– A neve já começa a derreter, senhora. Em breve o Lorde retornará. — a voz da ama estava animada e cheia de expectativa, mesmo que falhasse por conta do esforço que empenhava ao lutar contra as amarras do espartilho que apertava.
Sim, de fato, a chegada do Lorde do Castelo seria um evento. Após quatro longos meses afastados do lar, os Cavaleiros Prateados retornariam triunfantes de sua campanha para expulsar os bárbaros da Costa Azul. Muitas das servas do castelo tinham maridos, filhos e irmãos entre as fileiras dos Cavaleiros, e o clima de expectativa pelo retorno era grande. As notícias trazidas pelos mensageiros era excelentes, nenhuma baixa havia sido sofrida, a vitória era total. Sem nenhum funeral iminente e nenhuma viúva ou mãe a consolar, o clima era de festa. Os criados corriam pelo castelo, enfeitando as muralhas com panos coloridos e empenhados em limpar cada pedra, para que o Lorde se alegrasse ao retornar para casa.
Lilian suspirou. Seu marido era o grande herói da Cidade Murada. Arthur Remdragon, o Protetor do Vale, Defensor do Leste. Um guerreiro feroz e um comandante ousado, mas também um nobre honrado e um perfeito cavalheiro. Era um homem respeitado mesmo dentro da Corte Real, admirado por muitos e temido pelos inimigos da Nação. Ela mal pôde acreditar quando sua mãe lhe contara durante a adolescência que fora prometida ao herói do Reino. Quando finalmente o conheceu, achou que seu coração iria explodir. Arthur, além de renomado, era lindo.
Alto e moreno, com olhos acobreados penetrantes e dono de um sorriso que derreteria geleiras. Como ele era galante! Espirituoso, era dono de um humor incrível. A fazia rir o tempo inteiro. As horas que passavam conversando lhe pareciam minutos. Possuía uma inteligência aguçada, que contrariava a lógica comum que ditava que guerreiros eram homens brutos que só sabiam falar de guerra. Tinham opiniões semelhantes e conversavam sobre filosofia, arte, política. Lilian fora muito questionada pela família durante toda sua vida, pelo seu apreço aos livros. Diziam que uma dama não deveria se preocupar com tais coisas e deveria se concentrar em como administrar a casa e agradar ao marido. Mas Arthur admirava os conhecimentos de Lílian e era possível ver em seus olhos o orgulho e admiração que sentia por sua prometida.
Em seu casamento, não podia acreditar que não estava sonhando. Lilian estava nas nuvens. Casaram-se na primavera, no jardim do Castelo. Uma cerimônia de contos de fadas, onde até mesmo o Primeiro Ministro comparecera para prestar seus respeitos. Um baile lindo se seguiu, com um grande banquete e muitos convidados. E, ao fim, a donzela nervosa fora levada nos braços de Arthur para o quarto, sob os gritos de viva dos convidados, para que tivessem a tão aguardada Noite de Núpcias.
Quando a notícia de seu casamento se espalhou, todas as senhoras do castelo vieram lhe prestar seus conselhos sobre este momento. Lilian, curiosa, pesquisara muito em livros e questionara as amas casadas sobre o ato. Soube com preocupação que as primeiras vezes seriam dolorosas. As opiniões constrastavam. As senhoras mais velhas falavam sobre isso como algo solene, um momento sujo porém necessário, um dever da esposa para com o marido. Porém, as moças mais jovens contavam lendas, entre risinhos e com rostos corados, sobre as delícias que a esperavam no quarto do casal.
Em sua própria noite de núpcias, Lilian estava nervosa como qualquer donzela. Seu coração batia tão alto que ela tinha medo que Arthur ouvisse e a achasse permissiva demais. Quando ele a colocou sobre a cama, deu-lhe um beijo na testa e virou de costas. Começou a se despir lentamente. Lilian observava a cena com o coração aos pulos, e pegou-se apertando as coxas uma contra a outra tentando deter o formigamento. Sentiu como se o quarto estivesse muito, muito quente. Perguntou-se se deveria tirar suas roupas também, mas suas amas lhe contaram que muitos homens encontram prazer em despir suas mulheres.
Contudo, para sua estranheza, Arthur parecia distante. As moças contaram-lhe histórias sobre como os rapazes eram… famintos. Sedentos. Mas Arthur fora protocolar. Sua primeira noite com o marido não correspondera em absolutamente nada com as histórias que suas amigas lhe contaram. Envergonhada, ela evitou olhar-lhe o membro viril, mas ao tato ele não parecia… pronto. Não era como as histórias. O processo acabou sendo lento e mais doloroso. Arthur parecia tentar lhe tocar o mínimo possível. Toda sorte de trapalhada aconteceu. Ao fim, quando o sangue de sua virgindade finalmente tingira o lençol, seu marido deu-se como satisfeito e declarou o fim da noite de núpcias com outro beijo em sua testa e virou-se para dormir, alegando cansaço e embriaguez.
