ou talvez perna, uma dedos que não deveria ter. Nesse momento parece tão estranho que você nunca viu tão bem. “Vai ser uma bosta arrumar isso Atiçador” Ele abaixa ainda rindo e segura a cabeça do cachorro pela orelha. “Ele matou até a porra do cachorro. Que filho da puta.” Ele olha nos seus olhos, mas o que ele falou é um elogio. “Avisa o Simon que a gente vai precisar de ajuda pra limpar essa bosta. A, claro. É seu trabalho decidir isso.” cínico e abusado o careca.
O homem na parte de cima se afasta sem responder, mas o careca te estende a mão. “O nome é Krantz seu filho da puta louco. Mas vai me chamar de Coração de Prata antes do sol nascer. Sabe se algum deles chamou a policia? Lembra de alguma coisa? Não lembro se falou o seu nome… falou?”