Silêncio (Yamada de Kaeru)

Karaki, seu mestre, aproximou-se de Yamada vagarosamente - ele trazia uma pequena bolsa nas mãos, um pano bem dobrado e colorido - segurava o mesmo de forma reverente, com cuidado. Por um momento, passou a segurá-lo apenas com uma das mãos e com a outra subiu um pouco o chapéu de palha que cobria sua cabeça e rosto, dessa forma, Yamada podia ver seus olhos. Continuou a aproximação e só lhe dirigiu a palavra quando estava bem próximo.

- Bom dia, Yamada.

Com a mão livre, puxou uma das tiras do pano e revelou uma pequena caixa de madeira - não só a caixa, como também um pergaminho enrolado e gravado em cera vermelha, com um selo do império. Era inconfundível, um mandado do imperador, um ofício - o que significava uma missão.

- Comida. E uma missão.

Entregou a caixa e o pergaminho para Yamada. Acostumou-se a falar pouco com seu aprendiz, visto que o mesmo tinha atitude parecida - mas o importante era que se entendiam e que os laços que mantinham eram fortes, independente da comunicação. Yamada conseguia perceber claramente que havia certo pesar no rosto de Karaki, embora as mutações dificultassem as expressões e formas de expressão, assim como inibiam alguns sentimentos, em alguns casos era bastante claro que havia alguma coisa por trás de certos olhares.

- Mestre Oho não quis convocar uma grande reunião para despachar todos os Magi da vila, mas é o início da primavera e as cartas do Império começaram a chegar. Todos temos missões pelas ilhas. Nesse ano estaremos separados. Você vai ver mais detalhes sobre sua tarefa no pergaminho, mas o caminho sozinho é mais difícil e terá que confiar em algumas pessoas durante o trajeto.

Encostou-se em uma pequena lanterna de pedra e tirou o chapéu de palha. Respirou fundo e soltou o ar vagarosamente dos pulmões, fazendo um O com a boca. O ar empurrava um pouco da névoa que perdurava no vilarejo de Agena.



- O que você acha?

Enquanto estavam ali, era possível ver alguns Magi montados em seus Serows - partindo para suas missões. Com tudo o que recebiam e a permissão para cuidar de assuntos da vila, também - alguns Magi de Kaeru tinham até mesmo mais de uma missão para ser realizada. Os pedidos nem sempre eram fácil e quase sempre durante realmente todo o ano, considerando também o tempo de viagem. Claro, era possível que regiões mais próximas fossem finalizadas rapidamente e então o Magi poderia assumir novas responsabilidades - mas, também, o pior poderia acontecer e o Magi morrer em sua missão, o que não era uma conclusão e um outro Magi deveria assumir essa responsabilidade. Yamada sabia de tudo isso. E sabendo de tudo isso, divagava sobre a derrota, um sonho de isolamento e com isso, onerar outra pessoa por não conseguir completar a missão, ainda mais estando sozinho.

- Bem, acho que a principal questão aqui não é estar pronto ou não. É o que treinamos para fazer. Podemos duvidar de nós mesmos, mas treinamos para isso. Certo?

Karaki esboçou um sorriso, deixando o restante da comida e o pergaminho com Yamada. Ajustou sua espada, apertando um pouco a corda ao redor de sua cintura - usava roupas simples, sem adornos. No geral era um homem simples, sábio e gostava de falar. O que fazia de Yamada um par incomum para o mestre, mas mesmo assim o aceitava e acreditava que podia passar algum conhecimento. Baixou novamente o chapéu circular de palha, escondendo seu rosto e olhos.

- Boa sorte no caminho, Yamada. Espero te ver na vila novamente, daqui alguns meses - no inverno. Traga boas notícias.

O que restava para Yamada, era ler o pergaminho. Entender o que tinha recebido de missão e lidar com isso da melhor forma possível, claro, trazendo boas notícias. Mas seria uma preocupação, o trabalho de um Magi envolvia buscar informações, muitas vezes era preciso ter uma certa perícia ao falar com outros e era um ponto de deficiência para Yamada, mas teria que ser um ponto a ser vencido. De qualquer forma, antes de qualquer coisa, era preciso saber em que estava se metendo, o pergaminho selado pelo império. Se lia:

(Enviado via PM - Manter em segredo dos outros jogadores)

O conteúdo, ao que parece, iria exigir muito dessa perícia de falar. Não parecia uma caçada propriamente dita, mas uma investigação. Ficaria agora a critério de Yamada decidir seus próximos passos, a viagem para o litoral levaria bastante tempo e mesmo que a missão em si não fosse uma caçada, não sabia o que poderia encontrar no caminho até lá.

As pessoas da vila de Agena sempre se reuniam para ver os Magi partir, dessa vez, não foi diferente. Os moradores que compartilhavam o vilarejo com os Magi e o próprio Oho estavam ali presentes para desejar boa sorte a todos que saíam em suas missões. Karaki já havia saído, então os olhos de Yamada não o encontraram junto dos demais. Como não tinha interesse ou desejo de falar com qualquer outro, Yama e seu Serow seguiram camminho rumo ao leste, onde conseguiriam pegar a estrada principal e então descer para o sul, onde apontava a missão.