– Tudo bem — Lilian pensou — Talvez ele esteja nervoso. Pelo que me contam, homens são hesitantes em admitir a própria falta de experiência. Que fofo. — Ela sorriu e afagou-lhe os cabelos e adormeceu ao seu lado.
Contudo, ao longo das semanas que se seguiram, Arthur manteve o padrão. Durante o dia, apesar de atarefado, lhe era atencioso, caloroso, galante e divertido. Mas, à noite, ele era distante e frio, e parecia lhe evitar. Lilian começara a duvidar de seus próprios encantos. — Talvez ele tenha se arrependido — era um sentimento que destroçava seu coração e a deixava em prantos toda noite. Se olhava no espelho e passou a não gostar do que via. Seus cabelos acobreados e cacheados deviam ser feios. Não eram lisos e sedosos como os das moças das altas cortes que Arthur frequentava. Seus olhos eram castanhos e sem graça, não os olhos claros e iluminados das bardas que cantam nas tavernas. Talvez suas formas não fossem adequadas. Talvez estivesse gorda, ou tivesse marcas desagradáveis. Talvez fossem suas sardas? Ela passou a não gostar de nada do que via no espelho.
Fugia do quarto para a antessala quando as lágrimas começavam a rolar. Não queria incomodar Arthur com seu choro frívolo, com medo que suas reclamações o afastassem ainda mais e ela acabasse sofrendo a humilhação final de ser devolvida aos pais em um divórcio calamitoso. O mero pensamento disso acontecer fazia seu peito arder. Ela preferia a morte.
Passara a tentar coisas diferentes. Comia cada vez menos na esperança de recuperar suas formas juvenis. Praticava técnicas de maquiagem que pudessem lhe esconder as imperfeições da pele. Uma vez, alisou os cabelos com a ajuda das amas. Passaram-lhe as madeixas à ferro. Quase não se reconheceu ao se olhar no espelho, mas animou-se que talvez pudesse ganhar o favor de Arthur. Seu marido, porém, dera gargalhadas ao lhe ver e disse-lhe que preferia seus cachos. Imediatamente sentiu os olhos arderem e usou cada fibra de seu ser para não cair em prantos diante do marido. Forçou um sorriso a aparecer em seus lábios e respondeu que pensava mesmo que tinha ficado estranho. Nada funcionava.
Talvez apenas não fosse capaz. Talvez não tenha nascido com o necessário para ser a Senhora do Vale. Rumores começavam a se espalhar entre as amas que testemunhavam a falta de intimidade do casal. Os sussurros feitos às suas costas a cada vez que passava eram uma adaga fincada em seu coração. Talvez merecesse ser devolvida aos pais e ostracizada. Talvez fosse melhor que isso acabasse logo. Mas esse sentimento lhe era sufocante. Arthur era tão maravilhoso. Ela queria tanto ser sua mulher, ser amada e desejada. Era tão injusto! Porque? Porque os deuses a fizeram tão desinteressante? O que fizera em sua vida que a tornasse merecedora de tal desgraça?
Os meses passaram, e então Arthur lhe chamou aos seus aposentos. Ele lhe contou que bárbaros estrangeiros estavam invadindo vilarejos ao longo da Costa Azul. Saqueavam e destruiam, matavam homens, idosos e crianças, enquanto estupravam e sequestravam mulheres. O Rei havia ordenado aos Cavaleiros Prateados que protegessem a Costa e expulsassem os bárbaros. Uma nobre missão para o Defensor do Leste. Partiriam em três dias, e durante a sua ausência, ela seria a Senhora do Castelo. Deveria cuidar dos cidadãos e proteger as muralhas. Não estaria desprotegida, pois uma guarnição de soldados seria postada na cidade sob suas ordens. Arthur lhe disse que tinha plena confiança nas habilidades de Lilian. Isso aqueceu seu coração e ela teve vontade de se jogar em seus braços, mas lutou e conteve seu ímpeto. Apenas agradeceu a confiança e prometeu corresponder as suas expectativas.
Durante os dias seguintes, achou que a expectativa da prolongada ausência iria estimular Arthur a procurá-la na cama. Contudo, a postura de seu marido seguiu distante. Na noite imediatamente anterior à partida, Lilian decidiu deixar as convenções de lado e ser mais agressiva. Precisou de quatro taças de vinho, mas conseguiu reunir coragem. Ao deitar-se ao lado do marido, atirou-se aos seus braços e comprimiu seus lábios contra os dele. Surpreso, Arthur correspondera ao sôfrego beijo com gosto de vinho que sua esposa lhe dera. Mas, ao sentir as mãos dela buscando os cordames de suas calças, ele a segurou pelos ombros e a interrompeu.
