Dia 10 de Nightal de 1372 CV
O Brasão havia mudado pouco desde então. O pequeno estabelecimento continuava sendo um lugar frequentado principalmente por lenhadores, pastores e comerciantes. O proprietário era Lonnor, um nativo de Neve Morta, e nem mesmo ele resistira ao avanço das horas enquanto Johan e Arianna passavam os seus últimos momentos juntos. Tudo havia começado ali, e era ali que terminaria.
Ao amanhecer era certo que Arianna pegaria a estrada que levava a Ascore, e Johan... bem, o cavaleiro decidiria o seu curso no devido tempo. Ele só queria aproveitar ao máximo a companhia da Arianna, pois poderia ser a última vez em que se veriam e conversariam. As pálpebras de Arianna começavam a ficar pesadas de cansaço quando disse:
- Sir, antes de nos despedimos, eu queria agradecê-lo uma última vez por ter me ajudado. Como sabe, amanhã partirei de Neve Morta, e é provável que você esteja dormindo, pois pretendo partir logo nos primeiros raios do sol. Quero aproveitar bem a estrada ao longo do dia – Arianna falara com uma confiança que sugeria que não havia nada a ser temido em sua longa jornada. Mas ao mesmo tempo ela parecia não saber bem como se despedir apropriadamente de Johan. – Acho... que chegou a hora de darmos adeus.
A comodidade desses quartos lembrava muito a dos quartos nobres no Alto Palácio de Lua Argêntea, cujo prazer de desfrutá-los por um bom tempo tiveram Eunsech, Tomdrill e Belediel. Os três, alias, optaram por ficar juntos num dos quartos disponibilizados pela Grã-Senhora Alustriel, enquanto no outro se acomodaram Frafur, Darksol, Drago e Sophia. Todos eles aproveitaram bem a primeira noite em que passaram em seus quartos luxuosos no Salão de Mitral. Logo pela manhã seguinte, um arauto do Rei Bruenor bateu na porta de cada um dos quartos, fazendo o seguinte comunicado:
- A Grã-Senhora Alustriel e a Vossa Majestade Martelo de Batalha requerem a presença de todos na sala do conselho.
Os convocados então se arrumaram em questão de minutos e foram em direção a já conhecida sala. O conselho era presidido pela Alustriel, que além de Grã-Senhora da Confederação das Fronteiras Prateadas era também a Senhora Protetora, cuja função era representar todos os protetorados da liga, isto é, as pequenas comunidades que não possuíam o poder de um verdadeiro participante no conselho. Ao seu lado direito estava sentado o Rei Bruenor Martelo de Batalha, vestido com toda a elegância de sua armadura, e no outro lado estava Emerus Coroa de Guerra, o Rei da Cidadela dos anões de Felbarr. Já o Mestre de Sundabar, Helm Amigo dos Anões, tinha a sua cadeira posta ao lado do Rei Martelo de Batalha, enquanto do lado de Emerus havia um elfo, este nada conhecido pelos recém-chegados, com uma aparência bonita, charmosa e sério ao mesmo tempo. Do lado oposto da mesa estava solitariamente a Mão de Garra, a chefe dos Corvos Negros. Como de costume, Alustriel foi a primeira a falar.
- O nosso humilde conselho, que conta com ausência de pessoas importantes como a Velha Noite, o Rei Harbromm da Cidadela de Adbar e um representante dos anciões de Everlund, decidiu que vocês, por valorosos serviços prestados à Confederação, especialmente os que participaram da Comitiva das Fronteiras há alguns meses atrás, poderão participar ativamente das nossas próximas reuniões a respeito da guerra que nos assola. Ou seja, se concordarem, vocês agora farão parte do conselho atual, e poderão emitir suas opiniões e sugerir soluções para os nossos problemas. Mesmo quem não queira assumir esse compromisso, está convidado a pegar uma cadeira e se sentar para assistir os nossos debates.
O anão também corria contra o tempo. Desde que Baraz descobrira que o Rei Harbromm da Cidadela de Adbar se retirara da Confederação das Fronteiras Prateadas, ele só pensava em alcançar o Salão de Mitral o quanto antes e avisar a Grã-Senhora Alustriel. Talvez ela já soubesse disso, mas só os deuses do Norte sabiam como era difícil e arriscado transmitir uma mensagem em tempos de guerra e em época de inverno profundo.
Além do mais, Baraz queria rever as pessoas que chegaram mais próximas de serem seus amigos em toda a sua vida: a extrovertida Belediel, o não menos brincalhão Eunsech; o elemental de fogo com trejeitos de anão Katon, e o disciplinado forjado bélico Ardanthur; Glim, o gnomo ilusionista, e Tomdrill, o jovem mago de Lua Argêntea; e ele ansiava até mesmo por reencontrar Frafur, o barakor de Gorm Gulthym, cuja figura Baraz tivera um pequeno entrevero a respeito de quando capturaram um dos filhos do Rei Obould Muitas-Flechas.
Muitas milhas haviam para ser percorridas nos túneis subterrâneos que ligavam a Cidadela Adbar com o Salão de Mitral, mas os dias foram passando quase que despercebidos diante da expectativa de Baraz em reencontrar seus amigos. Após quase duas dezenas de dias de viagem, Baraz finalmente alcançou os portões que eram guardados por anões do escudo da fortaleza do Rei Bruenor Martelo de Batalha. Os portões eram grandes, maciços e de mitral. Um dos guardas do portão se adiantou.
- Quem é você e qual é o seu propósito aqui?
Um novo dia se iniciou, e com ele um novo ano. Era o Ano dos Dragões Ladinos, como o Sábio Perdido Augathra, o Louco, escreveu e batizou-o num enorme e empoeirado livro da grande biblioteca do Forte da Vela. O que isso significava ou acarretaria num futuro próximo não dava para saber, mas o fato é que a maioria das pessoas consideravam as escolhas de Augathra para os nomes dos anos como presságios misteriosos. Seja da forma que for, foi nesse dia, o primeiro do ano de 1373 no calendário do Cômputo dos Vales, que Ariel resolvera inaugurar a sua loja.
Apesar do temor da guerra, o povo não podia deixar as festividades de lado. As tavernas e hospedagens de Lua Argêntea reverberaram com som e música na noite anterior, e deste modo celebraram a passagem do ano com festa e bom humor. Estrategicamente, Ariel fez a inauguração da loja financiada por Zara Tantlor nas primeiras horas do dia. Um bom número de pessoas esteve presente em frente do local, entre elas alguns bêbados que não haviam dormido de um dia para o outro e que só queriam saber de comemorar.
Depois da inauguração, o que provavelmente contou com alguns truques do mago, Ariel se retirou para o interior do estabelecimento e ficou a espera para ver quem seria o seu primeiro cliente. Uma figura entrou de soslaio não muito depois de Ariel. Ela usava uma capa marrom junta ao corpo, terminando com um capuz que ocultava seu rosto. Era uma mulher a julgar pelo seu corpo esguio e feminino, embora fosse sem dúvida alta, e quando ela abriu a boca para falar se comprovou de que fato se tratava de uma mulher.
- É uma bonita loja – elogiou. Sua voz era mansa e recatada. – Que tipos de itens você fabrica para vender? – Ariel percebeu uma pele escura por trás do capuz quando a mulher ergueu parcialmente o rosto para observar as prateleiras nas paredes.