Enquanto estava saindo, Yamada viu, na direção contrária uma grande comitiva de homens e mulheres, guardando uma carruagem preta e completamente fechada - não era possível ver nada do que estava ali dentro, não era possível nem mesmo sentir ou ouvir o que quer que estivesse ali dentro, mas era extremamente bem guardada, haviam lanternas ao redor da carruagem, que a deixavam bem iluminada e fácil de se encontrar à distância. A carruagem marcava o chão quando passava, dado o peso e era puxada por vinte Serows, que faziam esforço para puxar aquele colosso.

Oho se colocou a frente e acenou para o bando que vinha naquela carruagem. Era estranho, não tinha nada programado para visitas na vila - ainda mais considerando que muitos Magi estavam de saída. Não era uma grande ideia deixar vila desprotegida e receber tantas pessoas assim de repente.

Yamada poderia investigar e tentar entender do que se tratava aquela situação em Agena, ou seguir com sua missão, conforme solicitado no pergaminho oficiado. A visita parecia ser esperada por Oho, que acenou para o bando conforme se aproximava, mas ainda assim, era incomum.

Oho recebeu a carruagem puxada pelos Serows e à distância, Yamada não conseguiu ouvir o que conversavam - mas foi bastante breve e toda aquela comitiva que acompanhava a carruagem, tão logo entregou a mesma nas mãos de Oho, se colocou a partir, seguindo o mesmo caminho de retorno. Não foram mais que alguns minutos de conversa e já partiram dali. Oho passou pelos Serows da carruagem e foi libertando um a um, tão logo liberados das cordas, saíram para pastar nos arredores da vila de Agena e deixou a carruagem ali.

Ele percebeu que Yamada olhava com curiosidade, era um dos poucos Magi que ainda restavam ali e ele encarou de volta, com um sorriso. Não parecia preocupado com a carruagem, ao menos, se quer demonstrou. Yamada poderia ir verificar com o mesmo, ou seguir seu caminho. Já tinha perdido algum tempo precioso de sua missão esperando a carruagem parar - dependendo do que encontrasse no fim do caminho, esse tempo poderia cobrar seu preço, mas era a decisão que tinha para fazer.

Na saída, não tendo dado muita atenção para a carruagem recebida por Oho, nada de diferente ou especial foi notado na mesma. Apesar de ser um fato estranho.

O caminho na direção da capital foi sem eventos que tivessem grande significado, um ou outro andarilho, um vendedor - o comum de se encontrar na estrada, mas bem abastecido, não tinha muita necessidade de parar até então, o que de certa forma era dentro do que Yamada estava esperando. Não teve a necessidade de falar com ninguém, a não ser seu próprio Serow, por um longo tempo. No caminho, notou que conforme mais se aproximava da capital, a vegetação mudava aos poucos, via uma ou outra árvore doente, arbustos de coloração amarela e indo para o carmesim. Apesar do inverno estar em seu fim e ser o momento em que essas plantas retomariam sua vitalidade, parecia acontecer o contrário com a flora de Hagakure.

Em um dos vilarejos antes de chegar na capital, viu uma movimentação incomum. As pessoas dali estavam reunidas no pequeno cemitério e pareciam tirar os túmulos lanterna de seus antepassados do lugar. Essas pedras estavam sendo carregadas em uma carroça, por volta de 10 delas. Era bastante raro, para não dizer que nunca tinha visto isso, estava vendo agora. Os mortos eram tratados com respeito e violar um túmulo daquela forma exigia um monge ou uma razão muito específica - inundação, exílio, qualquer coisa, o que não parecia ser a situação para o que estavam fazendo naquele momento. Viram o Magi se aproximar, mas nada disseram e continuarem com sua atividade - os túmulos eram pesados e precisavam de ao menos quatro pessoal para que fossem carregados e alocados em cima da carroça.

A velha senhora que foi questionada olhou para cima, encarando o Magi que lhe fizera a pergunta. Tinha os olhos vazios, tristes - e apoiando-se em uma bengala de cedro, limpou o suor da testa e respondeu.

- São ordens da capital. Pediram que todas as lápides fossem removidas.

Certamente, uma pessoa comum não saberia dizer o motivo daquela ordem e nem mesmo iria questionar. Os Magi eram ensinados a questionar, entender, perguntas - mas isso era uma contra-cultura bastante evidente em Hagakure, onde a palavra do Imperador era uma ordem divina. Se a ordem viesse dele, ela seria obedecida, não importa qual fosse - mesmo que, fosse para violar túmulos. Haviam diversas religiões em Hagakure, mesmo algumas que faziam contraponto ao Imperador, mas no fim das contas, nenhuma e nem ninguém o questionava.

Alguns notaram o Magi ali, mas nada disseram ou fizeram. Continuaram com seu trabalho. Além disso, não havia nenhuma supervisão da capital. Apenas seguiam fazendo o que lhes foi ordenado. Poderia tentar investigar melhor aquela situação, talvez procurar algum responsável no vilarejo, quem de fato tivesse recebido a ordem, ou seguir com sua viagem para a capital.