– Está tarde, minha Senhora. Amanhã o dia será difícil. — disse-lhe, com o rosto incapaz de esconder seu embaraço. Lilian sentiu vontade de morrer. Agora Arthur devia pensar que era uma promíscua, uma devassa. — Oh. Sinto muito, tem razão. Melhor dormirmos logo. — Toda a coragem que quatro taças de vinho lhe deram mal fora suficiente para que ela pudesse responder sem irromper em lágrimas. Engoliu o choro e caiu em um sono inquieto.
Na manhã da partida, foi chamada à primeira luz para conversar com o Lorde em seu escritório. Ao adentrar a sala, percebeu que ao lado de Arthur, estava um rapaz que não conhecia. Deveria ter a mesma idade do Lorde, e era igualmente bonito. Tinha longos e lisos cabelos ruivos e os olhos da cor do mel. Pelas roupas, era possível deduzir que se tratava de um senescal, possivelmente o administrador do Castelo.
– Bom dia, Senhora. — Quando entrou, viu que Arthur estava sentado à mesa e assinava alguns papéis, mas fizera uma pausa de seus deveres para recebê-la com um sorriso. — Este é Liam. Ele é um de meus mais bravos comandantes, e um amigo de longa data, crescemos juntos. Ele estará encarregado da guarda da cidade, comandando a guarnição. Ele estará diretamente sob suas ordens, e atenderá a quaisquer necessidades que tenha. — Liam se curvou em reverência, e Lilian correspondeu ao cumprimento de forma igualmente formal.
Após as tratativas, o novo senescal se retirou para dar privacidade ao casal. Arthur se aproximou e segurou as mãos de Lílian. Ele as uniu e as beijou, e lhe disse que sentiria saudades. Lílian não pôde segurar as lágrimas. Seu marido cobriu seus lábios com os dele, e ela sentiu seu coração se aquecer novamente. Desejou que tivessem mais tempo. Que ele não precisasse ir. Mas sabia que Arthur era um cavaleiro honrado, e jamais abandonaria seus deveres.
Quando conseguiu se recompor. Caminharam juntos e de mãos dadas até o pátio. Trezentos cavaleiros em armaduras prateadas montados em cavalos armados aguardavam seu líder. Servos auxiliaram Arthur a vestir sua armadura e montar seu cavalo. A visão do Lorde do Vale, armado e montado em seu cavalo, cavalgando à frente de seus homens, era uma visão grandiosa. Partiram em procissão sob as vivas dos cidadãos do Vale. Apenas quatro dias depois, a primeira neve caiu, anunciando a chegada do inverno.
Liliam era a Senhora do Castelo. Suas primeiras medidas foram assegurar que todos os cidadãos do Vale estavam bem abastecidos de comida e lenha para enfrentar o inverno. Despachou cinquenta homens para as montanhas para cortar lenha antes que as árvores congelassem. Ordenou que todas as casas tivessem estoques suficientes. Os invernos do Vale não eram muito rigorosos, mas era importante não dar margem ao azar. Havia comida suficiente estocada nos celeiros, e não havia tempo para mais uma colheita, mas mesmo assim Lilian ordenou que os estoques fossem reforçados enquanto ainda houvesse caça abundante e o Lago não estivesse congelado. Graças aos esforços e a consideração da Senhora, o inverno fora tranquilo, e até mesmo aconchegante para os aldeãos, que celebravam a bênção de terem uma Senhora justa e bela.
– Seu banho está pronto, Senhora — Lilian ouviu a ama sussurrar discretamente em seu ouvido enquanto estava imersa nos relatórios sobre finanças e reparos necessários nas estruturas da cidade que Liam pacientemente lhe explicava. Ao ouvir tal frase, Lilian se alegrou. O Castelo do Vale não era um dos mais luxuosos castelos do Reino. Era até pequeno, se comparado aos castelos dos clãs mais nobres. Contudo, um dos poucos luxos que o castelo dispunha era de um belo banho, equipado inclusive com uma sauna. Talvez fosse uma extravagância, mas Lilian julgou que poderia se permitir um pouco de luxo, uma vez que todos os aldeões estavam confortáveis e bem alimentados.
Dispensou Liam com um cumprimento e então caminhou em direção ao banho. Cantarolava pelo caminho, feliz em estar sendo útil e satisfeita com a justa recompensa de um banho quente e cheiroso. Dispensou as amas, pois desejava banhar-se sozinha. Queria relaxar um pouco, tomar uma taça de vinho na banheira. Se precisasse de mais vapor ou água quente, chamaria as amas. Nenhuma delas se opôs.
