C h r y s a l i s
Narração - Alex (Faber)
Enquanto abria os olhos, e uma imagem turva de um lugar desconhecido e mal iluminado se formava diante de seus olhos doloridos, Alexander recordava uma memória de infância.
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Ele, um garotinho gorduchinho de cabelos ruivos e olhos de esmeralda, estava sentado em um banco alto, perto da mesa do avô, observando atentamente aquela figura mística que o avô se tornara com o tempo: era um homem completamente grisalho e de estatura baixa, com nariz bem grande e olhos pequeninos, que estava sempre de mau humor com tudo e com todos, mas que sabia criar as mais maravilhosas engenhocas. Parecia até magia as coisas que ele conseguia fazer. Alexander (o avô, de quem ele herdara o nome) transformava o mais simples brinquedo em obra de arte e encontrava falhas a serem melhoradas em qualquer coisa, mesmo que não soubesse como aquilo funcionava, antes do momento da inspeção.
- Vem cá, peste – o avô disse, sempre carrancudo, quando o neto começou a ficar inquieto em seu banquinho. Afastou a cadeira, para que ele sentasse em sua perna direita (por ser canhoto, o avô precisava ter mais liberdade no lado esquerdo do corpo – o menino aprendera isso de forma dura, após levar várias broncas e beliscões do avô), e indicou o “esqueleto” de um relógio de bolso que ele estava criando. Além da estrutura complexa do interior do relógio, o avô estava trabalhando em um visor incrível: remontava uma batalha épica no mar, entre um navio e um dragão; e as peças estavam encaixadas de forma que, com o passar dos segundos no relógio, as ondas do mar pareciam se mexer, alterando o vencedor da batalha: ora o dragão sucumbia ao mar, ora o barco era destruído pela fúria do monstro. [...] Parecendo entender a mente do menino, ao ver a expressão que seu rosto expressava, o avô continuou, enquanto ajustava algumas peças – O tempo é a chave de tudo, guri. Pode te fazer vencedor ou pode te destruir. Não é a força do Dragão ou a artilharia do Navio que determinam quem terá a vitória... Mas sim quem sabe se mover entre as ondas...
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Uma sensação quente e molhada fez Alex despertar de vez de seu devaneio saudoso. Primeiro, sentiu na blusa e logo, após umas risadas, sentiu um jato atingir o seu rosto. A sensação foi terrível: enquanto tomava consciência da origem do jato, sentia o líquido salgado e malcheiroso invadir as suas narinas e boca, além de escorrer um pouco para orelhas e respingar no cabelo. Antes que pudesse ter qualquer reação, mais risadas e barulhos de passo correndo para... O norte? Alex não tinha certeza. Os olhos ardiam, devido à urina e o corpo tremia. Onde ele estava? Por que sua mão direita doía tanto? O que estava acontecendo ali?.. O homem não conseguia elaborar uma resposta para as perguntas.
[...]
Após alguns instantes, o empresário conseguiu ver que estava em algum beco do centro da cidade. O cheiro de comida, a movimentação, a sujeira... Não tinha como não ser o centro. Estava sentado em alguns sacos de lixo, com sua pasta de trabalho revirada um pouco mais a frente, os sapatos faltando, o celular provavelmente roubado... A única coisa que ainda estava com ele, além da roupa, era o velho relógio do avô, preso firmemente em sua mão direita, de forma a machucá-la de verdade. Alex não conseguia se lembrar de como havia chegado ali... Nem de quando pegara o relógio no banco, onde guardara pela manhã. Se lembrava, menos ainda, do possível assalto que sofrera. Será que havia batido a cabeça?
[...]
Após se levantar e começar a andar em direção à rua, abriu o relógio de bolso, querendo ver as horas... Mas se assustou, ao ver a data. O relógio indicava que era dia 15/12/2017, exatamente um mês após a data que realmente estavam... Certo? E no dia exato do aniversário de casamento dele com Luiza. Será que o relógio do avô, que nunca falhara, estava com defeito ou realmente era aquela data?.. Ao sair do beco, veria decorações de natal espalhadas pelos postes no passeio. O comércio já estava fechando, mas a vida noturna ainda estava a pleno vapor. Vários jovens entravam em um bar medieval, que imitava uma taverna, há alguns metros de onde Alex estava. No letreiro de madeira, o símbolo de um dragão estava esculpido, acima do nome “Dragão Invernal”. Alguns ônibus passavam, parando em um ponto do outro lado da rua. E, no meio do caminho de Alexander, havia uma imensa pedra...