Abandonado após o nascimento, nos arredores de Sultim, em Mulhorand, o pequeno tiefling foi chamado de Kohl, Olhar Negro, pelos seus salvadores. Ex-escravos humanos, condenados à miséria sob a opressão religiosa da região, se esforçavam para manter a fé e a própria vida nas terras desérticas. Na primeira infância, mantido em segredo pelos Mulans que o educaram e o batizaram com o sobrenome da família, em homenagem a Anhur. Kohl se apegou desde novo ao patriarca do grupo, Amon, que foi seu primeiro tutor e o apresentou a história daquela terra e dos povos de lá. Amon Zianhur era na verdade um velho feiticeiro e fascinou o jovem tiefling com truques e pequenas mágicas secretas, sempre que se sentiam seguros. Essa convivência, assim como a com o restante dos descendentes de Amon, encaminhou o coração e a mente para o bem e para a justiça.
A passagem dos anos foi cruel e o amadurecimento foi rápido e doloroso. A morte do ancião desestabilizou a família, e as dificuldades da vida humilde os separou. Conflitos, medo e falta de esperança logo isolaram a criatura de linguagem demoníaca que acreditava ser descendente dos deuses-rei de Mulhorand e defendia Anhur contra a igreja de Hórus-Re. Uma tolice juvenil, um não humano jamais seria aceito no Clero de Anhur, mas Kohl se apegava a uma história sobre sua linhagem e contra os relatos de dominação e opressão da ordem perpétua de Hórus-Re.
Adolescente, diferente, incapaz de se misturar, aprendeu a se esconder e a observar. Não demorou a ser encontrado por outros meio-demônios e com novos companheiros descobriu e alimentou o orgulho de ser como era: único. Nunca mais se viu com uma aberração e desde então só se camufla ou se oculta quando lhe convém, para garantir uma vantagem ou sua própria segurança. Os tiefling com que passou a dividir as noites na capital, Skuld, formavam uma pequena guilda de ladrões, Os 4 Anjos - nunca foram 4 e "anjos" não passa de uma travessura. Kohl era o mais jovem e sempre foi testado e perturbado pelos demais, às vezes, provocado além de seus limites. A maior parte deles, ele sentia, eram maus e contemplavam maldades e horrores abertamente.
Com os contatos da guilda e a busca por sustento, logo que se tornou adulto ele era usado para intimidar e manipular oponentes da guilda ou alvos de seus parceiros. Sua presença altiva reforçada por sua aparência impressionante sempre foram suficientes para encantar ou, mais comumente, apavorar os de coração fraco, especialmente os humanos. Às margens das leis e da sociedade, sempre próximo à escória, ele encontrou um grupo de pessoas capaz de despertar um ódio primitivo, uma repulsa horrenda: mercadores de escravos. A maior parte da população local pertence à casta dos escravos, servos de Clérigos poderosos ou de seus seguidores mais simples, mas mesmo os escravos têm direitos. Ainda que pertençam a outras pessoas, que sejam posses de outros, são em geral tratados com dignidade, têm vida honrosa. Mas ainda assim há os que corrompem o sistema, que capturam e tratam pessoas como animais, para serem trocadas por bens ou mantimentos, para serem usadas como gado, como objetos. Homens, mulheres e crianças mutiliados, mal alimentados, com vida curta e sem sentido próprio. Só há quem vende porque há quem compra, claro, e isso é tão criminoso quanto perverso. Faz parte do passado maldito da terra e jamais poderá ser aceito outra vez. Testemunhando absurdos e entendendo melhor como riquezas podem mover o mundo, Kohl escolheu para si um grupo de inimigos pessoais: mercadores e receptadores de escravos.
E não foi difícil se manter combatendo esses inimigos. O tráfico de pessoas é crime e se há uma casta de pessoas dominadas há aqueles que as dominam e não querem ver seu rebanho ser atacado e reduzido. Ainda que a Nobreza ou a Classe Média de Mulhorand não seja acolhedora aos tieflings e que muitos dos Clérigos líderes da nação sejam proprietários de pessoas, os escravos têm tratamento humano garantido por lei e são, até certo ponto, protegidos. As autoridades, naturalmente, investigam e tentam combater o tráfico e costumam contar com apoios variados, de toda a parte do reino, de viajantes, de guildas e de caçadores de recompensas dispostos.
A Ordem do Leão Vigilante, organização que serve como a primeira linha de defesa de Mulhorand, com membros que frequentemente exploram regiões vizinhas e relatam eventos, áreas e pessoas importantes a seus superiores, costuma intermediar contatos entre guildas ou caçadores e representantes dos proprietários de escravos. Há uma teia que tenta se opor a essa atividade. Ainda que seja irregular e esparsa, Kohl fez parte dela por tempo suficiente para se mostrar capaz de sobreviver e enfrentar perigos vultosos por alguns anos.
Mas a tragédia o alcançou ainda jovem e confiante. Vinte e poucos anos, no seu auge, já independente dos 4 Anjos, ele tinha um alvo importante e sabia que A Ordem o observava. Um único homem era capaz de perseguir e capturar mulheres da região, de Mulhorand, Thay e até de Semphar. Ele leva as cativas para a Costa da Espada regularmente, mas sempre volta e segue agindo nas cidades do deserto. Kohl tinha convencido uma jovem guarda de Skuld, mentindo e manipulando-a para que servisse de vítima em um esquema arriscado. Toda a preparação e os arranjos foram longos, e a jovem e ambiciosa Sânia não hesitou em confiar no tiefling que não hesitou em usá-la para capturar o inimigo. Mas Kohl avaliou mal os riscos e suas capacidades e em uma emboscada que ele mesmo havia planejado, ele e Sânia foram capturados por aliados do malfeitor. Revendo os passos até o encontro, ele teve certeza de que foi traído, seja isso verdade ou não. Sânia lutou e se feriu em uma tentativa frustrada de fuga e foi morta diante do tiefling, que ainda lutava com as asas e os braços acorrentados, impotente. A sua reação impulsiva quase lhe custou a vida, diante de múltiplos agressores. Ele foi logo dominado, mas os criminosos continuaram golpeando e ferindo como um animal selvagem. Quase inconsciente, viu que os inimigos eram atacados por uma enorme alabarda negra, embora não visse quem a manipulava.
Quando Kohl recuperou a consciência, ele estava isolado no deserto, sem ferimentos, sem rastros dos inimigos ou de como foi parar ali. Ao despertar teve clara lembrança de sonhos em que vultos sombrios gritavam mensagens cheias de fúria. Ele recorda dos olhos vazios de Sânia. lembra de bocas sem forma entre as sombras indicando que a vingança e o futuro estão no caminho do leste. Lembra dele mesmo possuindo e experimentando poderes mágicos, algo absolutamente inusitado. O antigo órfão de linhagem infernal entendeu que havia se passado dias, talvez semanas desde a morte de Sânia.
Kohl iniciou sua jornada para o leste, deixando para trás os desertos sufocantes de Mulhorand e as antigas pirâmides. A cada nova cidade, a cada novo povo, um forte choque cultural e as conhecidas reações de pavor e desconfiança que perseguem sua raça.