Sentiu calor ao entrar nos aposentos dos banhos. Uma fina névoa permeava o lugar. Aproximou-se da banheira e sentiu a temperatura da água com as mãos. Estava ótima. Começou a despir-se. Já estava lutando contra as amarras de suas roupas de baixo quando ouviu um barulho. Cobriu-se como pôde e ficou em silêncio. O ruído não se repetiu, e pensou estar ouvindo coisas. Terminou de se despir e começou a se lavar. Ao entrar na banheira, sentiu a água quente relaxando seu corpo e soltou um suspiro de alívio e prazer. Ao lado da banheira, as amas haviam lhe deixado uma bandeja com uma taça e uma jarra de seu vinho favorito.
Lilian não era de beber, mas não tinha nada contra uma taça de vinho a noite para relaxar. Hoje, saboreando a vitória de uma administração bem sucedida, talvez se daria ao desfrute de uma taça extra. Ou duas taças extras.
Pegou-se pensando em Arthur. Estaria ele bem? Ela nunca fora até a Costa Azul. Os invernos lá seriam rigorosos? Estaria ele gelado e exausto enquanto ela relaxava em uma banheira quente? Sacudiu a cabeça para afastar tais pensamentos. Arthur era um nobre e um homem poderoso. Certamente estaria bem protegido e bem servido. Talvez até mesmo com uma amante para aquecer sua cama a noite. Alguém que era tudo o que ela não era, e que faria com ele tudo o que ela não conseguia fazer. Se sentiu triste.
Contudo, um pensamento a ocorreu. Talvez fosse sua própria natureza nobre que impedisse Arthur de buscar o desfrute em seus braços. Talvez Arthur pensasse que não devesse sujar a Senhora do Vale com desejos impuros. Isso certamente correspondia a alguns relatos que ouvira de senhoras mais velhas. Cobriu a boca com as mãos.
Aaaaah, mas que droga. Desejou ser uma seguidora de acampamentos. Não tivesse títulos e pompas, talvez seu marido a olhasse diferente. Imaginou-se em trajes de dançarina. Imaginou-se dançando pra ele. Imaginou os grandes olhos acobreados a devorando. E sentiu um formigamento entre as coxas.
Talvez fosse o vinho falando, mas sua imaginação estava correndo solta. Imaginou o beijo de Arthur em seu pescoço. Suas mãos correndo pelo seu corpo. Sem perceber, suas próprias mãos faziam o papel das mãos de Arthur. Onde suas mãos tocavam, as dele tocavam. Tocaram seus seios, sua barriga, suas coxas, e então tocaram seu sexo. Sentiu uma onda de prazer percorrer seu corpo inteiro.
– Ah, Arthur! Arthur, me ame. Me deseje. Me devore — Ela sussurava em meio a névoa enquanto se estimulava. Estava tão sensível que era capaz de sentir os lábios de Arthur beijarem seu pescoço, seu peito, seus seios. Sufocou um gritinho de prazer quando “ele” a penetrou. Seu corpo parecia mais quente que a água. Sentia que iria derreter. Não podia nem queria deter sua voz, seus gemidos. Ouvir a si mesma apenas aumentava seu prazer. Sentia seu corpo tremer de tempos em tempos.
Abriu os olhos enquanto se tocava e admirou o próprio corpo. Nunca havia feito nada parecido. Não sabia porque estava fazendo aquilo, mas sabia apenas que não queria parar. Sua mente fervilhava. Ela imaginou que Arthur a observava distante na névoa. Juraria ser capaz inclusive de ver sua figura borrada pela neblina. Queria mais. Queria que ele a visse mais. Que a desejasse mais. Abriu as pernas para se mostrar a ele. Deslizou os dedos pela flor, convidando-o ao desfrute. Sonhava com ele dentro de si, ansiava por isso ardentemente. E então sentiu uma onda imensa de prazer percorrer todo o seu corpo e não conseguiu suprimir um grito de prazer. Fechou as pernas e se contraiu, mas as ondas continuavam a percorrê-la. A explosão de êxtase durou apenas alguns segundos, mas foi intensa e deixou pra trás uma Lilian completamente confusa. O que diabos acabara de acontecer? Ainda estava ofegante e a pele ainda estava arrepiada quando conseguiu voltar a relaxar. Talvez devesse procurar um médico, mas se fizesse isso a vergonha seria tanta que deveria mudar de nome e país.
(continua)
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Oi, gente!
Espero que gostem desse conto. Eu ainda estou decidindo se vou continuá-lo ou se vou seguir em outra temática. Na real, eu abri uma votação no meu Instagram sobre isso. Eu estou em dúvida sobre se prossigo com o Segredos, ou se prossigo com o Sete Dias no Escuro ou com A Balada da Fênix e do Bastardo (todos postados aqui no fórum).
