LÚCIFER – PARAÍSO PERDIDO
CAPÍTULO 1: A RAÍZ DE TODO O MAL
Nove dias após o fim da Grande Batalha nos Céus.
- Trilha sonora:
Escuridão. Escuridão por todos os lados.
Lúcifer, outrora o mais belo e orgulhoso anjo de toda a hoste celestial, agora chafurdava em um local estranho, sem luz, onde até mesmo as chamas que ardiam à sua volta eram negras.
Ele rastejava como um peixe preso em uma poça de lama estagnada, em busca da salvação. Mas aquela era a perdição sem fim, e a salvação estava além de seu alcance. Um local de amargura e sombras, onde a paz e o descanso nunca seriam encontrados. Até mesmo a terra era quente, seca e com um aspecto infértil. Uma terra para seres não abençoados.
Porém, tudo o que Lúcifer conseguia sentir era ódio, muito além do que ele jamais havia imaginado que alguém poderia sentir. E orgulho ferido.
Então, ele percebe que não estava sozinho, quando encontra outro ser semelhante a ele, também perdido na escuridão. Um ser que, assim como o próprio Lúcifer, também havia sido despojado de toda a sua santidade, e jazia ali, mudado, sua antiga beleza e glória arrancadas dele, parecendo algo semelhante a um humanoide com características de pavão, gritando e fazendo muito barulho. Mas não havia como se enganar, era Andrealphus, seu antigo assistente.
Lúcifer o segurava e tentava retirá-lo do poço de imundice onde ele se encontrava preso.
“Oh, príncipe!” exclamava Andrealphus agarrando-se ao seu salvador.
“Andreas, é você mesmo?! Como pode ter mudado tanto?”
“No fim das contas, Ele era muito mais poderoso do que imaginávamos...”
“Eu não ligo para o que Ele fez para nós ou o que possa fazer ainda, eu NÃO me sinto culpado por nada. Minha glória pode ter sido retirada de mim, mas a indignidade que sofri, isso nunca esquecerei. Nada mudou, Ele nunca será capaz de retirar meu livre arbítrio, minha vingança ou meu ódio. E se eu ainda tenho tudo isso, o que Ele ganha?! Acreditaria Ele que eu iria me ajoelhar e implorar? Logo eu, que causei tantos problemas para a segurança do império D’Ele?! Ele deveria era se envergonhar. Isso é mais vergonhoso do que nossa derrota!”
Apesar de toda a dor e ressentimento de Lúcifer, ele dizia todas as palavras de forma tão vigorosa que lembrava Andrealphus da antiga glória de seu líder caído, atraindo novamente a admiração incondicional de Andreas.
“Oh, meu príncipe, sua mente e espírito ainda permanecem invencíveis! Mas... Ele nos derrotou, e agora é tarde demais... o que eu vejo são todos os nossos aliados caídos e quebrados à nossa volta!”
“Porém, nós não podemos morrer! Nossas mentes, nossos espíritos, são indestrutíveis, e logo nossas forças serão retomadas! Ele com certeza nos manteve aqui, neste abismo de sofrimento eterno, para nos tornar escravos, mas ouça o que eu digo: Ele se arrependerá disso. Nós desvirtuaremos a Sinfonia completamente, de dentro para fora. Tudo aquilo que Ele julga bom, puro, santo, nós destruiremos, ou melhor ainda, perverteremos. A partir deste momento, nosso único prazer será destruir as obras D’Ele. Se não podemos ferí-Lo, vamos destruir tudo aquilo que Ele ama! E se de alguma forma Ele tentar fazer com que nossas ações gerem “um bem maior”, mudaremos nosso modo de agir, de novo e de novo, até que Ele engula as próprias palavras! Ele virou as costas para nós?! Vamos tirar proveito disso! Reúna todos os que encontrar, a batalha está apenas começando! Na realidade, me sinto até feliz por aquele ditador ter nos abandonado. Adeus Paraíso Perdido e olá Inferno, dê boas-vindas ao seu novo rei. Melhor reinar no inferno, do que servir no paraíso!”
Lúcifer então abria suas asas e voava por entre aquele ar poluído, até o alto do morro mais alto que conseguia ver naquela escuridão total, e dali, e olhava para além daquele mar de fogo, todos os seus antigos soldados, agora alquebrados, como folhas de outono, caídas em meio à lama. Mas Lúcifer não via apenas derrota ali, via o maior exército que o universo jamais veria novamente, reunido ali com ele. E assim como Andrealphus, ao ouvir suas palavras, eles iriam se reerguer ainda mais poderosos do que um dia já foram.
Então, a voz forte de Lúcifer ecoava em todo o Inferno:
“PRÍNCIPES, GUERREIROS, PODEROSOS IMORTAIS, VOCÊS QUE UM DIA FORAM GOVERNADORES DO CÉU, NÃO DO TIPO QUE SE ESPERA ENCONTRAR AQUI, NÃO DO TIPO QUE ESPERA ACEITAR A DERROTA E SE AJOELHAR DIANTE DE NOSSO CONQUISTADOR. ACORDEM E SE PONHAM DE PÉ, ANJOS REBELDES!”
As palavras de Lúcifer surtiram o efeito desejado, e diversos demônios, mesmo ainda fracos e feridos, se levantaram e voavam para mais perto do som de sua voz, como insetos na noite escura, guiando-se em direção à única luz visível. De baratas remoendo-se antes da morte, eles passaram a um exército de bárbaros, prontos para invadir uma fortaleza. Lúcifer imaginou que jamais haveria um exército tão grandioso quanto aquele.
Lúcifer faz um novo discurso, ainda mais contundente que o anterior, deixando claro que não eram mais anjos, e sim algo diferente, no que em uma votação democrática, eles elegem um nome para sua nova espécie: demônios (palavra originária de daimon, do proto-indo-europeu, que significa algo como “divisor”, pois isso é o que eles fariam com a maior criação de Deus: a humanidade). Seus nomes individuais também seriam mudados, pois eles não poderiam mais serem considerados as mesmas criaturas que residiram nos céus, sob a autoridade de Deus. A partir de agora, eles dariam um jeito de escapar sorrateiramente, e regariam a semente do pecado já plantada por Lúcifer no coração da humanidade. Lúcifer dizia que Deus era um ditador que os tratava como inferiores, mas ele, ao contrário, trataria a todos como iguais. Todos seriam como deuses para a humanidade, sendo adorados sob diversos nomes, e ergueriam seus próprios templos profanos, destronando a regência de Deus sobre a terra. Eles juraram corromper até mesmo aqueles que se diziam sacerdotes de Deus, e aqueles que eles conseguissem trazer para o inferno, sofreriam um castigo ainda pior que os outros. Eles poderiam ter perdido pela força, mas venceriam pela astúcia. Eles poderiam estar em menor número, mas corromperiam os demais anjos, até se tornarem maioria. Submeterem-se a Deus estava fora de questão, agora era GUERRA.
Então, seu servo, Andrealphus subia até Lúcifer, elogiando seu discurso, mas lembrando que antes de tudo, precisariam dar um jeito de escaparem daquele lugar, no que Lúcifer responde:
“Não se preocupe, André, como sempre, eu tenho um plano!”