Se quiserem me dar uma mãozinha, curtam o conto lá no Medium e deixem um comentário
Sim, de fato, a chegada do Lorde do Castelo seria um evento. Após quatro longos meses afastados do lar, os Cavaleiros Prateados retornariam triunfantes de sua campanha para expulsar os bárbaros da Costa Azul. Muitas das servas do castelo tinham maridos, filhos e irmãos entre as fileiras dos Cavaleiros, e o clima de expectativa pelo retorno era grande. As notícias trazidas pelos mensageiros era excelentes, nenhuma baixa havia sido sofrida, a vitória era total. Sem nenhum funeral iminente e nenhuma viúva ou mãe a consolar, o clima era de festa. Os criados corriam pelo castelo, enfeitando as muralhas com panos coloridos e empenhados em limpar cada pedra, para que o Lorde se alegrasse ao retornar para casa.
Lilian suspirou. Seu marido era o grande herói da Cidade Murada. Arthur Remdragon, o Protetor do Vale, Defensor do Leste. Um guerreiro feroz e um comandante ousado, mas também um nobre honrado e um perfeito cavalheiro. Era um homem respeitado mesmo dentro da Corte Real, admirado por muitos e temido pelos inimigos da Nação. Ela mal pôde acreditar quando sua mãe lhe contara durante a adolescência que fora prometida ao herói do Reino. Quando finalmente o conheceu, achou que seu coração iria explodir. Arthur, além de renomado, era lindo.
Alto e moreno, com olhos acobreados penetrantes e dono de um sorriso que derreteria geleiras. Como ele era galante! Espirituoso, era dono de um humor incrível. A fazia rir o tempo inteiro. As horas que passavam conversando lhe pareciam minutos. Possuía uma inteligência aguçada, que contrariava a lógica comum que ditava que guerreiros eram homens brutos que só sabiam falar de guerra. Tinham opiniões semelhantes e conversavam sobre filosofia, arte, política. Lilian fora muito questionada pela família durante toda sua vida, pelo seu apreço aos livros. Diziam que uma dama não deveria se preocupar com tais coisas e deveria se concentrar em como administrar a casa e agradar ao marido. Mas Arthur admirava os conhecimentos de Lílian e era possível ver em seus olhos o orgulho e admiração que sentia por sua prometida.
Em seu casamento, não podia acreditar que não estava sonhando. Lilian estava nas nuvens. Casaram-se na primavera, no jardim do Castelo. Uma cerimônia de contos de fadas, onde até mesmo o Primeiro Ministro comparecera para prestar seus respeitos. Um baile lindo se seguiu, com um grande banquete e muitos convidados. E, ao fim, a donzela nervosa fora levada nos braços de Arthur para o quarto, sob os gritos de viva dos convidados, para que tivessem a tão aguardada Noite de Núpcias.
Quando a notícia de seu casamento se espalhou, todas as senhoras do castelo vieram lhe prestar seus conselhos sobre este momento. Lilian, curiosa, pesquisara muito em livros e questionara as amas casadas sobre o ato. Soube com preocupação que as primeiras vezes seriam dolorosas. As opiniões constrastavam. As senhoras mais velhas falavam sobre isso como algo solene, um momento sujo porém necessário, um dever da esposa para com o marido. Porém, as moças mais jovens contavam lendas, entre risinhos e com rostos corados, sobre as delícias que a esperavam no quarto do casal.
Em sua própria noite de núpcias, Lilian estava nervosa como qualquer donzela. Seu coração batia tão alto que ela tinha medo que Arthur ouvisse e a achasse permissiva demais. Quando ele a colocou sobre a cama, deu-lhe um beijo na testa e virou de costas. Começou a se despir lentamente. Lilian observava a cena com o coração aos pulos, e pegou-se apertando as coxas uma contra a outra tentando deter o formigamento. Sentiu como se o quarto estivesse muito, muito quente. Perguntou-se se deveria tirar suas roupas também, mas suas amas lhe contaram que muitos homens encontram prazer em despir suas mulheres.
Contudo, para sua estranheza, Arthur parecia distante. As moças contaram-lhe histórias sobre como os rapazes eram… famintos. Sedentos. Mas Arthur fora protocolar. Sua primeira noite com o marido não correspondera em absolutamente nada com as histórias que suas amigas lhe contaram. Envergonhada, ela evitou olhar-lhe o membro viril, mas ao tato ele não parecia… pronto. Não era como as histórias. O processo acabou sendo lento e mais doloroso. Arthur parecia tentar lhe tocar o mínimo possível. Toda sorte de trapalhada aconteceu. Ao fim, quando o sangue de sua virgindade finalmente tingira o lençol, seu marido deu-se como satisfeito e declarou o fim da noite de núpcias com outro beijo em sua testa e virou-se para dormir, alegando cansaço e embriaguez.
– Tudo bem — Lilian pensou — Talvez ele esteja nervoso. Pelo que me contam, homens são hesitantes em admitir a própria falta de experiência. Que fofo. — Ela sorriu e afagou-lhe os cabelos e adormeceu ao seu lado.
Contudo, ao longo das semanas que se seguiram, Arthur manteve o padrão. Durante o dia, apesar de atarefado, lhe era atencioso, caloroso, galante e divertido. Mas, à noite, ele era distante e frio, e parecia lhe evitar. Lilian começara a duvidar de seus próprios encantos. — Talvez ele tenha se arrependido — era um sentimento que destroçava seu coração e a deixava em prantos toda noite. Se olhava no espelho e passou a não gostar do que via. Seus cabelos acobreados e cacheados deviam ser feios. Não eram lisos e sedosos como os das moças das altas cortes que Arthur frequentava. Seus olhos eram castanhos e sem graça, não os olhos claros e iluminados das bardas que cantam nas tavernas. Talvez suas formas não fossem adequadas. Talvez estivesse gorda, ou tivesse marcas desagradáveis. Talvez fossem suas sardas? Ela passou a não gostar de nada do que via no espelho.
Fugia do quarto para a antessala quando as lágrimas começavam a rolar. Não queria incomodar Arthur com seu choro frívolo, com medo que suas reclamações o afastassem ainda mais e ela acabasse sofrendo a humilhação final de ser devolvida aos pais em um divórcio calamitoso. O mero pensamento disso acontecer fazia seu peito arder. Ela preferia a morte.
Passara a tentar coisas diferentes. Comia cada vez menos na esperança de recuperar suas formas juvenis. Praticava técnicas de maquiagem que pudessem lhe esconder as imperfeições da pele. Uma vez, alisou os cabelos com a ajuda das amas. Passaram-lhe as madeixas à ferro. Quase não se reconheceu ao se olhar no espelho, mas animou-se que talvez pudesse ganhar o favor de Arthur. Seu marido, porém, dera gargalhadas ao lhe ver e disse-lhe que preferia seus cachos. Imediatamente sentiu os olhos arderem e usou cada fibra de seu ser para não cair em prantos diante do marido. Forçou um sorriso a aparecer em seus lábios e respondeu que pensava mesmo que tinha ficado estranho. Nada funcionava.
Talvez apenas não fosse capaz. Talvez não tenha nascido com o necessário para ser a Senhora do Vale. Rumores começavam a se espalhar entre as amas que testemunhavam a falta de intimidade do casal. Os sussurros feitos às suas costas a cada vez que passava eram uma adaga fincada em seu coração. Talvez merecesse ser devolvida aos pais e ostracizada. Talvez fosse melhor que isso acabasse logo. Mas esse sentimento lhe era sufocante. Arthur era tão maravilhoso. Ela queria tanto ser sua mulher, ser amada e desejada. Era tão injusto! Porque? Porque os deuses a fizeram tão desinteressante? O que fizera em sua vida que a tornasse merecedora de tal desgraça?
Os meses passaram, e então Arthur lhe chamou aos seus aposentos. Ele lhe contou que bárbaros estrangeiros estavam invadindo vilarejos ao longo da Costa Azul. Saqueavam e destruiam, matavam homens, idosos e crianças, enquanto estupravam e sequestravam mulheres. O Rei havia ordenado aos Cavaleiros Prateados que protegessem a Costa e expulsassem os bárbaros. Uma nobre missão para o Defensor do Leste. Partiriam em três dias, e durante a sua ausência, ela seria a Senhora do Castelo. Deveria cuidar dos cidadãos e proteger as muralhas. Não estaria desprotegida, pois uma guarnição de soldados seria postada na cidade sob suas ordens. Arthur lhe disse que tinha plena confiança nas habilidades de Lilian. Isso aqueceu seu coração e ela teve vontade de se jogar em seus braços, mas lutou e conteve seu ímpeto. Apenas agradeceu a confiança e prometeu corresponder as suas expectativas.
Durante os dias seguintes, achou que a expectativa da prolongada ausência iria estimular Arthur a procurá-la na cama. Contudo, a postura de seu marido seguiu distante. Na noite imediatamente anterior à partida, Lilian decidiu deixar as convenções de lado e ser mais agressiva. Precisou de quatro taças de vinho, mas conseguiu reunir coragem. Ao deitar-se ao lado do marido, atirou-se aos seus braços e comprimiu seus lábios contra os dele. Surpreso, Arthur correspondera ao sôfrego beijo com gosto de vinho que sua esposa lhe dera. Mas, ao sentir as mãos dela buscando os cordames de suas calças, ele a segurou pelos ombros e a interrompeu.
– Está tarde, minha Senhora. Amanhã o dia será difícil. — disse-lhe, com o rosto incapaz de esconder seu embaraço. Lilian sentiu vontade de morrer. Agora Arthur devia pensar que era uma promíscua, uma devassa. — Oh. Sinto muito, tem razão. Melhor dormirmos logo. — Toda a coragem que quatro taças de vinho lhe deram mal fora suficiente para que ela pudesse responder sem irromper em lágrimas. Engoliu o choro e caiu em um sono inquieto.
Na manhã da partida, foi chamada à primeira luz para conversar com o Lorde em seu escritório. Ao adentrar a sala, percebeu que ao lado de Arthur, estava um rapaz que não conhecia. Deveria ter a mesma idade do Lorde, e era igualmente bonito. Tinha longos e lisos cabelos ruivos e os olhos da cor do mel. Pelas roupas, era possível deduzir que se tratava de um senescal, possivelmente o administrador do Castelo.
– Bom dia, Senhora. — Quando entrou, viu que Arthur estava sentado à mesa e assinava alguns papéis, mas fizera uma pausa de seus deveres para recebê-la com um sorriso. — Este é Liam. Ele é um de meus mais bravos comandantes, e um amigo de longa data, crescemos juntos. Ele estará encarregado da guarda da cidade, comandando a guarnição. Ele estará diretamente sob suas ordens, e atenderá a quaisquer necessidades que tenha. — Liam se curvou em reverência, e Lilian correspondeu ao cumprimento de forma igualmente formal.
Após as tratativas, o novo senescal se retirou para dar privacidade ao casal. Arthur se aproximou e segurou as mãos de Lílian. Ele as uniu e as beijou, e lhe disse que sentiria saudades. Lílian não pôde segurar as lágrimas. Seu marido cobriu seus lábios com os dele, e ela sentiu seu coração se aquecer novamente. Desejou que tivessem mais tempo. Que ele não precisasse ir. Mas sabia que Arthur era um cavaleiro honrado, e jamais abandonaria seus deveres.
Quando conseguiu se recompor. Caminharam juntos e de mãos dadas até o pátio. Trezentos cavaleiros em armaduras prateadas montados em cavalos armados aguardavam seu líder. Servos auxiliaram Arthur a vestir sua armadura e montar seu cavalo. A visão do Lorde do Vale, armado e montado em seu cavalo, cavalgando à frente de seus homens, era uma visão grandiosa. Partiram em procissão sob as vivas dos cidadãos do Vale. Apenas quatro dias depois, a primeira neve caiu, anunciando a chegada do inverno.
Liliam era a Senhora do Castelo. Suas primeiras medidas foram assegurar que todos os cidadãos do Vale estavam bem abastecidos de comida e lenha para enfrentar o inverno. Despachou cinquenta homens para as montanhas para cortar lenha antes que as árvores congelassem. Ordenou que todas as casas tivessem estoques suficientes. Os invernos do Vale não eram muito rigorosos, mas era importante não dar margem ao azar. Havia comida suficiente estocada nos celeiros, e não havia tempo para mais uma colheita, mas mesmo assim Lilian ordenou que os estoques fossem reforçados enquanto ainda houvesse caça abundante e o Lago não estivesse congelado. Graças aos esforços e a consideração da Senhora, o inverno fora tranquilo, e até mesmo aconchegante para os aldeãos, que celebravam a bênção de terem uma Senhora justa e bela.
– Seu banho está pronto, Senhora — Lilian ouviu a ama sussurrar discretamente em seu ouvido enquanto estava imersa nos relatórios sobre finanças e reparos necessários nas estruturas da cidade que Liam pacientemente lhe explicava. Ao ouvir tal frase, Lilian se alegrou. O Castelo do Vale não era um dos mais luxuosos castelos do Reino. Era até pequeno, se comparado aos castelos dos clãs mais nobres. Contudo, um dos poucos luxos que o castelo dispunha era de um belo banho, equipado inclusive com uma sauna. Talvez fosse uma extravagância, mas Lilian julgou que poderia se permitir um pouco de luxo, uma vez que todos os aldeões estavam confortáveis e bem alimentados.
Dispensou Liam com um cumprimento e então caminhou em direção ao banho. Cantarolava pelo caminho, feliz em estar sendo útil e satisfeita com a justa recompensa de um banho quente e cheiroso. Dispensou as amas, pois desejava banhar-se sozinha. Queria relaxar um pouco, tomar uma taça de vinho na banheira. Se precisasse de mais vapor ou água quente, chamaria as amas. Nenhuma delas se opôs.
Sentiu calor ao entrar nos aposentos dos banhos. Uma fina névoa permeava o lugar. Aproximou-se da banheira e sentiu a temperatura da água com as mãos. Estava ótima. Começou a despir-se. Já estava lutando contra as amarras de suas roupas de baixo quando ouviu um barulho. Cobriu-se como pôde e ficou em silêncio. O ruído não se repetiu, e pensou estar ouvindo coisas. Terminou de se despir e começou a se lavar. Ao entrar na banheira, sentiu a água quente relaxando seu corpo e soltou um suspiro de alívio e prazer. Ao lado da banheira, as amas haviam lhe deixado uma bandeja com uma taça e uma jarra de seu vinho favorito.
Lilian não era de beber, mas não tinha nada contra uma taça de vinho a noite para relaxar. Hoje, saboreando a vitória de uma administração bem sucedida, talvez se daria ao desfrute de uma taça extra. Ou duas taças extras.
Pegou-se pensando em Arthur. Estaria ele bem? Ela nunca fora até a Costa Azul. Os invernos lá seriam rigorosos? Estaria ele gelado e exausto enquanto ela relaxava em uma banheira quente? Sacudiu a cabeça para afastar tais pensamentos. Arthur era um nobre e um homem poderoso. Certamente estaria bem protegido e bem servido. Talvez até mesmo com uma amante para aquecer sua cama a noite. Alguém que era tudo o que ela não era, e que faria com ele tudo o que ela não conseguia fazer. Se sentiu triste.
Contudo, um pensamento a ocorreu. Talvez fosse sua própria natureza nobre que impedisse Arthur de buscar o desfrute em seus braços. Talvez Arthur pensasse que não devesse sujar a Senhora do Vale com desejos impuros. Isso certamente correspondia a alguns relatos que ouvira de senhoras mais velhas. Cobriu a boca com as mãos.
Aaaaah, mas que droga. Desejou ser uma seguidora de acampamentos. Não tivesse títulos e pompas, talvez seu marido a olhasse diferente. Imaginou-se em trajes de dançarina. Imaginou-se dançando pra ele. Imaginou os grandes olhos acobreados a devorando. E sentiu um formigamento entre as coxas.
Talvez fosse o vinho falando, mas sua imaginação estava correndo solta. Imaginou o beijo de Arthur em seu pescoço. Suas mãos correndo pelo seu corpo. Sem perceber, suas próprias mãos faziam o papel das mãos de Arthur. Onde suas mãos tocavam, as dele tocavam. Tocaram seus seios, sua barriga, suas coxas, e então tocaram seu sexo. Sentiu uma onda de prazer percorrer seu corpo inteiro.
– Ah, Arthur! Arthur, me ame. Me deseje. Me devore — Ela sussurava em meio a névoa enquanto se estimulava. Estava tão sensível que era capaz de sentir os lábios de Arthur beijarem seu pescoço, seu peito, seus seios. Sufocou um gritinho de prazer quando “ele” a penetrou. Seu corpo parecia mais quente que a água. Sentia que iria derreter. Não podia nem queria deter sua voz, seus gemidos. Ouvir a si mesma apenas aumentava seu prazer. Sentia seu corpo tremer de tempos em tempos.
Abriu os olhos enquanto se tocava e admirou o próprio corpo. Nunca havia feito nada parecido. Não sabia porque estava fazendo aquilo, mas sabia apenas que não queria parar. Sua mente fervilhava. Ela imaginou que Arthur a observava distante na névoa. Juraria ser capaz inclusive de ver sua figura borrada pela neblina. Queria mais. Queria que ele a visse mais. Que a desejasse mais. Abriu as pernas para se mostrar a ele. Deslizou os dedos pela flor, convidando-o ao desfrute. Sonhava com ele dentro de si, ansiava por isso ardentemente. E então sentiu uma onda imensa de prazer percorrer todo o seu corpo e não conseguiu suprimir um grito de prazer. Fechou as pernas e se contraiu, mas as ondas continuavam a percorrê-la. A explosão de êxtase durou apenas alguns segundos, mas foi intensa e deixou pra trás uma Lilian completamente confusa. O que diabos acabara de acontecer? Ainda estava ofegante e a pele ainda estava arrepiada quando conseguiu voltar a relaxar. Talvez devesse procurar um médico, mas se fizesse isso a vergonha seria tanta que deveria mudar de nome e país.
(continua)
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Oi, gente!
Espero que gostem desse conto. Eu ainda estou decidindo se vou continuá-lo ou se vou seguir em outra temática. Na real, eu abri uma votação no meu Instagram sobre isso. Eu estou em dúvida sobre se prossigo com o Segredos, ou se prossigo com o Sete Dias no Escuro ou com A Balada da Fênix e do Bastardo (todos postados aqui no fórum).
Se quiserem me dar uma mãozinha, curtam o conto lá no Medium e deixem um comentário